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Política & Poder

Bolsonaro e seus confrontos com a ‘incômoda’ imprensa brasileira

Os últimos quatro anos “foram muito difíceis”, resume um jornalista, que cobre o governo em Brasília e falou sob a condição do anonimato

Jornal de Brasília

01/10/2022 10h06

MIGUEL SCHINCARIOL/ AFP

A cada pergunta incômoda, um insulto: “mentirosa”, “canalha”, “você é uma vergonha”. O presidente Jair Bolsonaro trava uma guerra com a imprensa brasileira e optou por falar nas redes sociais e veículos pequenos alinhados a seu governo.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tenta se eleger presidente pela terceira vez no primeiro turno no domingo frente a Bolsonaro (PL), também teve confrontos com a imprensa, enquanto a esquerda esteve no poder e agora propõe regular a mídia, acendendo alguns alarmes.

Mas os últimos quatro anos “foram muito difíceis”, resume um jornalista, que cobre o governo em Brasília e falou sob a condição do anonimato.

Nunca houve tanta hostilidade como no governo de Bolsonaro, que vê a imprensa como um elemento “antipatriótico”, explicou à AFP Arthur Ituassu, professor de Comunicação Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). O presidente a considera “um inimigo que tem que ser derrotado”.

Desde 2018, o Brasil caiu cinco posições, para a 110ª entre 180 países, no índice de liberdade de expressão da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que destaca que Bolsonaro “ataca periodicamente jornalistas e mídia em seus discursos”.

“Atacar o mensageiro era o mecanismo mais acionado por ele para encobrir o próprio despreparo e também desacreditar a imprensa como um todo”, diz o repórter.

Exemplos não faltam

“Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”, disparou para a jornalista Vera Magalhães, durante o primeiro debate presidencial, televisionado no fim de agosto.

“Minha vontade é encher tua boca na porrada”, ameaçou dois anos antes ao se dirigir a um repórter do jornal O Globo, que lhe perguntou sobre cheques que teriam sido depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Bolonaro foi, inclusive, condenado a pagar uma indenização para a jornalista Patricia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, após insinuar que ela havia tentado conseguir um furo jornalístico sobre ele em troca de favores sexuais com uma fonte.

“Cercadinho”

O acesso da imprensa a Bolsonaro sempre foi limitado, inclusive agora durante a campanha, exceto pelos debates organizados por grandes veículos de comunicação e uma entrevista com a TV Globo, que costuma ser alvo de seus principais ataques.

O presidente – apontado como perdedor para Lula nas pesquisas de intenção de voto – favorece canais de orientação conservadora, afins ao seu governo, e sobretudo transmissões nas redes sociais, que os grupos bolsonaristas “aprenderam a operar de forma muito mais eficiente do que os partidos tradicionais”, afirmou Amaro Grassi, coordenador de pesquisas da unidade de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.

Os jornalistas em campo são, inclusive, confrontados por seguidores do presidente que, alinhados a Bolsonaro, os tacham de mentirosos e manipuladores.

Era o que acontecia no início de seu mandato no “Cercadinho”, no entorno da residência oficial do Palácio da Alvorada, em Brasília, onde jornalistas e militantes aguardavam o presidente perto do portão.

Bolsonaro descia do carro e imediatamente começava a metralhadora de perguntas dos jornalistas, que terminava diluída em meio aos ataques do presidente aos veículos e os aplausos e ovações de sua base.

“Era muito desgastante”, afirma outro jornalista, que também pediu para não revelar seu nome. “Você ia preparado para ser chutado” diante de qualquer pergunta. “Não havia um espaço institucional para fazer perguntas ao presidente”.

Os veículos de comunicação pararam, então, de cobrir temendo agressões dos bolsonaristas.

“Revanche”

Lula (2003-2010) e sua aliada e sucessora, Dilma Rousseff (2011-2016), também tiveram confrontos com a imprensa, que trouxe à tona muitos dos escândalos que macularam a imagem dos governos de esquerda no Brasil.

Mas havia mais acesso e mais institucionalidade, segundo jornalistas de Brasília, que esperam recuperar essa ‘normalidade’ em um eventual retorno da esquerda ao poder.

Um dos jornalistas consultados teme, no entanto, uma “revanche” contra a imprensa.

Há uma semana, durante um comício, o ex-presidente lamentou ter sido massacrado pela mídia durante cinco anos, em alusão à operação Lava Jato – a investigação que o levou à prisão por corrupção por um ano e meio, antes que o Supremo Tribunal Federal anulasse sua sentença.

Lula antecipou que vai impulsionar uma modernização da lei da mídia para combater o monopólio atual e regular as redes sociais.

“Quer subjugar veículos para que deixem de publicar o que ele não quer que seja publicado”, criticou o jornal o Estado de S. Paulo em um editorial.

“Não quero controlar nada”, defendeu-se Lula durante entrevista em agosto. “Não quero um modelo de comunicação tipo Cuba ou China. Eu quero tipo a Inglaterra. Lá tem democracia? Tem. Então, é o de lá que eu quero”.

jt/app/mvv

© Agence France-Presse

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