*Ellen da Silva, Lara Barreto e Fabrício Marques Santos
Por que é preciso ter mais pessoas negras e indígenas no serviço público do Brasil? Primordialmente, porque garantir o direito de representação e corrigir o racismo estrutural do Estado Brasileiro são imprescindíveis para a nossa jovem democracia.
O nosso país não foi apenas omisso em incluir a população escravizada no pós-abolição, como também foi ativo em promover políticas públicas que inferiorizavam e limitavam os direitos da população negra e indígena no passado.
Lembremos do artigo 138 da antiga Constituição de 1934, que preconizava o estímulo à educação eugenista de defesa da superioridade das pessoas brancas, ou da Lei da Vadiagem, de 1941, que criminalizava as manifestações culturais e espirituais de pessoas negras e indígenas.
Esse pretérito imperfeito ainda assombra o Brasil, mesmo que o país esteja agora sob os escritos da Constituição de 1988, que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Não seremos capazes de avançar como nação enquanto não houver um enfrentamento sistemático e implacável contra o racismo, em todas as esferas da sociedade, a começar pelo próprio Estado.
Para além das razões imperativas de garantia de direitos e da dignidade, há um motivo adicional para ter mais representatividade no serviço público, já que as evidências mostram que priorizar a diversificação nesta área pode aumentar expressivamente a qualidade das políticas públicas no país. Pesquisadores da
burocracia representativa defendem que a efetividade das políticas e a confiança nas instituições podem ser elevadas quando há profissionais públicos com características sociodemográficas – como as de raça, etnia e gênero – em proporções semelhantes às da população.
No Brasil, ainda estamos distantes desse cenário; e os números não nos deixam mentir. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2021) mostrou que havia apenas 35,1% de pessoas negras no serviço público federal, em contraste com os 56% dos brasileiros que se autodeclararam negros, de acordo com o IBGE.
Ao mesmo tempo, uma pesquisa do Datafolha realizada a pedido do Movimento Pessoas à Frente, em 2021, apontou que nada menos que 79% da população acredita que a minoria ou nenhum dos servidores em cargos de chefia trabalha para resolver os problemas da população.
Esse descompasso pode ser mitigado com medidas intencionais de promoção da equidade étnico-racial. De maneira geral, os processos necessários para implementar políticas desta natureza não exigem recursos financeiros ou reservas orçamentárias vultuosas. A maioria exige, sobretudo, decisão política.
Ao longo de 2022, o Movimento Pessoas à Frente liderou um Grupo de Trabalho de promoção de equidade étnico-racial no setor público, com suporte técnico da Mahin Consultoria Antirracista. A iniciativa reuniu um potente grupo de servidores de órgãos federais, estaduais e municipais, acadêmicos, especialistas, parlamentares, sindicalistas e pessoas de movimentos sociais para produzir um documento com 27 recomendações de políticas para promoção de equidade étnico-racial na gestão de pessoas no serviço público, entregue recentemente a autoridades do Governo Federal e que também pode servir de referência para governos estaduais e para os municípios.
Essas 27 ações têm potencial para promover avanços rápidos no serviço público brasileiro. Além de aumentar a efetividade das políticas públicas, a presença de pessoas negras e indígenas no setor público é uma oportunidade material e simbólica de o Brasil se reconciliar consigo mesmo.
Com isso, a parcela do nosso povo que esteve sistematicamente excluída das mesas de tomada de decisão também poderá nos conduzir a um presente e um futuro à altura do que toda a sociedade brasileira merece.
*Ellen da Silva, Co-fundadora e Diretora de formação da Mahin Consultoria Antirracista
*Lara Barreto, Diretora de gestão na Mahin Consultoria Antirracista
*Fabrício Marques Santos, Secretário de Planejamento, Gestão e Desenvolvimento Regional de Pernambuco, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado do Planejamento (Conseplan) e integrante do Movimento Pessoas à Frente.