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Opinião

Apátrida: Vidas invisíveis em busca de identidade e direitos

Nascendo no Brasil, independentemente da nacionalidade de seus pais, você é brasileiro e possui os direitos básicos

Redação Jornal de Brasília

24/07/2023 16h20

Foto: Agência Brasil

*Maha Mamo

A palavra “apatridia” e desconhecida por grande parte das pessoas no Brasil. Mas, afinal, o que esse termo significa? Estou aqui para simplificar e explicar o significado de ser uma pessoa apátrida, algo que vivi por 30 anos.

Apátridas são pessoas que não tem uma pátria, não possuem certidão de nascimento, RG, passaporte, ou qualquer documento que comprove legalmente sua existência. Já parou para pensar quantas vezes precisou apresentar seus documentos nos últimos dias? Dirigindo, estudando, trabalhando, entrando em um lugar que exige identificação, comprando algo ou viajando? São tantas vezes que você nem percebe a necessidade do documento.

Nascendo no Brasil, independentemente da nacionalidade de seus pais, você é brasileiro e possui os direitos básicos de um cidadão brasileiro. Se você nasce fora do Brasil, mas tem pais brasileiros, você também é brasileiro. Porem, milhões de pessoas no mundo não tem esses direitos, assim como eu. Nasci no Líbano, onde não seria considerada libanesa, a menos que meu pai fosse libanês. Meu pai e sírio e minha mãe também, o que, sem dúvida, deveria me tornar síria. No entanto, o casamento inter-religioso não é aceitável na Síria. Meu pai e cristão, minha mãe e muçulmana. Além disso, não existe a possibilidade da minha mãe, solteira em seus documentos, registrar seus filhos. Quando meus pais se conheceram, mudaram-se da Síria para o Líbano e tiveram três filhos que não eram nem libaneses, nem sírios. Eram “apátridas”.

Nos queremos o obvio: existir oficialmente, mas isso era impossível. Passamos anos desprovidos de nossos direitos básicos de cidadania. Enfrentamos muitas barreiras e superamos algumas delas. Cada vez mais determinada, eu buscava alcançar meu objetivo principal: obter um documento.

Durante 10 anos vivi uma incansável luta. Enviei minha história ao redor do mundo em busca de esperança. Insisti, perseverei. Em 2014, o Brasil me deu uma resposta positiva! O onico país que me acolheu e me forneceu um documento de viagem. O meu sonho era conseguir a nacionalidade. Não sabia muito sobre o Brasil, nunca havia saído do Líbano, nunca havia viajado de avião. Com medo do desconhecido, embarquei em um avião rumo ao Brasil.

A adaptação ao Brasil, a aprendizagem de uma nova língua e cultura foram desafios que enfrentei durante meses. O país não estava preparado, mas mostrou boa vontade e nos apresentou uma solução para viver legalmente aqui. Em 2016, finalmente recebemos o status de refugiados, embora tenha sido marcado pela tristeza da perda de meu único irmão em uma tentativa de assalto.

Desde então, minha missão como ser humano foi lutar para não morrer também como apátrida. Compartilhei minha história e contribuí para mudanças nas leis do Brasil. Minha irma e eu nos tornamos as primeiras pessoas a obter a nacionalidade brasileira. Renasci aos 30 anos!

Escrevi meu livro “Maha Mamo – a luta de uma apátrida pelo direito de existir”, em parceria com Dárcio Oliveira, detalhando mais sobre minha vida e jornada. Tornei palestrante global, motivando e inspirando pessoas, além de ser uma referência mundial na luta contra a apatridia e uma fonte renovada de esperança para ajudar os apátridas.

Milhões de pessoas vivem as sombras, sem registro. Agora, você sabe o que significa ser “apátrida”?
E você, qual o seu tao sonhado objetivo, o qual por tanto tempo trabalha para que se realize? Ela pode estar a um passo de se concretizar. Não desista, tome coragem, e “entre naquele avião” rumo ao desconhecido!

*Maha Mamo – Ativista dos direitos humanos e palestrante global

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