Por Fernanda Pereira da Silva Machado
Os vestígios tecnológicos estão cada vez mais presentes em uma investigação, servindo de prova como elemento essencial para a identificação do crime. Podemos considerar como vestígios sinais, marcas ou informações em formato virtual deixados por usuários em serviços digitais, como por exemplo arquivos de vídeo, arquivos de áudio, documentos de texto, aplicativos de mensagem, aplicativos de redes sociais.
Os vestígios são considerados provas digitais, e como toda prova, o seu acautelamento na cena do crime, na apreensão, deve ser realizado de acordo com as fases da cadeia de custódia prevista no art.158-B, do CPP, qual seja, reconhecimento, isolamento, fixação, acondicionamento, transporte, recebimento, armazenamento e descarte.
A cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
O STJ no HC 712.608/SP definiu que a questão de nexo de causalidade entre inquérito policial e denúncia, não seria um efeito da cadeia de custódia, tendo afirmado que quebra da cadeia seria a apuração de irregularidades no procedimento de colheita e conservação da prova.
Estamos falando de uma série de registros que são coletados a partir dos vestígios encontrados no local onde um crime foi praticado; cuja finalidade, é a de obter subsídios detalhados para serem utilizados no laudo pericial, garantido a integridade das provas, garantindo que as evidências sejam exatamente as mesmas encontradas na cena do crime, sem que tenham sofrido qualquer espécie de adulteração, como a contaminação no manuseio da prova pelos agentes técnicos.
O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. Já vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.
Na prática, o procedimento a ser realizado pelos peritos deverá seguir uma cadeia linear de etapas com a finalidade de conferir a segurança necessária ao procedimento pericial, que muitas das vezes trata-se de um ponto controvertido em uma defesa criminal, já que são passíveis de serem manipuladas de forma irregular ou, em alguns casos, alvo de ação ou omissão delituosa por parte dos peritos.
O uso deliberado das provas digitais pelo Parquet na Força Tarefa Lava Jato tem sido objeto de inúmeros habeas corpus questionando a validade das provas, haja vista a quebra da cadeia de custódia da prova.
A prova digital nos dias de hoje se trata das provas advindas de sistemas criados e exclusivo para uma finalidade específica, sistemas e aplicativos acessíveis a todos por assinatura, e-mails, celulares, computadores, nuvens, enfim, tudo que está ligado a tecnologia, e como prova digital possui vestígios que podem ser periciados, e extraídos em busca da verdade real.
Como exemplo podemos citar as provas digitais entregues pelos delatores da Operação “Câmbio, Desligo”, que segundo o MPF contavam com o apoio de uma “rede de doleiros que operava de maneira intrinsicamente interligada, compensando transações, lavando dinheiro para diversas organizações criminosas”, apresentando para tanto como prova um sistema informatizado próprio”, denominado Bankdrop e ST.
Os citados sistemas quando periciados pela Polícia Federal, identificou ausência da cadeia de custódia digital, e a perícia dos sistemas foi finalizada como “inconclusivo para tempo, data e valores”. Ou seja, não se pode atestar a veracidade das informações constante no sistema.
Outra prova digital que vem sendo utilizada em massa são dados do Whatsapp, onde o agente do órgão investigativo ou de persecução realiza o manejo livre do telefone e dos dados extraídos, como por exemplo prints de conversas, extração de áudios, imagens, ou mesmo fotografar trechos de conversas utilizando outro celular, o que a torna inadmissível.
O órgão de persecução vem realizando suas próprias “perícias” em celulares, através do sistema UFED Cloud Analyzer, desenvolvido pela Cellebrite, sistema esse tido como “coletor automaticamente os dados e metadados existentes na nuvem e os prepara em um formato de análise forense”, porém o referido sistema não possui selo de qualidade, e legalidade no sistema de perícia brasileira, sendo apenas um softwares.
Dito isso, considerando que esse acesso a aplicativos de comunicação que utilizam a criptografia ponta-a-ponta demanda atenção quanto ao espelhamento e a extração de dados dos celulares, questiona-se: a) será possível a exclusão e inclusão de mensagens de remetentes e destinatários, sendo possível manipular cenários, horários e datas? b) eventuais modificações podem ser feitas de forma não rastreável? c) eventuais atos derivados do manejo livre, como a realização da configuração do telefone com horário e data diversa, acarretarão a modificação do status do celular em relação ao momento da sua apreensão.
São pontos que ainda precisamos avançar para garantir a qualidade da prova e a sua contemporaneidade, garantindo assim o principio da legalidade na coleta da prova.
Apenas uma das etapas não cumprida significa a quebra da cadeia de custódia, o que representa que a prova produzida é contestável. A série da Netflix The People v. O. J. Simpson, retrata o caso chamado “Julgamento do Século” em que o famoso ex-jogador de futebol americano OJ Simpson foi acusado de assassinar a ex-esposa, e após um extenso julgamento foi inocentado do crime de homicídio pois as provas foram contestadas, ficando evidente a quebra da cadeia de custódia o que não traz nenhuma segurança ao processo.
Assim, certo é o fato de que a prova digital tem por característica a ausência de materialidade, da mesma forma que não é elaborada em linguagem natural, ela é altamente mutável, estando sujeita a constante a intercorrência, necessita para sua admissão no processo comprovação prévia de sua integridade e autenticidade, sendo essencial a documentação completa da cadeia de custódia.
O Professor Geraldo Prado, a maior autoridade brasileira em cadeia de custódia, ressalta que a quebra da cadeia de custódia resulta em prejuízo à comprovação dos elementos apreendidos, não podendo ser validamente utilizados como fonte ou elemento ou meio de prova[1] “ao ser quebrada a cadeia de custódia da prova há em regra prejuízo à comprovação e/ou refutação dos elementos informativos, requisito de verificação dos fatos penalmente relevantes. Com isso, os elementos apreendidos não podem ser empregados validamente como fonte ou meio de prova”.
Dito isso, conclui-se que a prova digital é altamente mutável, estando sujeita a constante a intercorrência, o que gera para o processo uma necessidade de comprovação prévia de sua integridade e autenticidade desse elemento probatório, para segurança jurídica do processo, e consequente garantia da justiça. Sem isso, sequer é possível constatar sua relevância probatória”.