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Trinta anos após o genocídio, Ruanda ainda exuma suas vítimas

Cerca de 100 pessoas com os rostos cobertos por máscaras descartáveis estão reunidas na encosta de Ngoma, no sul do país

Redação Jornal de Brasília

25/01/2024 12h25

Foto: GUILLEM SARTORIO / AFP

Com pás, enxadas e ancinhos, os habitantes da aldeia de Ngoma retiram a terra, revelando caveiras e fragmentos de roupas. Trinta anos depois do genocídio em Ruanda, eles ainda encontram restos mortais das vítimas dos massacres.

Cerca de 100 pessoas com os rostos cobertos por máscaras descartáveis estão reunidas na encosta de Ngoma, no sul do país.

Enquanto procuram, os ossos – inteiros ou em pedaços – emergem da terra ocre. Depois de retirados do solo, são colocados sobre uma lona ou armazenados em sacos de lixo.

“Até agora foram descobertas 87 vítimas”, relata o vice-prefeito do distrito de Huye, André Kamana, sem saber dizer quanto tempo durarão os trabalhos. “À medida que escavamos, encontramos novas camadas contendo restos mortais”, afirma.

Ruanda, um país da região dos Grandes Lagos da África, foi palco do último genocídio do século XX.

Durante cem dias, entre abril e julho de 1994, cerca de 800 mil pessoas, a maioria pertencente à minoria tutsi, foram massacradas por instigação do governo, dominado por extremistas da etnia hutu, segundo dados da ONU.

“Durante o genocídio houve um bloqueio de estrada próximo onde tutsis foram detidos e mortos”, diz Goreth Uwonkunda, habitante de Ngoma que participa das buscas.

“Esta é claramente uma das valas comuns onde foram despejados”, acrescenta.

“Os assassinos enterraram as vítimas umas por cima das outras. Encontramos ossos grandes, alguns intactos, e até crânios inteiros”, acrescenta a mulher de 52 anos.

“Segredo de família”

A vala comum, de dimensões desconhecidas, situa-se onde antes havia uma casa, que foi demolida para permitir as buscas. Cinco dos seus ocupantes foram detidos e são investigados por cumplicidade no genocídio e ocultação de provas.

“A investigação começou em outubro, quando um denunciante informou às autoridades que poderia haver uma vala comum debaixo da casa. Suspeitamos que aqueles que viviam na casa sabiam o que havia por baixo, que era um segredo de família”, afirma Napthali Ahishakiye, presidente da associação Ibuka, a principal organização de sobreviventes de Ruanda.

Goreth Uwonkunda não consegue acreditar. “Eu conhecia as pessoas que moravam nesta casa e estou chocada ao saber que dormiam pacificamente em cima de cadáveres. É vergonhoso e chocante”.

A descoberta de restos mortais de vítimas do massacre de 1994 não é incomum em Ruanda. Todos os anos são desenterradas valas comuns que lembram a magnitude do genocídio.

Em abril do ano passado, no distrito ocidental de Rusizi, 350 corpos foram encontrados em valas comuns localizadas em uma plantação propriedade de uma paróquia católica.

Três anos antes, em abril de 2020, uma vala comum contendo pelo menos 30 mil corpos foi exumada perto de uma represa próxima à capital Kigali.

Seis meses depois, 5 mil corpos foram encontrados no distrito oriental de Gatsibo.

Segundo Ibuka, os restos mortais de mais de 100 mil vítimas foram encontrados nos últimos cinco anos. Todos estes estão enterrados em memoriais.

Roupa, sapatos

“Suspeitamos que há valas comuns semelhantes a serem descobertas em todo o país”, acrescenta Naftali Ahishakiye.

“O principal problema é que a maior parte da informação crucial sobre a localização destas valas comuns está nas mãos de pessoas que participaram nos massacres ou de familiares dos assassinos, que estão relutantes em revelar a informação”, explica.

Em Ngoma, Célestin Kambanda observa a busca, à espera de um sinal reconhecível entre os pedaços de pano ou sapatos enterrados.

Este agricultor de 70 anos perdeu sete filhos no genocídio. “Nunca encontrei os restos mortais de nenhum deles”, lamenta.

“Vim ver se conseguia reconhecer algum dos meus filhos, talvez pelas roupas que usavam quando desapareceram (…). Espero poder dar-lhes um enterro digno”.

© Agence France-Presse

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