IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Em meio a avanços militares às vésperas do segundo aniversário da Guerra da Ucrânia e às críticas mundiais pela morte do opositor Alexei Navalni na cadeia, Vladimir Putin encontrou tempo para enviar um mimo para o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un.
Trata-se de uma limusine Aurus Senat, modelo que o presidente russo usa desde 2018, quando parou de rodar em decadentes produtos ocidentais -Mercedes-Benz Maybach S600, no caso, e sim, o “decadente” é uma ironia.
Segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, Putin enviou o modelo porque Kim havia gostado do carro durante sua histórica visita à Rússia em setembro do ano passado. Os líderes se encontraram em uma base espacial no Extremo Oriente russo e firmaram acordos que, segundo observadores, garantiram tecnologia avançada para os norte-coreanos e munição básica para os russo usarem na Ucrânia.
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O interesse de Kim já havia sido notado pelo jornalista Andrei Kolesnikov, em uma divertida reportagem sobre os bastidores da visita publicada no jornal Kommersant. Descrevendo a reação do ditador ante a limusine como “deslumbramento”, ele escreveu: “Certamente ele ganhará uma de presente”.
Dito e feito. Resta saber qual a configuração exata da Aurus Senat entregue. A de Putin é sensivelmente diferente do modelo comercial, que tem preço estimado em R$ 1,5 bilhão, alcançando 6,7 metros de comprimento, ante 5,6 metros da versão normal.
O peso aumenta brutalmente, de 2,7 toneladas para 7,2 toneladas, cortesia da blindagem de padrão militar completa, assoalho e vidros inclusos, sistemas de purificação de ar e oxigênio autônomo, contramedidas bélicas, armamentos, pneus que rodam mesmo furados.
Kim usa diversos carros ocidentais de topo de linha, como a própria S600 que Putin empregava e outros modelos, todos obtidos por meio de contrabando pela fronteira chinesa -a Coreia do Norte é uma ditadura opaca e impenetrável, no geral, ao comércio ocidental.
O Aurus Senat foi encomendado pelo Kremlin e espelha o modelo usado pelo presidente americano, um Cadillac apelidado de “A Besta”, que traz conforto máximo aliado aos mesmos “gadgets” de fazer inveja a um Aston Martin de James Bond -excetuando exageros de alguns filmes da franquia, como a possibilidade de ficar invisível ou ter assentos ejetores.
Ambos os líderes levam suas limusines quando viajam, geralmente dois carros para dissimular onde está o presidente e para a eventualidade de o pneu furar, ou, no caso, algo mais sério ocorrer com a mecânica já que este não seria um problema.
Apesar de buscar reforçar a autonomia russa sob Putin, a Aurus teve o dedo de grandes fabricantes alemães, Porsche e Bosch, na integração de seus sistemas e desenvolvimento do motor de 4,4 litros e 590 cavalos de potência. Ele leva o mastodonte a até 250 km/h e chega de 0 a 100 km/h em 6 segundos. Até a Guerra da Ucrânia, a Alemanha era a maior parceira europeia de Putin, ávida consumidora de seu gás natural.
O governo russo investiu, a partir de 2013, o equivalente a R$ 1 milhão para o desenvolvimento do carro pelo instituto Nami, em parceria com . Ele começou a ser vendido em 2019, e não há dados exatos sobre seu desempenho comercial -ricaços russos, chineses e do mundo árabe são seus clientes preferenciais.
Visualmente, a Aurus diz homenagear os sedãs ZIL usados pelos líderes soviéticos ao longo dos anos do império comunista, dissolvido em 1991. Amantes de carro, contudo, veem uma semelhança bem mais forte com o clássico britânico Rolls-Royce Phantom, aliás um dos modelos prediletos de Kim.
A julgar pelo relato de Kolesnikov (aqui, em russo) acerca da paranoia da segurança de Kim e a fama russa quando o tema é a espionagem, é de se supor que a Aurus Senat passará por um bom pente-fino antes de ser usada pelo seu novo dono.