Menu
Mundo

Problemas marcam 100 dias de Sunak à frente do Reino Unido

Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido, tem à sua esquerda sindicatos furiosos, à direta, parlamentares ansiosos

Redação Jornal de Brasília

06/02/2023 15h37

Foto: Daniel LEAL / AFP

Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido, tem à sua esquerda sindicatos furiosos, à direta, parlamentares ansiosos do Partido Conservador e, bem no meio, milhões de eleitores que ele precisa conquistar para evitar a derrota eleitoral.

É uma situação desanimadora para Sunak, que, na quinta-feira, completou 100 dias no cargo, mais que o dobro de sua antecessora, Liz Truss. Empossado como líder conservador depois do pânico desencadeado pelo plano de Truss de realizar grandes reduções fiscais, Sunak, de 42 anos, acalmou os mercados financeiros e evitou o colapso econômico quando assumiu o cargo de primeiro-ministro, em 25 de outubro.

Em seguida, o mais jovem governante do Reino Unido em dois séculos – e o primeiro primeiro-ministro de ascendência sul-asiática – prometeu controlar a inflação crescente, reavivar a economia estagnada, reduzir a pressão do sobrecarregado sistema de saúde e “devolver a integridade à política” depois de anos de escândalos com o ex-premiê Boris Johnson.

Na prática, porém, a teoria é outra.

“Não posso fazer nada em relação às coisas que aconteceram antes que eu me tornasse primeiro-ministro”, disse Sunak esta semana a um grupo de profissionais de saúde. “Eu acho que posso ser responsabilizado é pela forma como lido com as coisas que acontecem sob o meu comando.”

Jill Rutter, pesquisadora sênior do instituto de pesquisa Institute for Government (Instituto para o Governo), disse que Sunak conseguiu superar a impressão de que o Reino Unido “tinha um governo completamente lunático”.

“Podemos considerar que era a primeira coisa que estava em sua lista de tarefas”, segundo ela. “Caso contrário, fica um pouco mais difícil enxergar conquistas concretas.”

Sunak foi secretário-chefe do Tesouro do Reino Unido, e sua maior prioridade tem sido a situação econômica do país. O PIB continua menor do que era antes da pandemia do coronavírus, e o Fundo Monetário Internacional divulgou esta semana uma previsão de que o Reino Unido será a única grande economia a sofrer retração este ano, encolhendo 0,6%.

Sunak culpa as forças globais: os transtornos causados pela pandemia e pela invasão russa na Ucrânia. Segundo os críticos, o elefante no meio da sala é o Brexit, que levou a uma acentuada redução no comércio entre o Reino Unido e a União Europeia.

Sunak, defensor de longa data da saída do Reino Unido do bloco, insistiu na quarta-feira que a crise do custo de vida não teria “nada a ver com o Brexit”.

Independentemente das causas, Sunak tem pouco espaço econômico de manobra. A inflação anual atingiu seu patamar mais alto em quatro décadas, chegando a 11,1% em outubro e permanecendo em incômodos 10,5% no mês de dezembro. O Reino Unido está enfrentando sua maior onda de greves em décadas: enfermeiros, paramédicos, professores, agentes de fronteira e outros trabalhadores buscam aumentos salariais para compensar a disparada do custo de vida e o desgaste de permanecer empregados em um setor público cada vez mais sucateado.

Enquanto isso, uma ala do Partido Conservador está pressionando por reduções fiscais imediatas para encorajar o crescimento, a despeito do dano causado pela “Trussonomia” poucos meses atrás.

“Precisamos de crescimento ou nossas dívidas ficarão maiores”, disse esta semana o parlamentar Iain Duncan Smith, ex-líder dos conservadores. “Reduções fiscais orientadas ajudarão a atingir esse objetivo.”

Sunak está resistindo tanto aos sindicatos quanto aos conservadores anti-impostos. Ele alega que os aumentos salariais de dois dígitos no setor público levariam a uma inflação ainda mais alta, e que “a melhor redução fiscal neste momento é uma redução da inflação”.

Os economistas dizem que a inflação no Reino Unido provavelmente cairá em 2023, permitindo a Sunak cumprir uma de suas principais promessas. As outras metas podem ser mais difíceis de alcançar.

Ele está tentando melhorar as relações com os 27 Estados-membros da União Europeia, e ambos os lados já progrediram na solução de uma disputa sobre as normas comerciais da Irlanda do Norte, que sobrecarregou as empresas e prejudicou o governo regional em Belfast.

Qualquer acordo, porém, irá irritar os “eurocéticos” conservadores, que provavelmente verão uma reaproximação com Bruxelas como traição ao Brexit. Um acordo também enfrenta oposição dos defensores da união britânica na Irlanda do Norte, que dizem que as restrições alfandegárias pós-Brexit prejudicam o lugar da Irlanda do Norte no Reino Unido.

Sunak também vem lutando para livrar o Partido Conservador de sua reputação de escândalo e sordidez. Um integrante de seu gabinete, Gavin Williamson, renunciou em novembro por acusações de assédio moral. No domingo, Sunak afastou o presidente do partido, Nadhim Zahawi, por se recusar a esclarecer uma questão fiscal multimilionária. O vice-primeiro-ministro, Dominic Raab, está sendo investigado por acusações de intimidação contra funcionários públicos, que ele nega.

Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista, de oposição, alegou na quarta-feira que Sunak seria “fraco demais” para lidar com os maus comportamentos.

Os eleitores do Reino Unido ainda não se pronunciaram sobre Sunak, que foi escolhido como líder do partido pelos 357 parlamentares do Partido Conservador. O governo não precisa convocar eleições nacionais até o final de 2024, por isso o tempo pode estar a favor de Sunak.

Ou talvez não. O Partido Conservador está 20 pontos ou mais atrás do Partido Trabalhista nas pesquisas de opinião, e resultados ruins nas eleições locais de maio podem ensejar pedidos de uma nova mudança de governo.

Alguns conservadores anseiam pelo retorno de Johnson, cujas últimas palavras para o Parlamento como primeiro-ministro – “Hasta la vista, baby” – sugeriram um retorno.

Alguns analistas consideram que pode ser tarde demais para qualquer liderança conservadora escapar da derrota. Uma pesquisa Ipsos divulgada esta semana, com precisão de 4 pontos porcentuais, revelou que 66% dos entrevistados gostariam de mudar o partido no governo. Apenas 10% consideraram que os conservadores fizeram um bom trabalho.

Steven Fielding, professor emérito de política na Universidade de Nottingham, comparou o clima atual aos últimos anos do governo do primeiro-ministro John Major, varrido pela vitória eleitoral esmagadora do Partido Trabalhista, com Tony Blair, em 1997, que encerrou 18 anos do Partido Conservador no poder.

“As pessoas estão simplesmente esperando que eles saiam”, disse Fielding. “E quanto mais tempo eles permanecerem, mais irritados (os eleitores) ficam com eles.”

Ele disse que Sunak “está fazendo o melhor que pode. Mas as pessoas não estão ouvindo.”

Estadão Conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado