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Nancy Pelosi chega a Taiwan e abre crise entre EUA e China

Pelosi é uma figura especialmente detestada em Pequim: em 1991, ela fez um protesto na praça da Paz Celestial contra o massacre de estudantes

FolhaPress

02/08/2022 14h00

Igor Gielow
São Paulo, SP

A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, seguiu em frente com seu desafio à China e pousou em Taiwan para a primeira visita do tipo em 25 anos nesta terça (2).

A China promete reagir militarmente à provocação, abrindo a mais grave crise em anos entre as duas maiores economias do mundo em meio à tensão mundial provocada pela Guerra da Ucrânia, na qual Pequim apoia a Rússia de Vladimir Putin.

Pelosi está em uma visita à Ásia, onde chegou a Singapura na segunda (1º) antes de rumar para a Malásia. Suas duas próximas paradas oficiais são Japão e Coreia do Sul, mas o desvio para Taiwan já era especulado desde a semana passada.

Ele enfureceu a China, que considera a ilha uma província rebelde desde que um regime autônomo capitalista foi lá formado pelos derrotados na revolução que levou os comunistas a estabelecer sua ditadura em 1949.

“Em face ao desprezo irresponsável dos EUA às representações repetidas e sérias da China, qualquer contramedida tomada pelo lado chinês será necessária e justificada”, afirmou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Hua Chunying. Para ela, os americanos “irão pagar” pela visita.

As Forças Armadas de Taipei, por sua vez, entraram em alerta máximo nesta terça. Em seu site, informaram estar prontas para quaisquer ações de Pequim -a expectativa é de que seja lançada uma grande incursão aérea para testar suas defesas. O Comando Militar Leste do país informou haverá “ações militares direcionadas” devido à visita.

Assim que o avião da deputada pousou, às 22h43 (11h43 em Brasília), surgiram relatos de caças Sukhoi Su-35 da China sobre o estreito de Taiwan, que foram depois negados por Taiwan. “A visita de nossa delegação congressual honra o comprometimento inabalável dos EUA com o apoio à vibrante democracia de Taiwan”, disse Pelosi ao desembarcar.

A China vê quaisquer gestos políticos em favor de Taipei como um apoio ao ideal independentista na ilha. Em 1997, na última vez que alguém com o cargo de Pelosi esteve em Taiwan, no caso o republicano Newt Gingrich, os chineses tiveram de engolir a desfeita.

A situação agora é diferente, pois a China ascendeu ao posto de potência desafiante na arena global. Não tem a musculatura militar dos EUA, com um orçamento de defesa equivalendo a um quarto do americano, mas sua assertividade política e econômica expandiu-se sob o governo de Xi Jinping, iniciado em 2012.

Por causa disso, Washington reagiu com a Guerra Fria 2.0, disparada em 2017 como um embate tarifário, mas que rapidamente espraiou-se por todas as costas de atrito possíveis. Taiwan é a mais sensível de todas: de lá para cá, autoridades americanas têm visitado a ilha e a cooperação militar segue em alta.

A ida de Pelosi fez explodir a retórica chinesa. Em um telefonema ao presidente Joe Biden, Xi disse que os EUA precisavam respeitar o princípio de “uma só China” que rege o reconhecimento bilateral dos países -de forma ambígua, desde 1979 Washington ao mesmo tempo aceita a soberania de Pequim sobre Taiwan e dá apoio militar à ilha, prometendo defendê-la em caso de guerra.

Biden, que chegou a dizer considerar a viagem uma má ideia, não tinha muito o que fazer -isso se não apoiou a aliada democrata em privado, como é provável, já que o partido de ambos está em má posição para as eleições parlamentares de novembro e um espetáculo de força externa viria a calhar.

Nesse sentido, o assassinato pelos EUA do líder da rede terrorista Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, se encaixa no roteiro. O que não está previsto é a possibilidade de um embate direto com a provável reação chinesa: uma guerra é tudo o que a economia americana em recessão não precisaria, dada a interligação com as estruturas chinesas.

Do lado chinês, a lógica não é diferente: Xi será reconduzido a um inaudito terceiro mandato em novembro e está enfrentando grandes dificuldades econômicas. Falar grosso com os EUA é bom para o público interno; um conflito aberto, não.

A China prometeu a reação militar, e houve quem temesse uma ação contra o avião de Pelosi, um Boeing 737 modificado para transporte de autoridades chamado C-40C, com sofisticado sistema de comunicação, mas sem as contramedidas militares para desviar mísseis que a aeronave de Biden possui.

Ela poderia ser uma escolta ostensiva por caças chineses ou, como queriam nacionalistas radicais, a derrubada do avião –o que ensejaria um embate entre as potências. Nada disso aconteceu. Com o conflito da Ucrânia opondo diretamente Rússia à Otan (aliança militar ocidental) na Europa, um hipótese de Terceira Guerra Mundial ganharia contornos dramáticos.

Com efeito, desde a semana passada Moscou tem emitido declarações de apoio à China no embate. Biden e outros líderes ocidentais já advertiram Xi que não se animasse a repetir Putin e invadir a ilha, o que faz sentido no contexto atual, embora as realidades históricas do caso taiwanês e ucraniano sejam muito diversas.

Para começar, o reconhecimento mundial de Taiwan se resume a 14 dos 193 países filiados à ONU, que por sua vez considera que só a República Popular da China pode ser chamada de China -Taipei se designa capital da República da China. Ao mesmo tempo, mesmo a ilha tem o cuidado de nunca ter declarado independência, na esperança de evitar uma guerra e negociar sua autonomia.

Não se sabe quanto tempo Pelosi ficará na ilha, mas a tensão entre China e EUA está em seu ponto máximo nos últimos anos. Os chineses deram diversos recados bélicos: fecharam uma área do mar do Sul da China para treinamento militar e seguem com exercícios de munição real mais ao norte, no mar de Bohai -o golfo mais próximo de Pequim.

Em cidades costeiras da província de Fujian, que mira diretamente Taiwan a uma distância mínima de 130 km, veículos militares e tanques foram vistos em movimento, segundo o jornal honconguês South China Morning Post. Eles não participariam de uma invasão, operação aeronaval por excelência, mas servem de sinalização.

Há relatos não confirmados de que os dois porta-aviões chineses foram colocados em ação. No mar do Sul da China, os EUA posicionaram um grupo de navios liderados pelo porta-aviões USS Ronald Reagan já na semana passada, em uma operação de liberdade de navegação –que visa confrontar as reinvindicações chinesas no seu principal corredor de importação e exportação.

Procura pelo voo de Pelosi derruba site A chegada de deputada à ilha teve toques cinematográficos. Ninguém sabia exatamente se ela estava na aeronave ou em um avião taiwanês que deixou Kuala Lumpur, a capital malaia, ao mesmo tempo. A viagem nunca foi anunciada oficialmente.

O interesse mundial sobre a rota derrubou um popular site de monitoramento de voos, o Flightradar24, que chegou a ter 300 mil usuários tentando acompanhar o caminho presumidamente percorrido por Pelosi. Com o sinal de identificação SPAR19, a aeronave voou pelo sul das Filipinas e virou à esquerda, subindo pela costa do país para se aproximar de Taiwan pelo Pacífico.

Seu avião tem, devido à configuração dos tanques de combustível, quase o dobro da autonomia do 737-800 no qual é baseado, 9.300 km. Há 28 deles, em três versões, na frota americana. Ele contornou também o mar do Sul da China e o estreito de Taiwan, por motivos óbvios.

Ao longo do dia, foram vistos preparativos em Taiwan para a visita. O hotel Grand Hyatt Taipei teve os acessos bloqueados, e militares foram vistos no aeroporto da capital. Houve alguns protestos pontuais contra a visita.

Pelosi é uma figura especialmente detestada em Pequim: em 1991, ela fez um protesto na praça da Paz Celestial contra o massacre de estudantes ocorrido dois anos antes.

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