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Mundo

Fritura de Boris Johnson ganha novo impulso com derrota eleitoral em reduto conservador

É possível que sua única alegria nas últimas semanas tenha sido o nascimento de mais uma filha

FolhaPress

17/12/2021 13h35

Lucas Alonso
Bauru,SP

Ainda é cedo para dizer que os dias de Boris Johnson no governo do Reino Unido estão contados. Mas o premiê britânico enfrenta uma onda de derrotas –sejam elas na opinião pública, devido a uma série de escândalos recentes, dentro do próprio partido, ou na disputa eleitoral, como aconteceu nesta sexta (17). É possível que sua única alegria nas últimas semanas tenha sido o nascimento de mais uma filha.

Em meio a um processo de fritura ao qual vem sendo submetido por membros de sua própria legenda, Boris assumiu a responsabilidade, em nível pessoal, pela derrota do Partido Conservador em North Shropshire –historicamente, um reduto dos conservadores.

Um olhar menos atento sobre o resultado do pleito regional poderia não perceber a dimensão da perda, afinal North Shropshire, isoladamente, não tem um peso tão decisivo no jogo político britânico em âmbito nacional. Mas a maneira como a votação se desenrolou e a expressividade dos resultados estão sendo consideradas um prenúncio da derrocada dos conservadores –ou, mais especificamente, de Boris.

A liberal democrata Helen Morgan conquistou quase 6.000 votos a mais que o conservador Neil Shastri-Hurst. Perder eventualmente faz parte do jogo, mas o último pleito em North Shropshire, em 2019, teve vitória do partido de Boris com 23 mil votos de vantagem.

Além disso, os legisladores do Partido Conservador dominavam a região há quase 200 anos e nunca haviam sido derrotados desde que North Shropshire foi criada em sua forma atual, em 1983. Vale lembrar ainda que a eleição só foi convocada porque o último ocupante do cargo, o conservador Owen Paterson, renunciou após acusações de conflito de interesses entre vida pública e privada. Boris tentou mudar regras para ajudá-lo a permanecer no cargo, mas não teve sucesso.

“Nesta noite, o povo de North Shropshire falou em nome do povo britânico. Eles disseram em voz alta e clara: ‘Boris Johnson, a festa acabou'”, disse Morgan em seu discurso de vitória. “Seu governo, movido por mentiras e papo furado, será responsabilizado. Será examinado, será contestado, e pode e será derrotado.”

A conta dessa derrota está sendo cobrada do primeiro-ministro –e ele, seguindo a metáfora, já assinou a ordem de pagamento. “Claramente, a votação em North Shropshire é um resultado muito decepcionante, e eu entendo totalmente a frustração das pessoas”, disse Boris em uma entrevista coletiva nesta sexta. “Eu ouço o que os eleitores estão dizendo em North Shropshire e, com toda humildade, tenho que aceitar esse veredito. Claro que assumo a responsabilidade pessoal.”

Apesar da hegemonia histórica na região, vários correligionários de Boris previam a derrota. Mas mesmo estes ficaram surpresos com a extensão da vitória da oposição. “Os eleitores em North Shropshire estavam fartos e nos deram um chute e acho que queriam nos enviar uma mensagem”, disse Oliver Dowden, presidente do Partido Conservador, em entrevista à Sky News.

Questionado por uma rádio britânica se ainda queria Boris na linha de frente do partido para as próximas eleições nacionais, em 2021, Dowden respondeu: “Sim, e vou te dizer por que quero que ele nos lidere nas próximas eleições. Se você olhar para as grandes decisões, o primeiro-ministro acertou.”

Boris costuma ser creditado como o principal responsável pela ampla vitória nas eleições de 2019, embora agora seja acusado de estar desperdiçando o capital político conquistado outrora. O pleito em North Shropshire, apesar do âmbito regional, serviu, no entanto, como um referendo da avaliação popular sobre o governo e pode ser o gatilho para alterações de rota no comando do país.

Há vários fatores que contribuíram para a insatisfação dos britânicos com a conduta do primeiro-ministro. Os principais deles estão relacionados à pandemia de coronavírus. O Reino Unido vive uma alta de casos de Covid-19 –impulsionada pela variante ômicron, potencialmente mais contagiosa– e aprovou, no início da semana, um novo conjunto de restrições, impopulares para parte significativa dos britânicos.

Porém, aos olhos da opinião pública, a suposta hipocrisia do alto escalão do governo soa mais grave do que a emergência sanitária. A série recente de escândalos começou quando veio à tona uma festa que teria sido realizada em Downing Street, sede do governo, durante a época de Natal de 2020, quando celebrações presenciais estavam proibidas em razão de restrições sanitárias. O episódio levou à renúncia de uma assessora de Boris.

Outra situação semelhante foi revelada nesta quinta-feira (16) pelos jornais britânicos The Guardian e The Independent. Segundo fontes ouvidas na investigação jornalística, um grupo de cerca de 20 funcionários do governo fizeram uma festa em 15 de maio de 2020, também em Downing Street.

Mais cedo, naquela mesma noite, o então secretário de Saúde do Reino Unido, Matt Hancock (ele próprio envolvido mais tarde em um escândalo de natureza sexual), havia feito um pronunciamento público exortando os britânicos a “ficarem em casa o máximo possível” e pedindo “por favor, cumpram as regras, fiquem de olho em sua família e não corram riscos”.

Tanto Boris quanto Hancock, porém, estiveram na festa. Os relatos são de que o premiê e o secretário ficaram pouco tempo em Downing Street naquela ocasião, enquanto os demais funcionários do governo ficaram comendo pizza e bebendo vinho e destilados até tarde da noite –embora as regras vigentes à época permitissem reuniões de apenas duas pessoas de lares diferentes, desde que em ambientes externos e com distanciamento mínimo de dois metros.

Também pesa contra Boris um episódio em que ele foi responsabilizado –e seu partido, multado– por uma reforma feita em sua residência oficial com verba não declarada oriunda de uma doação privada. Há ainda queixas contra o premiê por tentar mudar normas parlamentares para ajudar aliados políticos, por suas férias luxuosas no exterior, pelos vínculos duvidosos de seu governo com algumas empresas, e por acusações de clientelismo na designação de cadeiras na Câmara dos Lordes (equivalente ao Senado).

Boris Johnson pode ser deposto?

Sim, mas o processo é burocrático e demanda uma articulação política além dos bastidores. Para isso acontecer, ao menos 15% da bancada do Partido Conservador (55 dos 361 correligionários de Boris) no Parlamento precisa escrever cartas ao órgão conhecido como “Comitê de 1922”. Se houver esse quórum, é convocado o que o sistema parlamentarista chama de “voto de confiança”.

Como funciona o voto de confiança?

As cartas ao Comitê de 1922 são confidenciais, então a única pessoa que sabe informar quantos pedidos pelo voto de confiança foram enviados é o presidente do órgão, Graham Brady. É ele também quem decide a data da possível votação, em consulta com o líder do Partido Conservador.

Em 2018, quando a então primeira-ministra Theresa May enfrentou um voto de confiança, a votação foi realizada no mesmo dia que o presidente do Comitê anunciou que havia recebido cartas suficientes para dar início ao processo.

Aberta a votação, todos os parlamentares conservadores podem votar a favor ou contra Boris. Se o premiê vencer, ele permanece no cargo e não pode ser novamente contestado pelos próximos 12 meses. Se perder, é forçado a renunciar e impedido de concorrer na escolha do próximo líder.

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