Menu
Mundo

Entenda por que a Itália tem instabilidade política tão grande

O clima de apaziguamento pareceu tão forte que ele chegou a ser cogitado para o cargo de presidente no pleito

FolhaPress

14/07/2022 15h36

Foto: AFP

O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, anunciou a seu gabinete nesta quinta-feira (14) que deve renunciar ao cargo. A decisão, rejeitada pelo presidente Sergio Mattarella, foi tomada depois de uma crise detonada pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), um dos partidos que compõem a coalizão governista.

Desde 1998 o país já teve dez trocas no comando, e mesmo os períodos de relativa estabilidade foram complicados. O único premiê a servir o mandato integral de cinco anos de 1989 para cá foi Silvio Berlusconi, bilionário falastrão cujo nome se tornou sinônimo de escândalo.

Nesse mesmo período, a Alemanha tem em Olaf Scholz seu terceiro primeiro-ministro e a França, com Emmanuel Macron recém-reeleito, o quarto presidente.

A instabilidade política em Roma tem raízes no sistema eleitoral adotado depois da Segunda Guerra, puramente proporcional. Isso resultou, conforme uma análise do jornal The Washington Post, em grande número de pequenos partidos e em governos de coalizão frequentes, além de impasses políticos.

Em 1994, o país teria a culminação da chamada Operação Mãos Limpas, que serviria de inspiração para a brasileira Lava Jato anos depois. O grave escândalo de corrupção varreu com os poucos elementos de estabilidade política -em particular o popular Partido Democrata Cristão- e, de lá para cá, tentativas de reforma falharam. O governo de centro-esquerda de Matteo Renzi foi derrotado em 2016 em um referendo que teria mudado a Constituição para turbinar os poderes do primeiro-ministro.

Uma reforma separada criou um sistema de voto misto para o Legislativo: dois terços dos legisladores passaram a ser eleitos proporcionalmente e o terço restante, por voto distrital direto. Mas os resultados do pleito de março de 2018 indicaram que o novo sistema pouco havia feito para criar estabilidade.

Partidos antes nanicos como o M5S e a Liga, de Matteo Salvini, ganharam muito apoio, superando as forças tradicionais e pronunciando a fragmentação política. A atual legislatura, por exemplo, já teve diversas formatações, com o maior partido, o M5S, participando de todas elas e implodindo a mais recente.

O antecessor do premiê demissionário, o populista Giuseppe Conte, primeiro dividiu a coalizão com a Liga. Quando Salvini provocou a queda do governo, em 2019, ele refez a maioria com o PD, para depois renunciar em fevereiro de 2021, após outra crise.

À época, Draghi assumiu o chamado governo de união nacional, com todas as forças políticas exceto os Irmãos da Itália, de ultradireita. Criado numa família de classe média alta em Roma, o político gozava de popularidade por ter chefiado o Banco Central Europeu (responsável pela política monetária dos países que usam o euro) em uma de suas crises mais graves.

Ele estudou em escolas jesuítas e teve que assumir as rédeas da família na adolescência, quando o pai, diretor do Banco da Itália, e a mãe, farmacêutica, morreram em um intervalo de poucos meses.

Um perfil publicado pela Folha de S.Paulo na época de sua posse lembrou que um amigo de escola e hoje diplomata, Staffan de Mistura, o descreveu como um “garoto de equipe”: “No campo, ele sempre passava a bola. Não era o melhor jogador que tínhamos, mas sempre tinha uma estratégia, sabia que caminho seguir”.

Draghi fez doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), experiência que, segundo ele, fortaleceu sua convicção no projeto da União Europeia. Ele trabalhou no Banco Mundial na década de 1980 e entrou para a administração pública como diretor-geral do Tesouro da Itália em 1991, trabalhando pela adoção de uma moeda única na UE (a adesão da Itália ao euro veio em 1999). Depois, passou pelo setor privado no Goldman Sachs e em 2006 migrou para o Banco da Itália.

Herdou uma grave crise ao assumir o BCE, em 2011, com a endividada Grécia ameaçando deixar a UE. Um discurso contundente em 2012, em que ele prometeu “fazer tudo o que for necessário para preservar o euro”, é apontado como ponto de virada nas expectativas. “Acreditem, será o suficiente.”

Negociações e políticas de socorro se alongaram por vários meses, mas a Grécia foi socorrida, e a firmeza ao defender o euro garantiu a Draghi o apelido de “Super Mario”. Ao deixar o mandato no BCE, em 2019, disse que abandonaria também a cena pública. A promessa caiu em 2021, quando ele se tornou premiê na primeira disputa política da carreira.

O clima de apaziguamento pareceu tão forte que ele chegou a ser cogitado para o cargo de presidente no pleito do início deste ano -no qual Sergio Mattarella acabou reeleito.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado