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Entenda a crise política que originou os conflitos no Sudão; especialista avalia possíveis evoluções

No último dia 9 de maio, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) informou que foram registrados mais de 700 mil refugiados

Agência UniCeub

26/05/2023 20h48

Foto: Divulgação/Acnur

Por Fabio Nakashima

Jornal de Brasília / Agência Ceub

Batalhas sangrentas entre forças armadas lideradas por dois generais rivais que já foram aliados no passado, completam um mês em maio com centenas de mortes, mas invisibilizadas no noticiário brasileiro.

Para o pesquisador em relações internacionais Lucas de Oliveira Ramos, há chance de evolução do conflito com consequências imprevisíveis.

“Uma característica bastante comum dos conflitos em África, especialmente no Chifre da África (Sudão, Sudão do Sul, Somália, Etiópia, Eritreia, Djibouti, Uganda e Quênia), é a alta capacidade de spillover de um conflito”, avalia o especialista em dinâmicas de segurança na África. .

No último dia 9 de maio, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) informou que foram registrados mais de 700 mil refugiados internos desde o início do conflito em meados de abril.

“Atualmente há mais de 700 mil deslocados internos pelos combates que começaram em 15 de abril. É mais do que o dobro do número registrado na terça-feira da semana passada, que era de 340 mil pessoas”, declarou Paul Dillon, porta-voz da OIM, na coletiva de imprensa semanal realizada na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra.

Na mesma entrevista, foi anunciado que o ministério da Saúde do Sudão contabiliza mais de 600 mortes e mais de 5 mil feridos desde a eclosão dos conflitos armados no país.

Considerado um dos países mais pobres e instáveis politicamente do mundo, o Sudão, localizado no norte da África, vive uma crise humanitária há décadas decorrente de extenso histórico de conflitos armados e disputas pelo poder.

História

Em 2019, uma guerra civil teve início após a derrubada do regime ditatorial que perdurava no poder há 30 anos.

O país passou a ser comandado por um primeiro-ministro interino até que fosse eleito um novo presidente.

Quatro meses após a queda do ditador, foi criado um Conselho Soberano, que era formado por civis e militares, para supervisionar essa transição democrática no Sudão.

Em 2021, militares deram um golpe de Estado e tomaram o poder após prender o primeiro-ministro interino, interrompendo assim, um processo de quase três anos de transição para um poder democrático.  

A nova onda de confrontos explodiu no último dia 15 de abril quando o principal grupo paramilitar sudanês RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), afirmou ter tomado o controle do palácio presidencial, do aeroporto internacional de Cartum (capital do país), de Merowe e El Obeid, além de outros pontos políticos estratégicos no país, em uma aparente tentativa de golpe.

A batalha já dura mais de um mês sem perspectiva de fim.

Disputa pelo poder

O grupo paramilitar das Forças de Apoio Rápido, RSF, chefiadas pelo vice-presidente do Conselho Soberano, Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti e as forças armadas do Exército regular, lideradas pelo general Abdel Fatah al-Burhan, são os dois grupos na disputa pelo poder. Até recentemente, eles eram aliados.

A dupla trabalhou junto para derrubar o ditador sudanês deposto Omar al-Bashir em 2019 e desempenhou um papel fundamental no golpe militar em 2021. No entanto, quando ascenderam ao poder juntos surgiram divergências sobre a participação dos paramilitares no Exército quanto a integração da RSF as forças armadas do Sudão, assim como a formação e condução do novo governo. 

“Com a instabilidade política crescente, uma crise econômica alimentada pela má administração de Bashir, sanções internacionais e a pandemia do COVID-19, em 2021, os militares prendem a ala civil da junta governante e colocam os generais Abdel Fattah al-Burhan e Mohamed Hamdan Dagalo (Hemedti) como chefe e vice de Estado do Sudão.

Agora, em 2023, Hemedti, general que controla a RSF, e al-Burhan, que controla as Forças Armadas, disputam o controle sobre o ouro sudanês e quem herda o controle político e a administração, com características notadamente coloniais, do território sudanês”, explica Lucas de Oliveira Ramos.

Enquanto Hemedti denuncia uma tentativa de restaurar o antigo regime que sustentava o ditador, Burhan quer integrar a RSF ao Exército para reduzir a autonomia do grupo. E desde então, os líderes rivais trocam acusações de “tentativa de golpe”.

Tentativas de paz

Desde o início dos conflitos, mais de cinco tentativas de cessar-fogo fracassaram. Ambos os lados se acusam de romper o acordo.

No sábado (20), os governos dos Estados Unidos e da Arábia Saudita anunciaram que representantes do Exército do Sudão e do grupo paramilitar se encontraram na cidade saudita de Jeddah e chegaram a um acordo para um cessar-fogo humanitário de sete dias começando na segunda-feira (22). 

Em um comunicado conjunto, os dois países divulgaram que o período de trégua  “poderá ser prorrogado com o acordo de ambas as partes”. Esta é a primeira vez que as duas forças sentaram frente a frente para tentar negociar o fim dos conflitos no Sudão.

Brasileiros

O Itamaraty informou, em nota enviada à Agência de Notícias CEUB no dia 03 de maio, que dos 27 brasileiros que se encontravam em território sudanês, apenas 3 permanecem no país.

Esses nacionais já foram transportados para localidade de menor risco relativo, onde aguardam para, em breve, sair do Sudão.

Também, relatou que no processo de evacuação, o Brasil tem contado com a cooperação de diferentes parceiros internacionais, como a ONU, a Espanha, os Países Baixos, a Suécia, a França, a China e a Arábia Saudita.

Além de agravar as crises humanitárias dentro do país, a preocupação internacional é que o conflito possa desencadear uma crise migratória e, consequentemente, gerar ou agravar uma crise humanitária ,também, em países vizinhos ao Sudão. 

“A violência deve parar. Existe o risco de uma conflagração catastrófica dentro do Sudão que pode envolver toda a região e além”, advertiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, em um discurso perante o Conselho de Segurança, reunido a pedido da Rússia, numa sessão dedicada ao multilateralismo. 

Consequências imprevisíveis

Países como Egito, Chade e Sudão do Sul, que fazem fronteira, são os principais destinos dos refugiados e são os primeiros a sofrerem as consequências.

Ele entende que há possibilidade de um conflito transbordar as fronteiras vizinhas, seja por rivalidades regionais, baixa efetividade de controle em termos de segurança, por um padrão de atuação em rede das organizações que estão lutando contra governos ou entre elas mesmas, ou pela incidência de um contingente importante de refugiados.  

Essa região da África é cercada por países, igualmente, instáveis e muitos estão em conflitos políticos e religiosos, dentre outros motivos. “Não se pode prever o que irá acontecer com o Sudão ou com o Chifre da África por conta disso, mas fato é que a região é marcada por focos de instabilidade e essa é mais um elemento dificultante da estabilidade regional”, acrescenta. 

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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