Menu
Mundo

Eleição acirrada em Portugal projeta governo com prazo de validade, diz professor

Pela primeira vez, duas sondagens apontaram ligeira vantagem para o maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita

FolhaPress

27/01/2022 8h00

portugal

Foto: Getty Images

GIULIANA MIRANDA

A menos de uma semana das eleições legislativas em Portugal, marcadas para o domingo (30), pesquisas de intenção de voto exibem um cenário incerto. Pela primeira vez, duas sondagens apontaram ligeira vantagem para o maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita.

A diferença em relação ao Partido Socialista, inferior a 1 ponto percentual e ainda dentro da margem de erro, sinaliza um cenário de difíceis alianças pós-eleitorais para governar o país. Para António Costa Pinto, coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o cenário mais provável ainda é o de uma vitória dos socialistas, no poder desde 2015, mas por uma margem pequena.

Com a deterioração das relações do premiê António Costa com os antigos parceiros à esquerda -PCP (Partido Comunista Português) e Bloco de Esquerda–, a solução pode ser um entendimento com a centro-direita. Esse recurso, porém, acabaria por resultar em “um governo a prazo”, na avaliação do professor, que conversou com correspondentes da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal.

Conhecido pelas posições moderadas e ao centro, o líder do PSD, Rui Rio, notabilizou-se por viabilizar, nos últimos dois anos, propostas do Executivo socialista. Com ele no comando social-democrata, o partido votou favoravelmente a quase dois terços das propostas do governo na última legislatura.

Para Costa Pinto, o posicionamento ponderado do principal nome da oposição dificulta a estratégia socialista de tentar trabalhar com o temor do eleitorado sobre a ascensão da direita e um eventual retorno das políticas de austeridade implementadas após o resgate financeiro internacional de 2011.

“Ganhem os socialistas ou os sociais-democratas, a verdade é que provavelmente o Chega passará a ser indispensável à direita para a formação de qualquer governo”, afirma Costa Pinto, em referência ao partido de ultradireita que, indicam as pesquisas, pode se tornar a terceira maior força política portuguesa.

A legenda e seu atual único deputado -André Ventura, que ficou em terceiro lugar nas últimas eleições presidenciais- acumulam propostas polêmicas, como a castração química de pedófilos e a volta da pena de morte, além de acusações de discriminação contra minorias étnicas e sociais.

PERGUNTA – O que o Partido Socialista fez de errado para perder a confortável vantagem que tinha nas pesquisas de intenção de voto?
ANTÓNIO COSTA PINTO – Formalmente, tecnicamente, nada correu mal. O governo do Partido Socialista respondeu ao fundamental na conjuntura pandêmica com indicadores positivos. Sob o ponto de vista da vacinação, também [o país já tem mais de 90% da população completamente vacinada]. Nos indicadores econômicos, conseguiu dar apoio social aos setores em crise. Sob ponto de vista do desemprego, Portugal tem hoje uma taxa de 6,3%, o que quer dizer que estamos próximos do pleno emprego.

O que então pode explicar a queda?
ACP – Existem fatores subjetivos que contam muito em Portugal. Convém não esquecer que no país existe um número muito significativo do eleitorado que não se enxerga na escala esquerda-direita. É menos fixo no apoio a partidos políticos. Também aconteceram várias coisas. Em primeiro lugar, foram seis anos de governo socialista. A oposição hoje já está menos dividida. Rui Rio, enquanto principal líder de centro-direita, apresenta-se a estas eleições com o partido já mais unido, com maior probabilidade de ganhar as eleições ou de ser uma alternativa ao governo.
Rio também tem uma imagem de moderação, então mesmo a campanha do PS, baseada no alerta à ameaça da direita, tem menos capacidade de funcionar. Nota-se, na campanha eleitoral do PS, um caráter ambíguo, ora dizendo que vai fazer acordos à esquerda e estigmatizando a direita, ora estigmatizando os seus antigos parceiros de esquerda. O Partido Socialista está em dificuldades nesta campanha eleitoral.

Como têm reagido os eleitores de esquerda?
ACP – Os eleitores do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista gostaram desses acordos parlamentares. Estamos a observar que o discurso dos socialistas de apelar a um enorme crescimento em seus votos como forma de punir os antigos parceiros à esquerda [por terem reprovado o Orçamento e provocado eleições antecipadas], só tem sucesso parcial.
Aparentemente, o Bloco de Esquerda vai ser punido pelo eleitorado de esquerda, mas isso não é suficiente para fazer crescer eleitoralmente o Partido Socialista. Em 2019, com a melhor conjuntura possível para o PS no poder, os socialistas tiveram 36% dos votos [sem conseguir chegar à maioria absoluta].

Qual é hoje o cenário mais provável de governo após as eleições?
ACP – A hipótese mais credível, se o Partido Socialista ganhar estas eleições por 2 ou 3 pontos percentuais, será o PS formar um governo minoritário e ter, como no passado já teve, a abstenção do Partido Social-Democrata para a viabilização de um governo. Será evidentemente um governo a prazo, porque na mínima oportunidade política a direita não hesitará em tentar antecipar eleições para chegar ao poder.
Se o PSD ganhar, tentará formar um governo de coligação com Iniciativa Liberal e CDS [mais à direita], tentando, eventualmente, ao contrário do que dizem, um acordo parlamentar com o Chega. Seria instável e com uma oposição dura. São as duas hipóteses mais prováveis, mas parece que, se António Costa ficar em primeiro lugar, ele vai tentar regressar às negociações primeiro com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.

O que deve acontecer com o Chega, partido de ultradireita?
ACP – Nas últimas eleições, o Chega se consolidou no tecido político português. Nos pleitos municipais [em setembro de 2021], teve já um resultado satisfatório e nas legislativas provavelmente vai ter cerca de 5% ou 6%. A grande dúvida, e isto é que é o mais importante sob o ponto de vista simbólico, é se o Chega se transforma no terceiro partido no sistema partidário português. A verdade é que nestas eleições, ganhe quem ganhar, o Chega provavelmente passe a ser indispensável à direita para a formação de qualquer governo.
O sistema eleitoral português faz com que os partidos pequenos tenham grande dificuldade em eleger deputados nos círculos eleitorais do interior, mas, nas grandes metrópoles e perto delas, têm chance. Nos grandes círculos eleitorais, com 1,3% já se pode ter um deputado, em Lisboa ou no Porto.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado