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Concentração de tropas de Putin perto da Ucrânia gera alarme e alarmismo

Assim como em março deste ano a concentração de tropas russas perto de fronteiras ucranianas fez soar alarmes nos EUA e na Europa

FolhaPress

11/11/2021 12h29

Foto: Alexei Druzhinin/AFP

Igor Gielow
São Paulo, SP

A tensão política e militar envolvendo o Ocidente e a Rússia, centrada na crise dos refugiados entre a aliada do Kremlin Belarus e a membro da Otan Polônia, ganhou o reforço de um velho conhecido.

Assim como em março deste ano e diversas outras vezes desde que o Kremlin anexou a Crimeia em 2014, a concentração de tropas russas perto de fronteiras ucranianas fez soar alarmes e alarmismos nos Estados Unidos e na Europa.

“Não temos certeza das intenções russas, mas conhecemos seu manual. Nossa preocupação é que a Rússia possa cometer o grave erro de tentar repetir o que fez em 2014”, afirmou na noite de quarta (10) o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.

Há dois aspectos a considerar em sua fala. Primeiro, o motivo de alarme ocidental: de fato há movimentações de tropas consideradas inusuais por analistas militares.

Desde o começo de novembro, imagens de satélite captadas pela empresa Maxar e avaliadas pela empresa de inteligência Jane’s indicam concentração de tropas e blindados em regiões como Ielnia, a cerca de 300 km da fronteira da Ucrânia.

Segundo o Ministério da Defesa ucraniano, há 90 mil soldados deslocados ao longo das linhas fronteiriças, junto ao leste do país, que desde 2014 é governado de forma autônoma por rebeldes da maioria étnica russa da região, conhecida como Donbass.

Eles não chegaram a se separar, como a península da Crimeia, mas iniciaram uma guerra civil que matou mais de 13 mil pessoas e está em modo de pausa há cerca de cinco anos. Neste ano, Kiev ensaiou uma retomada com movimentos de tropas, que foi respondida por Moscou com exercícios envolvendo 100 mil soldados.

Ao fim, com ameaças de lado a lado, os russos retrocederam, tendo logrado seu objetivo de impedir a ação ucraniana. Na visão de mundo do presidente Vladimir Putin, uma Ucrânia parte da Otan (a aliança militar ocidental) é inaceitável.

Isso guiou seus atos em 2014, quando um golpe derrubou o presidente pró-Rússia em Kiev. Tanto a Ucrânia como a aliada Belarus são tampões estratégicos separando suas forças das do Ocidente, uma realidade geopolítica desde o Império Russo e a União Soviética, sob outras formas.

De quebra, na situação atual, mostrar força é uma sinalização à Turquia, que tem apoiado com a venda de drones militares Kiev. Eles já foram usados, com eficácia vista na guerra entre Azerbaijão e a aliada russa Armênia no ano passado, no Donbass. Ancara é uma parceira e rival de Moscou, e tem pretensões na bacia do mar Negro.

O Kremlin dá de ombros. Segundo disse na semana passada o porta-voz Dmitri Peskov, as movimentações de tropas são problema de Moscou e ocorrem em seu território. No mais, voltou a negar quaisquer intenções agressivas, como seria óbvio.

Aí entra o alarmismo. Para observadores mais contrários à Rússia, a movimentação faz parte de uma estratégia maior de pressão sobre o Ocidente que envolve a crise dos refugiados de países afetados por guerras no Oriente Médio e Sul da Ásia.

Talvez 15 mil deles estão hoje na Belarus, país sob sanções ocidentais desde que o ditador Aleksandr Lukachenko desencadeou uma maciça repressão a protestos contra mais uma eleição fraudada sua, em 2020. Ele é apoiado por Putin.

Segundo a União Europeia, os imigrantes foram atraídos para serem usados como armas na fronteira com dois membros do bloco, a Polônia e a Belarus, em retaliação pelas sanções. Minsk nega, claro.

O governo polonês foi além, acusando Putin diretamente de participar do esquema, o que, também de forma óbvia, o Kremlin descarta. Nesta quinta (11), a empresa aérea estatal Aeroflot teve de negar relatos de que teria transportado refugiados para a Belarus.

O governo de Lukachenko recorreu a Putin, que despachou dois bombardeiros Tu-22M3 com capacidade nuclear para uma patrulha rara nos céus belarussos, um aperitivo do apoio que o Kremlin diz estar disposto a dar caso a concentração de forças polonesas e de Minsk na fronteira escale para um conflito.

Nesse sentido, Blinken refletiu essas preocupações de forma mais alarmista também, até porque concedeu a entrevista ao receber o seu homólogo ucraniano, Dmitri Kuleba. O americano voltou a dizer que seu país está comprometido com a “independência e integridade” de Kiev.

Aqui ele está no campo da retórica, que tem ameaça permanentemente se fundir ao do conflito. A Ucrânia pediu para se tornar parte da Otan, algo inaceitável para Putin, mas o fato é que como é um país afetado por disputas territoriais, a admissão não pode ocorrer segundo o estatuto da aliança.

Ao mesmo tempo, houve uma escalada brutal de atividade militar dos EUA e outros aliados com Kiev nos últimos anos.

O mar Negro tornou-se, assim como o Báltico, uma das áreas de atrito potencial mais ativas do mundo. Em junho, os russos afastaram um navio de guerra britânico próximo da costa da Crimeia a tiros e bombas de advertência, um incidente gravíssimo.

Há outros fatores: elevar o status ameaçador de Putin é uma forma de a Otan driblar suas profundas divisões internas com um discurso único.

Com uma linha de choque se estendendo do mar Negro ao Báltico, com as crises na Belarus e com a Ucrânia, o embate entre Ocidente e Rússia entra em uma nova e perigosa fase. Não que alguém deseje a guerra, mas o risco de acidentes ou surpresas como a de 2014 está em alta.

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