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Aumento da violência reduz rejeição à ditadura no Chile

O Chile lida com um legado cada vez mais complicado de Pinochet no momento em que muitos chilenos estão perdendo a fé na democracia

Redação Jornal de Brasília

11/09/2023 8h17

Foto: Divulgação/FreePik

O regime do general Augusto Pinochet torturou e executou 2,3 mil pessoas. Mais de 200 mil foram para o exílio. O golpe que impôs a ditadura no Chile completa 50 anos nesta segunda-feira, 11. Diante de uma economia claudicante e do aumento da criminalidade, pesquisas mostram que uma parte crescente dos chilenos acredita que os direitos humanos não sejam tão prioritários.

O Chile lida com um legado cada vez mais complicado de Pinochet no momento em que muitos chilenos estão perdendo a fé na democracia. “Antes, não havia tanta violência como agora”, disse Ana María Román Vera, de 62 anos, que vende bilhetes de loteria. “Nunca vi tantos assaltos.” Uma pesquisa de julho do Centro de Estudos Públicos revelou que 66% dos chilenos defendem um governo firme e menos preocupado com os direitos individuais.

No Chile, o significado do golpe de 11 de setembro de 1973 vem mudando. Mais de um terço dos chilenos hoje acha justificável a ditadura, apesar de violação dos direitos humanos, assassinatos de opositores e censura. “Deveria haver uma maioria esmagadora que denuncia o golpe e reconhece que os militares destruíram a democracia”, disse Marta Lagos, diretora do instituto Latinobarómetro. “Isso seria normal em um país normal. Mas não é o caso.”

Em agosto, o presidente chileno, Gabriel Boric, de esquerda, anunciou o primeiro plano do Estado para localizar 1.162 desaparecidos da ditadura. No entanto, apesar do esforço do governo e de ONGs de defesa dos direitos humanos para não deixar o golpe cair no esquecimento, muitos no Chile parecem aceitar a possibilidade de destituição de um líder democraticamente eleito

Pesquisa do instituto de Lagos, publicada em janeiro, indicou que 36% dos chilenos acreditam que os militares “libertaram” o Chile do marxismo quando depuseram o presidente Salvador Allende, ante 42% que disseram que o golpe destruiu a democracia, o menor índice desde 1995.

Pinochet liderou o golpe em um momento em que o país estava atolado em uma crise econômica que incluía escassez de alimentos e inflação galopante, que chegava a 600% ao ano. Quando os militares assumiram, impuseram uma economia de livre mercado que inseriu aqueles com dinheiro em uma festa consumista, mesmo quando a taxa de pobreza disparou.

O contador aposentado Sergio Gómez Martínez, de 72 anos, disse que “felizmente”, Pinochet liderou o golpe. Ele diz que seu bem-estar econômico melhorou sob a ditadura, “porque havia ordem, emprego, e campo e indústrias começaram a produzir”.

Repressão

Nos dias que se seguiram ao golpe, o Congresso foi fechado e os partidos políticos, dissolvidos. Aqueles que se opunham ao regime eram presos e torturados. Gómez disse que os abusos “poderiam ter sido evitados”, mas eles não são centrais em sua memória da ditadura.

Ele não está sozinho. Hoje, quase quatro em cada 10 chilenos acham que o governo de Pinochet modernizou o país e 20% veem o ditador como um dos melhores governantes do Chile do século 20, de acordo com pesquisa do instituto Mori.

Ditador morreu sem nunca ter sido julgado por tribunais chilenos

Augusto Pinochet permaneceu no poder até 1990, renunciando após a maioria dos chilenos votar contra o regime militar, em 1988. Mas, ao contrário de outros ditadores, Pinochet não desapareceu. Imediatamente após sair da presidência, ele se tornou comandante-chefe do Exército até 1998 e, mais tarde, senador vitalício, cargo que criou para si mesmo.

O general renunciou em 2002 e morreu em 2006 sem nunca ter sido condenado nos tribunais chilenos, embora tenha ficado detido por 17 meses em Londres por ordem de um juiz espanhol. “Os chilenos se acostumaram a conviver com Pinochet”, disse Lagos. “Ele é o único ditador da história ocidental contemporânea que, 50 anos após seu golpe, ainda é apreciado por 30 ou 40% da população de um país.”

Efrén Cortés Tapia, um pintor de 60 anos, disse que suas memórias mais vívidas da ditadura não são apenas a repressão, mas também a proibição de ouvir música de grupos folclóricos. Para ele, a ditadura levou a “limites no desenvolvimento cultural”, além de “medo e pavor”.

Enquanto a sociedade chilena lida com seus sentimentos mistos sobre a ditadura, mais se aprende sobre a repressão dos anos através dos tribunais. Há cerca de 1,3 mil processos criminais ativos no Chile por violações de direitos humanos durante o regime e cerca de 150 pessoas cumprem penas na prisão de Punta Peuco, reservada exclusivamente para condenados por crimes da época da ditadura.

O Chile também busca respostas no exterior, pressionando os EUA a liberar documentos que possam explicar o papel de Washington na ditadura. Em agosto, a CIA divulgou partes dos relatórios presidenciais, que confirmam que Richard Nixon foi informado sobre a possibilidade de golpe.

Estadão Conteúdo

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