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Economia

Setor produtivo vive ressaca e calibra expectativas com Lula 3

A apresentação da nova regra fiscal até março, a redução dos juros e o controle da inflação estão no centro das atenções

FolhaPress

25/02/2023 11h59

Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Fernanda Brigatti

Representantes dos principais setores da economia brasileira têm demandas específicas para o primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas concordam com três pontos que devem estar entre as prioridades do país: crescimento econômico, aumento no poder de compra dos brasileiros e melhora no sistema de cobrança de impostos.

A apresentação da nova regra fiscal (que substitua o teto de gastos) até março, a redução dos juros e o controle da inflação estão no centro das atenções do setor produtivo. Representantes também defendem políticas que ampliem a competitividade da indústria nacional.

Passada a pandemia, setores que conseguiram manter bons resultados em 2020 e 2021 vivem uma espécie de ressaca e esperam a retomada do crescimento. No fim do ano passado, dados que medem a atividade econômica já mostravam uma perda de ritmo. O nível de emprego melhorou, mas a renda média engatou trajetória de queda em 2021 e chegou aos menores patamares da década. O desafio agora é crescer mesmo com tantos obstáculos.

O setor de eletroeletrônicos é um dos que não conseguiu um bom resultado em 2022 nem com a Copa do Mundo, chamariz para a venda de televisores, segundo a Eletros (Associação Nacional dos Fabricantes de Eletroeletrônicos).

Desde o início da pandemia, os lares precisaram ser adaptados para o trabalho remoto, o que impulsionou as vendas, mas o fim de 2021 anunciava que a bonança acabaria.

No segmento de ar-condicionado, a associação projeta queda de 60% e, entre os refrigeradores, de 13%. Para as TVs, José Jorge do Nascimento, presidente-executivo da Eletros, diz que, com esforço, o setor deve empatar com 2021, um ano sem qualquer impulsionador de vendas.

Reforma tributária é prioridade, mas falta consenso

Apesar de haver consenso entre os representantes de que a cobrança de impostos tem que mudar, a reforma tributária é vista de maneiras diferentes de acordo com o setor e mesmo entre os segmentos industriais.

O diretor-executivo da Abvtex (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), Edmundo Lima, destaca a complexidade na gestão dos impostos estaduais, o ICMS.

“Uma empresa do varejo que atue em todos os estados tem que lidar com dezenas de alíquotas de ICMS. É tudo muito complexo. A unificação de alíquotas e a simplificação é muito importante para nós”, afirma.
A Abvtex representa nomes como Arezzo&CO (Anacapri, Reserva, Arezzo, Alexandre Birman), C&A, Centauro, Riachuelo, Dafiti, Malwee, Marisa, Renner, e os grupos Soma (Animale, Farm, Hering, Cris Barros, NV) e InBrands (Ellus, Richards, Bobstore, VR, Herchcovitch;Alexandre e Salinas).

Na indústria, a reorganização e simplificação tributária é tida como fator essencial para a reindustrialização. “A indústria passou de 27% do PIB para menos 11%. Claro, serviços e agronegócio cresceram, mas nós fundamentalmente perdemos competitividade. Aí o grande item da pauta é o custo Brasil e, nisso, o grande tema é a reforma tributária”, diz Marco Polo de Mello Lopes, coordenador da Coalizão Indústria.

O grupo reúne entidades de 14 setores, entre eles a Aço Brasil (da qual Marco Polo é presidente-executivo), Eletros e fabricantes de plástico, máquinas, brinquedos e a indústria da construção, entre outros.

“Temos uma agenda Brasil que atende a todos e todos os setores abriram mão das suas reivindicações específicas”, diz Marco Polo. Na sexta (17), o grupo se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e apresentou as pautas conjuntas do setor. Além de tributos, demandas sobre transição energética e financiamento de exportações também foram tratadas.

IPI, transição de novas regras e benefícios regionais

O que deve ser o ponto de discórdia entre a Eletros, o governo e outros setores (e mesmo na própria indústria) é a manutenção ou não do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Na base da Eletros há diversas fábricas instaladas na Zona Franca de Manaus. Atualmente, bens fabricados na região estão protegidos do corte de 35% do IPI. A medida tomada no governo Jair Bolsonaro (PL) atinge 4.000 produtos feitos em outras regiões e foi mantida pela nova gestão.

A Zona Franca de Manaus tem como um dos seus diferenciais a isenção do IPI sobre os bens lá produzidos e, com a redução do imposto em todo o país, veria essa vantagem diminuir.

A blindagem pretendeu manter a competitividade desses produtos, tornando-os mais baratos do que seus similares importados. As propostas mais avançadas de reforma tributária acabam com o IPI.

Para a Eletros, a vantagem tributária da Zona Franca precisa ser mantida. O segmento mantém ainda outros pontos de atenção sobre a reforma tributária, como o período de transição e a situação de estados e municípios que investiram em polos industriais.

“Há estados em que o benefício tributário aumenta conforme a distância com a capital. A reforma precisa entender essas particularidades regionais, não podemos acabar preterindo estados e regiões.”

Corte na compensação para exportadores desequilibrou balança comercial

Para Marco Polo de Mello Lopes, da Aço Brasil, das siderúrgicas, é essencial acabar com a cumulatividade de impostos. “Temos um regime que você fica com uma conta de débito, outra de crédito e, quando vai exportar, fica um resíduo tributário muito forte, de 6,5%, em média, e de 7% para a siderurgia”, afirma.

Ele tem defendido o aumento da alíquota do Reintegra, mecanismo de compensação tributária de exportações, hoje em 0,1% (já foi de 3%). O ajuste seria um paliativo, segundo ele, enquanto a reforma não é aprovada.

“Onde a gente deveria ter o melhor resultado em exportações, que é a balança comercial de manufaturados, que tem o maior valor agregado, mais que minério ou soja, acumulamos déficit”, afirma. Esse déficit, diz ele, saiu de US$ 78 bilhões em 2020 para US$ 128 bilhões, em 2022.

A pauta conjunta da indústria inclui ainda o alongamento no pagamento de impostos. Como é hoje, o prazo para recebimento de vendas costuma ser maior do que o de recolhimento de tributos. “Principalmente nas pequenas e médias indústrias, ele [o empresário] tem de recorrer aos bancos. O que a gente vem propondo também aos estados é para que haja uma compatibilidade entre os prazos.”

Varejo têxtil quer fiscalização de concorrentes internacionais

A tributação do ecommerce e o enfrentamento a plataformas estrangeiras (como a Shein) são pontos de destaque entre as reivindicações do varejo têxtil. A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) é outra crítica à insuficiência da fiscalização sobre essas empresas. O setor aponta para uma falta de isonomia na tributação.

Enquanto as empresas brasileiras estão sujeitas a impostos em todas as etapas, as plataformas estariam usando o benefício de isenção para trocas entre pessoas físicas para evitar o imposto de importação (se cobrado do cliente em todas as operações, tornaria os produtos mais caros).

O outro problema, segundo a Abvtex, é etiquetagem e segurança, normas às quais o varejo é obrigado a atender. “A partir de testes que fizemos e de conversas com consumidores, entendemos que não há o cumprimento dessas normas.”

As varejistas de moda também querem discutir o imposto para importação. Lima diz que a tarifação subiu de 20% para 35% em 2007. Na época, veio de uma pressão da indústria e seria temporário. “Era um tempo para que a indústria investisse e se tornasse mais competitiva, mas a alíquota nunca mais voltou.” A média internacional desse tipo de imposto fica entre 16% e 18%.

Consumidor precisa de confiança para desligar ‘luz amarela’

O modo como o governo Lula enfrentará temas como emprego e renda será importante também para o varejo têxtil, diz Edmundo Lima, da Abvtex.

“Há expectativa que trate a questão social com mais força, pois foi o discurso ao longo de toda a campanha. Para a gente, é importante não só em relação ao emprego, mas na manutenção de benefícios e a na valorização do salário mínimo”, afirma.

A retomada do consumo e da confiança dos consumidores está entre as apostas de setores para melhorar o desempenho.

Para Ivo Dall’Acqua Júnior, vice-presidente da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo), o nível de confiança do consumidor está baixo. O ano também começou com “sacolejos” no varejo (com Americanas e outras grandes redes relatando dificuldades financeiras). “Percebemos que o consumidor está cauteloso, mas há um otimismo porque parece que o cenário vai se definindo e parece que a economia vai caminhar”, afirma.

A Eletros avalia existir uma crise do consumo, que precisa ser enfrentada com geração de emprego e distribuição de renda. O controle de gastos pode favorecer a redução de juros e da inflação, com efeitos sobre os custos de insumos e do crédito, avalia.

Na indústria da construção, medidas tomadas pelo governo nestes primeiros dias foram bem recebidas, como a retomada do Minha Casa, Minha Vida.

A Abrainc (associação das incorporadoras) diz que o programa será fundamental no desempenho do setor. A Cbic (câmara da indústria da construção) elogiou a intenção de acabar com saques anuais do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O setor, que viu seus resultados dispararem na pandemia, quando o ambiente doméstico passou a receber ainda mais atenção, agora se espreme diante da alta dos juros.

Início tenso na relação com o Agro

No agronegócio, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) diz que suas expectativas são as mesmas do período eleitoral. O documento endereçado aos “próximos governantes” trata de questões como segurança alimentar, desenvolvimento econômico, social e sustentável.

O setor, no entanto, está irritado com o que considera ter sido o esvaziamento do Ministério da Agricultura, e dos acenos do novo governo às pautas ambientais, como mostrou a Folha. A estatal Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) passou a ser subordinada ao Desenvolvimento Agrário e agora é comandada por Edegar Pretto, que tem ligação histórica com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Propostas mais avançadas para a reforma tributária

Duas PECs (propostas de emenda à Constituição) tratam do assunto e têm, em comum, a unificação de impostos.

1) PEC 45 – RELATÓRIO DEPUTADO AGUINALDO RIBEIRO
Substitui cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um Imposto sobre Bens e Serviços e um Imposto Seletivo sobre cigarros e bebidas alcoólicas
Transição de seis anos em duas fases, uma federal e outra com ICMS e ISS
Substitui a desoneração da cesta básica pela devolução de imposto para famílias de menor renda
2) PEC 110 – RELATÓRIO SENADOR ROBERTO ROCHA
Criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com fusão do PIS e Cofins
Criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), com fusão do ICMS e ISS
Substitui IPI por um imposto seletivo sobre itens prejudiciais à saúde e meio ambiente
Criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, abastecido com recursos do IBS
Restituição de tributos a famílias de baixa renda
3) PL 3887/2020 – PROPOSTA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA
Criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com fusão do PIS e Cofins
Mantida regra atual de desoneração da cesta básica
4) PL 2337/2021 – TEXTO APROVADO NA CÂMARA
Isenção do IRPF na faixa até R$ 2.500 e correção de média de 13% nas demais faixas
Desconto simplificado máximo de R$ 10.563,60 (hoje, limite é de R$ 16.754,34)
Tributação de dividendos, com isenção para o Simples e lucro presumido
Corte da alíquota-base do IRPJ de 15% para 8%
Corte da CSLL em até 1 ponto percentual
Fim dos JCP (Juros sobre Capital Próprio)
Fontes: Câmara dos Deputados e Senado Federal

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