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Economia

Se você nunca encontrou seus colegas de trabalho pessoalmente, vocês trabalharam mesmo juntos?

As interações pessoais foram limitadas a chamadas de vídeo durante todo o período em que trabalharam em um determinado lugar

Redação Jornal de Brasília

25/09/2021 9h13

Foto: Reprodução

O home office, adotado em muitas empresas por conta da pandemia de covid, criou uma nova peculiaridade no mercado de trabalho: um número crescente de pessoas começaram novos empregos e na sequência deixaram seus postos sem ter conhecido os colegas pessoalmente. Para muitas delas, que são em sua maioria funcionários em escritórios, as interações pessoais foram limitadas a chamadas de vídeo durante todo o período em que trabalharam em um determinado lugar.

Kathryn Gregorio começou a trabalhar em uma organização sem fins lucrativos em Virginia (EUA), em abril do ano passado, pouco depois de a pandemia forçar muita gente a aderir ao home office. Um ano e um zilhão de reuniões por Zoom depois, ela ainda não havia encontrado pessoalmente nenhum de seus colegas, apenas seu chefe – o que facilitou o pedido de demissão quando uma proposta de um novo emprego surgiu.

Chloe Newsom, executiva de marketing na Califórnia, passou por três empregos diferentes até agora durante a pandemia e teve dificuldades para criar conexões pessoais com colegas de trabalho, nenhum dos quais ela conheceu pessoalmente. No mês passado, ela começou a trabalhar em uma startup com ex-colegas com quem já tinha se relacionado presencialmente.

E Eric Sun, que começou no emprego em uma empresa de consultoria em agosto do ano passado, quando estava morando em Ohio, não encontrou nenhum de seus colegas na vida real antes de mudar, menos de um ano depois, para uma companhar maior. “Nunca apertei as mãos deles”, disse ele.

Nunca precisar estar na mesma sala de reuniões ou escritório que um colega de trabalho talvez pareça um sonho para alguns. Mas o fenômeno de “job hopers” (termo usado para se referir a pessoas que mudam de emprego com bastante frequência) que não encontraram seus colegas pessoalmente ilustra como conexões emocionais e pessoais relacionadas ao trabalho talvez estejam se perdendo. Isso tem contribuído para um comportamento em que entrar ou sair de uma empresa é algo simples e gerado incerteza entre empregadores quanto a retenção de funcionários que eles mal conhecem.

Fuga

Atualmente, mais trabalhadores já deixaram seus empregos durante alguns meses de pandemia do que em qualquer outro momento desde o início do monitoramento em dezembro de 2000, de acordo com a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos. Em abril, um recorde de 3,9 milhões de pessoas, ou 2,8% das pessoas trabalhando, disseram a seus empregadores que estavam jogando a toalha. Em junho, 3,8 milhões de pessoas pediram demissão. Muitas delas eram operários que estavam trabalhando em sua maioria presencialmente, mas economistas disseram que os funcionários de escritório trabalhando de casa também estavam provavelmente se sentindo mais livres para dar adeus a empregos que não gostavam.

“Se você está em um ambiente de trabalho ou emprego onde não há ênfase em criar conexões, é mais fácil mudar de emprego, emocionalmente”, disse Bob Sutton, psicólogo organizacional e professor da Universidade Stanford.

Embora esse fenômeno do trabalho remoto não seja exatamente novo, o que é diferente atualmente é a dimensão da tendência. As mudanças no mercado de trabalho, de modo geral, acontecem lentamente, mas o trabalho em escritórios evoluiu extremamente rápido na pandemia, a ponto de trabalhar com colegas que nunca conhecemos ter se tornado quase uma rotina, disse Heidi Shierholz, economista sênior do Economic Policy Institute, um think tank americano sem fins lucrativos.

“O que isso reflete principalmente é por quanto tempo essa situação tem sido arrastada”, disse ela. “De repente, enormes grupos de funcionários de escritório mudaram completamente a forma como realizavam seu trabalho.”

Segundo os especialistas em ambientes de trabalho, a tendência de pessoas que ficam sem interagir fisicamente com colegas durante todo o período em que estão em um emprego é tão nova que não existe nem mesmo um nome para isso ainda.

Muitos desses trabalhadores que nunca tiveram a chance de se encontrar pessoalmente com os colegas antes de deixarem seus empregos disseram que se sentiram isolados e questionaram o propósito de seus trabalhos.

Kathryn, 53 anos, que trabalhava para a organização sem fins lucrativos na Virginia, disse que muitas vezes teve dificuldade para avaliar o tom dos e-mails de pessoas que nunca conheceu e constantemente ficava em dúvida se os problemas eram grandes o suficiente para justificar reuniões via Zoom. Ela disse que não sentiria falta da maioria de seus colegas porque não sabia nada a respeito deles.

“Sei apenas os nomes deles,” disse ela.

Para ajudar a evitar que mais pessoas deixem seus empregos porque não criaram laços presencialmente, alguns empregadores estão reconfigurando suas culturas organizacionais e criando novos cargos como “chefe de trabalho remoto” para manter os funcionários trabalhando bem em equipe e se sentindo motivados. Em novembro, o Facebook contratou um diretor de trabalho remoto, que é responsável por auxiliar a empresa a se ajustar a um ambiente de trabalho predominantemente remoto.

Outras empresas que mudaram rapidamente para o trabalho remoto não se adaptaram a promover o espírito de comunidade por meio de videochamadas, disse Jen Rhymer, pós-doutoranda em Stanford que estuda ambientes de trabalho.

“Elas não podem simplesmente dizer: ‘Ah, socializem, façam um happy hour virtual'”, disse Jen. “Isso por si só não vai criar uma cultura de construção de amizades”.

Ela disse que as empresas podiam ajudar os trabalhadores isolados a se sentirem motivados tomando a iniciativa da socialização e não deixando isso nas mãos dos empregados. Isso inclui agendar atividades para pequenos grupos, dar lugar a pequenos encontros presenciais e reservar tempo para conversas do dia a dia, afirmou.

Os empregadores que nunca se encontram pessoalmente com seus funcionários também estão contribuindo para que eles pulem de um emprego para outro com maior frequência, pois estão mais dispostos a dispensá-los. Sean Pressler, que no ano passado começou a trabalhar no site de comércio eletrônico Potsandpans.com, em São Francisco, fazendo vídeos de marketing, disse que foi demitido em novembro sem aviso prévio.

Pressler, 35 anos, disse que não se encontrar presencialmente e não conhecer seus chefes e colegas o tornou dispensável. Se tivesse construído conexões pessoais, ele disse que teria sido capaz de conseguir feedback sobre seus vídeos panorâmicos e debatido ideias com colegas. E talvez até mesmo ter percebido que os cortes no orçamento estavam a caminho bem antes de ser demitido.

Em vez disso, ele se sentiu “como se fosse só um nome em uma planilha”. Apenas alguém que podia ser eliminado ao pressionar a tecla delete.

E seus colegas de trabalho? “Nem mesmo sei se eles faziam ideia de quem eu era”, afirmou.

Estadão Conteúdo

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