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Economia

Mulher na chefia eleva investimentos, e negro amplia representatividade, indica pesquisa

Os dados são de um levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper a pedido da Fundação Lemann

Redação Jornal de Brasília

25/08/2023 15h44

PAOLA FERREIRA ROSA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Lideranças femininas tendem a atrair até 60% mais investidores externos do que homens, enquanto chefes negros podem aumentar em até 1,8 ponto percentual a participação de trabalhadores pretos e pardos em suas empresas.

Os dados são de um levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper a pedido da Fundação Lemann.

Os pesquisadores analisaram 95 estudos nacionais e internacionais sobre diversidade de gênero e raça no mercado e na política, publicados em livros e revistas acadêmicos ao longo dos últimos 20 anos.

“Nos contextos analisados, as mulheres em posições de tomada de decisão tendiam a adotar estilos de liderança mais colaborativos e inclusivos, o que pode ser percebido pelos investidores como um indicativo de transparência e confiabilidade”, afirma Michael França, doutor em teoria econômica pela USP, colunista da Folha de S.Paulo e coautor do levantamento.

De acordo com ele, empresas lideradas por mulheres também tendem a dispor de práticas de responsabilidade social corporativa mais consistentes e efetivas, ou seja, criam mais iniciativas para promover melhorias sociais e ambientais para além do exigido por lei.

Exemplos são ações com foco na comunidade do entorno, como capacitações e cursos gratuitos, ou a redução dos impactos ambientais em processos de fabricação.

Sob a perspectiva racial, foi encontrada uma forte associação entre a participação de trabalhadores negros e o sentimento de identificação e compromisso dos líderes.

Lideranças negras tendiam a se identificar mais facilmente com candidatos pretos e pardos, entendendo os desafios enfrentados por eles e valorizando suas vivências.

“Inclusive, devido às suas próprias experiências, os líderes negros tendiam a dispor de um maior compromisso com a diversidade e inclusão, buscando criar ambientes de trabalho mais diversificados”, explica o pesquisador.

Diretora executiva da Fundação B1, voltada ao impacto social a partir do uso de tecnologias, Kelly Baptista, 39, conta que sempre liderou equipes majoritariamente formadas por mulheres e pessoas negras. Hoje, ela lidera 15 pessoas, das quais 75% se autodeclaram pretos ou pardos e 30% são LGBTQIA+.

Kelly assumiu seu primeiro cargo de liderança há dez anos, e conta não precisar abrir vagas afirmativas para compor equipes diversas.

“As pessoas me procuram pedindo para trabalhar comigo. Acho que, por eu ser uma mulher preta, de origem periférica e mãe, se enxergam em mim como líder. Para mim também é muito mais fácil liderar pessoas que vêm desse lugar”, afirma.

Todos os funcionários de Kelly se formaram em universidades públicas, por meio de cotas, ou em particulares, através de programas de incentivo. De acordo com ela, o domínio de línguas não é pré-requisito para que contrate alguém.

“O mercado de tecnologia é cruel. Às vezes querem uma pessoa júnior que já fale inglês, alemão e tenha experiência. A gente busca pessoas que têm história e são conectadas com a educação. Desenvolvemos elas aqui dentro, e temos uma taxa de evasão muito baixa”, diz.

Para Deloise de Jesus, líder de equidade racial da Fundação Lemann, uma das barreiras para o crescimento profissional de grupos minorizados é não se verem como capazes de assumir cargos de chefia, devido à falta de pessoas semelhantes nessas posições.

“Muitas pessoas que têm um perfil de liderança, principalmente mulheres e pessoas negras, nem chegam a se candidatar, porque não se veem representadas. Elas não imaginam que aquela posição é para elas”, diz.

De acordo com ela, pessoas que passam por essa barreira ainda enfrentam bloqueios sistêmicos, como a discriminação e o racismo. “Eles operam na autoestima, na sensação de pertencimento, no acesso a recursos, e nessa parte externa, que é as portas serem abertas.”

Kelly conta que grande parte de seu tempo é dedicado a conversar e incentivar seus funcionários.

“Só estou aqui porque tive algumas pessoas que me incentivaram. Quando eu estava no processo seletivo para cá, não acreditei que conseguiria entrar como coordenadora. Eu tinha passado por um emprego muito ruim e estava adoecida”, afirma.

Depois de viver situações de racismo na empresa onde trabalhava, ela estava prestes a desistir da carreira e se aplicar para uma vaga de analista júnior, recebendo 20% do que iria ganhar na época como coordenadora na 1Bi.

“Foi quando uma amiga falou: ‘Você vai conseguir, porque você é muito boa’, e isso me marcou profundamente.” Ela não só foi selecionada para o cargo de coordenadora, como foi promovida à diretoria no ano seguinte.

O economista Michael França cita a maternidade como outra barreira para que mulheres cheguem à liderança. De acordo com ele, estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa mostram que a desigualdade salarial entre mulheres e homens é acentuada depois da gestação.

“Isso acontece porque as normas sociais ainda colocam muito peso sobre as mulheres no cuidado dos filhos. Para cuidar da criança, elas começam a escolher empregos mais flexíveis e profissões que ganham menos, e isso afeta a carreira –tanto no setor público, quando no privado”, diz.

O assédio sexual, em ambiente de trabalho ou fora dele, também impacta na carreira de mulheres, ao passo que discriminação racial incide sobre o trabalho de homens e mulheres negros.

Para França, enumerar todos os mecanismos que excluem mulheres e negros na sociedade é o primeiro passo para que mudanças sejam feitas.

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