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Economia

Dólar fecha no maior nível de 1º de junho com aversão a risco no exterior

Na última hora de negociação, com piora das Bolsas em Nova York e alta adicional dos juros longos nos EUA, a moeda rompeu R$ 4,99

Redação Jornal de Brasília

26/09/2023 18h32

Dólar

Foto: Reprodução/ Flickr

Após ensaiar uma queda pela manhã no mercado doméstico, em aparente movimento de realização de lucros, o dólar ganhou força ao longo da tarde em meio ao aumento da aversão ao risco no exterior e ao avanço das taxas dos Treasuries. Na última hora de negociação, com piora das Bolsas em Nova York e alta adicional dos juros longos nos EUA, a moeda rompeu R$ 4,99 e tocou máxima a R$ 4,9936. No fim do dia, o dólar subia 0,42%, cotado a R$ 4,9871 – maior valor de fechamento desde 1º de junho (R$ 5,0064).

Apesar da agenda doméstica carregada, com divulgação do IPCA-15 de setembro e da ata do encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na semana passada, o quadro externo foi, mais uma vez, preponderante na formação da taxa de câmbio. Aos temores relacionados ao setor imobiliário chinês e a perspectiva de juros elevados por período prolongado nos EUA, reforçada pela alta dos preços do petróleo, soma-se a preocupação com eventual paralisação parcial do governo americano, dado o impasse no Congresso dos EUA para aprovação do orçamento.

“Temos uma aversão a risco generalizada no mundo que leva naturalmente a uma corrida pelo dólar. Há preocupação com o risco de shutdown nos EUA em meio a uma pressão por mais gastos. Os preços dos ativos estão assimilando a perspectiva de juros mais altos nos EUA por mais tempo”, afirma o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, acrescentando que, por ora, o dólar respeita o nível psicológico de R$ 5,00 no curto prazo. “Quando se aproxima de R$ 5,00, aparece uma força vendedora muito forte. Mas se o ambiente externo piorar ainda mais, com pressão nas taxas longas nos EUA e desaceleração na China, isso pode mudar.” 

Com a busca global por dólar, o índice DXY passou o dia em alta firme e tocou máxima aos 106,261 pontos. A moeda americana subiu em bloco em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities, incluindo as moedas latino-americanas pares do real. A taxa da T-note de 30 anos superou a marca de 4,7% pela primeira vez em mais de 12 anos. O retorno da T-note de 10 anos voltou a ultrapassar a barreira de 5,55%. Indicadores americanos divulgados hoje – confiança do consumidor e venda de moradias novas – decepcionaram, balançando a aposta em pouso suava da maior economia do mundo. O contrato do Brent para dezembro subiu 0,72%, a US$ 93,96 o barril. Teme-se que o avanço dos preços dos combustíveis retarde o processo de desinflação nos EUA.

“Vimos uma piora dos ativos com a alta mais forte das taxas dos Treasuries e a preocupação com o impacto dos preços do petróleo, com problemas de oferta na Rússia. Além disso, há o risco de desaceleração mais forte da economia chinesa”, afirma a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest.

Com juros elevados nos EUA por mais tempo e processo de cortes da taxa Selic, analistas alertam que haver estreitamento do diferencial entre taxas internas e externas, o que pode tirar parte da atratividade do real no médio prazo. A ata do encontro do Copom na semana passada trouxe um tom duro e reforçou o ritmo de redução em 0,50 ponto porcentual nas próximas reuniões do comitê.

O IBGE informou que o IPCA-15 acelerou de 0,28% em agosto para 0,35% em setembro. O resultado, contudo, veio ligeiramente abaixo da mediana das estimativas de projeções Broadcast (0,37%) Em geral, casas avaliaram que o índice mostrou ainda composição benigna da inflação, com arrefecimento de núcleos, além de menor difusão.

Ibovespa

Em dia amplamente negativo também em Nova York, o Ibovespa costurou a quarta perda consecutiva, hoje em grau maior, em baixa de 1,49% no fechamento, aos 114.193,43 pontos, agora no menor nível desde 5 de junho (112.696,32 pontos). Após ter oscilado ontem menos de 500 pontos entre a mínima e a máxima do dia, o índice da B3 operou em amplitude maior nesta terça-feira, dos 114.162,28 (-1,52%), do fim da tarde, até os 115.922,45, nível correspondente à máxima da sessão, na abertura.

O giro subiu a R$ 23,0 bilhões na sessão. Na semana, o Ibovespa cai 1,56%, passando hoje ao negativo no acumulado do mês (-1,34%), que termina na sexta-feira para a B3. No ano, o índice sobe 4,06%. Em Nova York, as perdas desta terça-feira ficaram em 1,14% (Dow Jones), 1,47% (S&P 500) e 1,57% (Nasdaq).

Apesar da alta de 0,7% para o Brent na sessão, perto de US$ 94 por barril, Petrobras (ON -2,76%, PN -2,31%, ambas nas mínimas do dia no fechamento) apararam os ganhos em torno de 5% que ainda sustentam no mês, alinhando-se na sessão a outro peso-pesado do Ibovespa, Vale (ON -1,56%), em dia também negativo para as ações de grandes bancos, como Bradesco (ON -1,45%, mínima do dia no encerramento; PN -1,06%), BB (ON -1,42%) e Itaú (PN -1,48%).

Na ponta ganhadora do Ibovespa, as duas ações de Eletrobras (PNB +1,88%, ON +0,92%), após troca de CFO Chief Financial Officer, principal executivo da área de finanças bem recebida pelo mercado, além de BRF (+2,79%) e Casas Bahia (+1,69%). Dez ações da carteira Ibovespa, de 86 papéis, conseguiram fechar o dia com ganhos.

A Eletrobras informou nesta terça-feira que Elvira Presta renunciou ao cargo de vice-presidente financeira e de relações com investidores da companhia, e será substituída por Eduardo Haiama. O comunicado da companhia de energia não informa o motivo da renúncia da executiva, que ocupava o cargo desde 2019

No quadro mais amplo, como pano de fundo para as commodities – hoje, o contrato futuro de minério de ferro mais negociado, para janeiro de 2024, fechou em baixa de 1,64% em Dalian, a US$ 115 por tonelada -, o mercado tem tomado nota de sinais cada vez menos animadores sobre o ritmo de atividade na China. Em evento no Rio de Janeiro, o economista Paul Krugman afirmou hoje que o tempo de “crescimento heroico da China acabou”. O país é “um grande comprador de commodities, então, para países produtores, isso é um problema”, acrescentou Krugman, agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 2008.

Segundo ele, os números mais recentes mostram que o crescimento sustentável da economia chinesa provavelmente está próximo de 3%, taxa muito inferior à vista nas últimas décadas, reporta do Rio o jornalista Matheus Piovesana, enviado especial do Broadcast.

“Mercado tem estado bem mais cauteloso com a questão da China, o que levou a ação da Vale a bater como ontem em mínima a R$ 65. O petróleo em baixa ontem também já tinha precificado uma demanda global mais lenta”, diz Gabriel Mota, assessor de renda variável da Manchester Investimentos, destacando também, desde a segunda-feira, o ressurgimento, com intensidade, de temores em relação ao setor imobiliário chinês, segmento de peso significativo no PIB da segunda maior economia do mundo.

“Bolsa sofreu muito hoje, com o Ibovespa voltando para os 114 mil pontos, puxado bastante também por ações com exposição ao ciclo doméstico. Desde o exterior, mercado se mostra agora muito mais avesso a risco do que se podia perceber há algumas semanas, com muita deterioração no humor dos investidores”, diz João Piccioni, analista da Empiricus Research. Ele destaca também a ata do Copom, divulgada na manhã desta terça-feira, que corroborou o tom cauteloso do BC, ratificando o ritmo de cortes da Selic em meio ponto porcentual até o fim do ano. Assim, com mais duas reuniões do Copom pela frente, em novembro e dezembro, a taxa básica de juros deve encerrar mesmo 2023 a 11,75% ao ano

“Os juros de mercado, no exterior, continuam a subir. Os dados americanos estão vindo mais acomodados, o que contribuiu para uma volatilidade maior na sessão”, acrescenta o analista, chamando atenção em especial para o VIX – métrica com base em opções sobre o S&P 500, tida como o índice do “medo” em Nova York -, que chegou a um nível na sessão desta terça-feira não visto, segundo ele, nem mesmo durante o ‘spike’ de volatilidade observado em agosto. “Os investidores estão mais reticentes na alocação de recursos lá fora. Há uma aversão a risco global.”

“Há piora expressiva na curva de juros, que vem da semana passada, o que tem se refletido em máximas desde a última crise financeira global, em 2007, para os rendimentos dos Treasuries”, destaca Felipe Moura, sócio e analista da Finacap Investimentos, em referência ao tom ‘hawkish’, duro, da comunicação do Federal Reserve na decisão de política monetária da quarta-feira passada, dia 20.

“A preocupação ao redor do planeta é de que os juros sigam altos por mais tempo do que se previa anteriormente, e que isso cause recessão em nível global. Aqui no Brasil, Vale e Petrobras puxaram o Ibovespa para baixo, com as notícias sobre o setor imobiliário na China, que ainda preocupam os mercados”, aponta Gabriel Duarte, analista da Ticker Research. Ele destaca, em especial, o noticiário em torno da incorporadora chinesa Evergrande, em “dificuldade para organizar um processo de reestruturação da dívida, o que causa preocupação em relação ao crescimento do país”.

Por sua vez, na maior economia do mundo, os dados dos Estados Unidos nesta terça-feira também não contribuíram para animar os investidores. “Houve piora da confiança do consumidor em relação à medição anterior, e o número de vendas de casas novas veio abaixo do esperado, refletindo as dificuldades enfrentadas pelo setor imobiliário também nos EUA, com taxas das hipotecas elevadas”, diz Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos.

Nesse contexto menos favorável ao apetite por risco, o destaque da agenda doméstica nesta terça-feira – divulgado de manhã pelo IBGE -, o IPCA-15 referente a setembro, em linha com o consenso para o mês, foi uma nota de rodapé na sessão. “A inflação veio bem comportada no IPCA-15, e com abertura benigna. Serviços subiram um pouquinho, mas os núcleos de maneira geral desaceleraram, assim como o índice de difusão, o que é uma boa notícia”, diz Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos.

Juros

Os juros futuros dispararam nesta terça-feira, 26, em que vários fatores internos acabaram exacerbando na curva o efeito negativo do ambiente internacional, marcado mais uma vez por elevação das taxas dos Treasuries longos e do dólar, temperado ainda pelo avanço do petróleo. No Brasil, a ata do Copom e a nova estratégia do governo para resolver a questão dos precatórios pesaram, com ajuda do comportamento de serviços dentro do IPCA-15, que veio pouco abaixo da mediana das estimativas.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 fechou a 10,790%, de 10,575% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2026 foi de 10,33% para 10,61%. O contrato para janeiro de 2027 encerrou com taxa de 10,88% (10,62% ontem). A taxa do DI para janeiro de 2029 avançou de 11,20% para 11,47% (máxima). A do DI para janeiro de 2031 saltou a 11,76%, de 11,51% ontem.

Dentro da liquidação dos ativos domésticos, o miolo da curva foi um dos mais afetados, na medida em que a o clima no exterior e a piora na percepção fiscal acabam interferindo na percepção sobre o ciclo para Selic.

“A ata veio pesada e consolidou a ideia de que não vai ter corte de 75”, disse a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese. Ela destaca como pontos hawkish do documento as menções às taxas de juros de longo prazo nos países avançados e a ampla discussão sobre os fatores de resiliência da atividade doméstica. Do exterior, avalia que os retornos dos Treasuries nestes níveis num cenário orçamentário complicado nos EUA ampliam a aversão ao risco, com ajuda ainda do avanço nos preços do petróleo.

De acordo com cálculos do economista-chefe do Banco Bmg, Flávio Serrano, no meio da tarde, a curva preservava apenas 10% de probabilidade de redução de 75 pontos da Selic nas próximas reuniões até janeiro. “Na de março, já temos 48 pontos”, disse. Ou seja, naquele mês já há projeção de corte menor do que 50. O economista explica que a manutenção de alguma chance de 75 nos próximos encontros do Copom se dá muito mais porque 50 pontos, sendo consenso, é a chamada “aposta de graça”, do que por convicção.

Na ata, os diretores afirmaram sobre os próximos passos que concordaram unanimemente com a expectativa de cortes de 0,50 ponto e avaliaram que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária ao processo desinflacionário. “O Comitê julga como pouco provável uma intensificação adicional do ritmo de ajustes, já que isso exigiria surpresas positivas substanciais que elevassem ainda mais a confiança na dinâmica desinflacionária prospectiva”, repetiu o BC como na ata de agosto. Para o fim de 2023, a curva indica Selic próxima de 11,75%. Para o fim de 2024, a precificação, que já chegou a ficar abaixo de 9%, nesta tarde era de 10%.

No exterior, os retornos dos Treasuries de longo prazo subiram de forma até moderada, mas, como observa o economista Vitor Beyruti, da Guide Investimentos, o problema é que vêm avançando de forma contínua. “Isso amplia os receios sobre o crescimento global e com os EUA ainda em risco de shutdown”, pontuou. À tarde, a taxa do T-Bond de 30 anos chegou a bater em 4,7% pela primeira vez em mais de 12 anos. O yield da T-Note de dez anos, na máxima, hoje foi à 4,56%.

O IPCA-15 de setembro, de 0,35%, veio abaixo da mediana das estimativas (0,37%), mas o que o mercado olhou mesmo foram os preços de serviços e serviços subjacentes, que avançaram além do esperado, endossando a mensagem da ata de que o espaço para corte da Selic é mesmo limitado a 50 pontos.

O dia teve ainda a repercussão negativa da proposta do governo de rever o pagamento de precatórios alterado pela PEC aprovada em 2021 e que fixou um teto anual para essas despesas. A sensação no mercado é de novo “malabarismo fiscal”. “Soa como pedalada. É uma primeira exceção sendo almejada pelo governo e isso acaba pesando num dia em que a agenda econômica e o exterior atrapalharam”, disse Beyruti.

Estadão Conteúdo

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