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Economia

Banco usa prova de vida como pretexto para enganar aposentados e pensionistas

Relato dado ao JBr indica que o Banco Daycoval condicionou recebimento do benefício do INSS à contratação do serviço

Vítor Mendonça

26/10/2023 8h30

Em descumprimento à Lei Distrital 6.930/2021, o Banco Daycoval tem ligado para idosos, aposentados e pensionistas no Distrito Federal ofertando e celebrando contratos de empréstimos de cartões de crédito consignado. Porém, para não expor as intenções, a companhia usa como pretexto um suposto vencimento da prova de vida para induzir possíveis clientes ao erro de contratar serviços financeiros que não querem de maneira velada e confusa.

A prática de venda de empréstimos de cartões de crédito consignados é vedada a instituições financeiras e, caso haja descumprimento, estas podem pagar multa de R$ 200 mil.

A denúncia foi ouvida pelo Jornal de Brasília por uma pessoa que será chamada de Marcos nesta matéria, a fim de manter a identidade preservada. Ele conta que foi ludibriado pela empresa e teve contratados, em conta corrente, mais de R$ 8 mil em crédito consignado, mesmo deixando claro por diversas vezes de que não iria querer o serviço, apenas confirmar que estava vivo e apto para continuar a receber o benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“Eles me ligaram falando que o prazo para a renovação da minha prova de vida tinha vencido e que estavam entrando em contato para resolver a situação”, contou Marcos. A partir daí, uma longa conversa pelo telefone se estendeu para a confirmação de dados pessoais e, uma vez que estavam com acesso às principais informações de cadastro do INSS.

A atendente que ligou, no fim de setembro, afirmou que era da Central de Relacionamento de Aposentados e Pensionistas do Banco Daycoval. A primeira informação passada por ela foi da verificação no sistema de Marcos de que havia um prazo para fazer sua prova de vida até o mês de julho e que fora extrapolado. “Como não fiz a prova de vida, meu benefício seria bloqueado”, segundo disseram ao aposentado.

“Fiquei na dúvida da veracidade da ligação. Questionei e ela mandou os meus dados pelo Whatsapp para confirmar que era confiável. Então eu pensei que era verídico, porque ela me mandou os dados da minha conta corrente, no INSS, entre outros, e os dados estavam todos corretos”, explicou. Assim, continuou a conversa por telefone.

Na conversa, a atendente reforçou que Marcos precisaria fazer a prova de vida ou o benefício seria bloqueado.

“Eu teria que mandar uma foto do meu documento para ela poder concluir que eu era eu mesmo”, disse. Diante disso, mandaram a ele um link para reconhecimento facial. “Questionei o porquê de não ser um link da previdência e me responderam que o Banco Daycoval era um banco dos cartões dos beneficiários e eu receberia um cartão bloqueado e precisaria desbloquear.”

“Foi aí que começaram a falar que esse cartão daria um limite de crédito de mais R$ 4 mil, que o governo estaria concedendo para alguns pensionistas e aposentados. […] Eu disse que não queria nenhum empréstimo desde o começo quando ela começou a falar sobre cartão. E ela foi incisiva em dizer que não era um empréstimo e sim um limite de cartão [que só seria desbloqueado após o a ligação em um número 0800 da empresa]”, descreveu.

Marcos então clicou no link e fez o reconhecimento facial solicitado. Após isso, outra tela se abriu e foi pedido que o telefone fosse colocado no viva voz para que as orientações dos próximos passos fossem dadas e o processo continuasse nas novas páginas abertas no telefone. Em determinado momento, uma das páginas parecia com a de um empréstimo, em razão de um valor de aproximadamente R$ 5 mil que apareceu, juntamente com parcelas para muitos anos.

“Disse novamente que não tinha interesse em nenhum empréstimo. Mas me afirmaram que não era um empréstimo, e sim um crédito que eu poderia ter caso eu precisasse algum dia e que eu é quem o pediria, sendo uma coisa opcional”, afirmou. Desconfiado, Marcos questionou se poderia continuar o procedimento ou pelo site do INSS ou presencialmente. Lhe foi dito que não seria possível em razão do tempo para a prova de vida ter extrapolado e que esse seria o único canal para conseguir novamente o benefício.

Deram, então, continuidade no procedimento, passando a ligação para uma supervisora. Nessa conversa, tal supervisora teria começado a falar muito rapidamente e, entre as confirmações que estava fazendo – de forma atropelada, segundo o relato –, mencionou um valor de crédito que seria pago em parcelas de mais de R$ 100. Marcos cortou novamente a conversa reforçando que não queria nenhum empréstimo e a supervisora voltou a ligação para a primeira atendente.

A atendente, por sua vez, repetiu o discurso de que não era um empréstimo, mas sim um limite de crédito opcional e a ligação retornou para a supervisora. E o mesmo aconteceu ainda outra vez.

Marcos lembrou então que tinha um benefício extra de abril, quando fez uma cirurgia, mas que ainda não havia sido depositado. A atendente acessou o sistema e confirmou a pendência, mas avisou que ainda não tinha sido depositado em razão da falta da prova de vida. Era mais uma possível confirmação de que as intenções da ligação poderiam realmente ser verídicas.

“Foi aí que decidi confirmar tudo porque não queria meu benefício retido. E ao final, perguntei se havia algum protocolo que declarasse que não haveria nenhum empréstimo no meu nome, e a supervisora afirmou que não e já desligou a ligação rapidamente”, destacou. Assim que a conversa terminou, Marcos decidiu ligar para a gerência do seu banco para confirmar e saber o que iriam pensar da situação. “Me disseram que parecia ser um golpe.”

Assim que conseguiu sentar em frente a um computador, Marcos decidiu também abrir o portal do INSS para ver a situação dele dentro do portal. Para sua surpresa, percebeu que no dia anterior havia uma solicitação de abertura de crédito na conta do benefício. Ele ligou imediatamente no órgão pelo 135 para esclarecer a situação e confirmar a ligação do Banco Daycoval com o INSS. Foi registrada uma reclamação no nome do aposentado, mas a instituição informou que não poderia fazer nada a respeito.

Dois dias se passaram e nenhuma movimentação na conta de Marcos foi feita. “Pensei que realmente não teriam feito nenhum empréstimo porque fui muito incisivo de que não o queria. Porém, na semana seguinte, me ligou outra pessoa do Banco Daycoval perguntando se estava tudo certo com meu empréstimo e voltei a afirmar que não autorizei nenhum crédito”, reforçou.

Entretanto, na conta corrente de Marcos, dois empréstimos já haviam sido feitos nos valores de R$ 4.180,00 cada. “Se é golpe, como esse dinheiro está indo para minha conta, e não sendo retirado?”, perguntou o denunciante. A justificativa está na comissão em cima do parcelamento. Os juros para cada empréstimo são de 50% ao ano, durante sete anos.

“Então eu disse que queria devolver imediatamente os valores e pedi uma conta para que eu pudesse fazer isso. E a atendente me disse que não teria como, porque uma vez na conta corrente, não é possível fazer a devolução”, relatou.

Marcos foi então para a Polícia Civil registrar ocorrência e fez a reclamação em outros três órgãos: Banco Central, na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e no Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon). Ele usou prints das conversas para comprovar o relato dado.

Inúmeras reclamações

Em todo o Brasil, reclamações e denúncias similares estão reunidas contra o Banco Daycoval no perfil da instituição financeira no Reclame Aqui. São relatos de empréstimos consignados feitos de maneira indevida e sem solicitação, incluindo casos de outros pensionistas.

De acordo com a advogada de Direito do Consumidor, Thais Maldonado, a quantidade de casos com relatos similares cabe a abertura de um processo na Promotoria de Direito do Consumidor no Ministério Público, uma vez que são casos recorrentes de direitos coletivos desrespeitados. O órgão, a partir de então, poderá ou abrir um termo de ajustamento de conduta ou mover uma ação civil pública.

“Vemos várias práticas abusivas nesse relato. Em primeiro lugar é o assédio ao consumo, porque pressionaram para fazer um empréstimo que ele não queria e não precisava. Houve também uma falha na prestação de serviço do banco. Eles violaram quase todos os direitos básicos do consumidor”, afirmou a advogada com base no relato dado pelo denunciante.

Algumas das violações que podem ter sido cometidas pelo banco estão descritas no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). “Não houve uma ciência prévia inequívoca [quando há conhecimento claro de algum serviço a ser prestado, sem enganos por parte da empresa], a contratação de empréstimo por telefone não se faz e a simples oferta já é prática abusiva, houve assédio ao consumo”, listou a especialista.

De acordo com Thais Maldonado, a exigência feita para a contratação do serviço em troca do benefício do INSS é uma denúncia grave. “Em hipótese alguma eles podem condicionar um benefício federal, que é a aposentadoria. É um direito dele. Pelo relato dado, esse condicionamento é muito sério. Ludibriaram e manipularam ele”, apontou.

“Isso para mim é indício de fraude, que é quando se aproveita da ignorância das pessoas para obter uma vantagem indevida. É um forte indício. E é o banco quem tem que provar que ela concordou com o crédito, que houve a contratação do empréstimo [sem manipulação e de maneira leal]. Teriam que ter lido o contrato para ele por telefone e ainda ter um contrato escrito. E como foi por telefone, ele tinha direito a um arrependimento em até 7 dias úteis”, explicou.

Questionado pelo JBr a respeito das denúncias feitas, o Banco Daycoval informou que “não contata aposentados e pensionistas para atualização ou alteração de seus dados cadastrais junto ao INSS ou qualquer outro órgão”. Baseando-se na nota enviada, portanto, a situação ocorrida com Marcos não seria possível de acontecer pela instituição financeira. O banco continua:

“O Banco Daycoval reitera que investe fortemente na detecção e prevenção de golpes e fraudes praticados por terceiros relacionados a ofertas de produtos e serviços e se coloca à disposição para prestar esclarecimentos sempre que necessário”, finalizou.

A transferência do empréstimo realizada consta em número de identificação bancário como vinda do Banco Daycoval, por código 707, o que pode indicar que não se tratou de um golpe praticado por terceiros. Marcos solicitou as gravações da ligação à empresa financeira, mas não recebeu retorno até a data de fechamento desta reportagem.

Fique atento

O INSS afirmou à reportagem que em casos em que o órgão não consiga fazer a comprovação de vida apenas com a comparação de dados, o beneficiário é automaticamente notificado via canais remotos – aplicativo Meu INSS, Central 135, e/ou notificação bancária.

Para que o segurado possa realizar operações de crédito consignado e empréstimos, é preciso desbloquear o benefício para empréstimos dentro da plataforma do INSS, pelo aplicativo, pelo site ou por meio de agendamento pelo telefone 135 para realizar esse serviço presencialmente em uma agência.

“Contudo, o INSS segue atento a essas situações e está sempre disponível para orientar e auxiliar o cidadão, além de revisar constantemente suas normas para coibir qualquer prática abusiva”, afirmou o órgão. “Caso o beneficiário identifique empréstimos não solicitados em seu benefício, ele deve acessar o site https://www.consumidor.gov.br/ e registrar a reclamação. […] Cabe à Senacon determinar o cancelamento do empréstimo”, informou.

Em denúncias de golpe, o órgão recomenda que a pessoa ludibriada faça também um boletim de ocorrência em alguma delegacia.

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