TAMARA NASSIF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A defesa pelo fim da escala 6×1 no Brasil levou centenas de pessoas à avenida Paulista, na zona central de São Paulo, na manhã desta sexta-feira (15).
Prevista para começar às 9h deste feriado da Proclamação da República, a manifestação teve um início tímido, mas a expectativa dos organizadores é que ela ganhe tração ao longo do dia. Por volta das 10h30, os manifestantes ocupavam pouco menos da metade de um quarteirão da avenida, na altura do Metrô Brigadeiro.
O ato popular foi convocado pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), cuja proposta para alterar a jornada dos trabalhadores tomou as redes sociais na última semana. A PEC (proposta de emenda à Constituição) já ultrapassou as 171 assinaturas necessárias para ser debatida no Congresso Nacional, mas ainda será protocolada pela parlamentar.
Em publicação na rede X (ex-Twitter), a deputada disse contar com a presença na manifestação de “toda e qualquer pessoa e movimento que esteja com um compromisso: o direito da classe trabalhadora a uma vida além do trabalho”.
Os fotógrafos autônomos, Rafaela Carvalho, 27, e João Rocha, 30, justificaram a baixa adesão da manifestação pela manhã dizendo que “é justamente esse o ponto”.
“Quem está trabalhando na escala 6×1 não pode estar aqui. Não é uma causa que me atinge necessariamente, mas estou aqui por quem não pode estar. O cerne de um movimento popular é um pouco isso: quando você não tem força individual, você se junta no coletivo”, diz Rafaela.
João a corrige brevemente: “Somos autônomos, nossa escala é 7×0 [sem dia de folga].”
O debate sobre a escala 6×1 -seis dias de trabalho para um de descanso- ganhou força nas redes sociais e no mundo político nesta semana.
O início da discussão foi um desabafo de Rick Azevedo, eleito vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro na última eleição e fundador do movimento VAT (Pela Vida Além do Trabalho).
Ele trabalhava no balcão de uma farmácia no ano passado quando gravou um vídeo que viralizou na rede social TikTok. A então chefe havia ligado em seu dia de folga para pedir que ele começasse a trabalhar mais cedo na manhã seguinte.
“Quando é que nós da classe trabalhadora iremos fazer uma revolução nesse país contra essa escala 6×1? Gente, é uma escravidão moderna. Moderna não: ultrapassada”, disse.
“Isso tira do trabalhador o direito de passar tempo com sua família, de cuidar de si, de se divertir, de procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. A escala 6×1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador.”
Com 31 anos, Rick Azevedo faz parte da geração de jovens que procura equilibrar a vida pessoal com a profissional.
A causa é cara para a enfermeira Lara Corsi, 51, que trabalha na escala 6×1. Prestes a se aposentar, ela foi à manifestação da avenida Paulista sozinha, mas com uma defesa clara: não quer que os profissionais em início de carreira tenham a mesma rotina exaustiva que ela tem desde os 20 anos.
“No começo da vida profissional, todo mundo sente uma necessidade de provar seu valor, de conquistar seu próprio espaço, e muitos não percebem essa exploração. As coisas estão mudando agora. No início da minha carreira, eu trabalhava, trabalhava e trabalhava, sem pensar na qualidade de vida, na saúde mental, em passar mais tempo com a minha família. Agora não é mais assim”, relata.
Ela disse ter convidado colegas de trabalho mais jovens para a manifestação, mas nenhum se mobilizou para ir. Não é de todo incômodo: quando bater o ponto daqui poucas horas, no plantão do hospital que trabalha, espera ser um exemplo para os enfermeiros mais novos que não puderam (ou quiseram) ir.
O clima amistoso do ato permitiu a presença dos mais jovens dos jovens. Helena, de sete anos, estava nos ombros do padrasto com uma placa feita em casa. Na parte da frente, os dizeres “VAT” e “Basta 6×1”.
Atrás, um desenho da própria família: ela, a irmã, a mãe e o padrasto Alexandre de Paula Cruz Silva, professor de geografia de uma escola pública do estado de São Paulo.
“Essa é uma pauta da família”, diz Alexandre, que trabalha nos dias úteis e folga aos finais de semana. “Eu e minha esposa, também professora, temos crianças para cuidar e não temos tempo nenhum de lazer. Eu acho até que a escala deveria ser de 4×3, para a gente ter mais dignidade, tempo livre, tempo com nossa família.”
Apesar do clima de segurança, alguns temiam retaliações. Porta-voz do Partido Operário Revolucionário, o metalúrgico Luiz, 51, preferiu não ser fotografado pela reportagem, tampouco informar o próprio sobrenome.
Com folga aos finais de semana, ele diz que o fim da jornada 6×1 “deve ser uma luta unificada”, mas criticou a “guinada burguesa” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com quem divide o primeiro nome e o histórico profissional.
Luiz afirma não ter ilusão com o Congresso, porque “eles vão passar o projeto que favorecer eles, e não os operários”.
Mas, para Erika Hilton, a pauta une esquerda e direita. “Essa não é discussão de campo ideológico, mas de país. Tem unido a direta, o centro e a esquerda”, afirmou na Câmara dos Deputados, na quarta-feira, a lado de outros coautores da proposta.
Eles disseram que há deputados do PL, PP e Republicanos que assinaram o texto, mas não deram os nomes. Erika afirmou que recebeu uma ligação do líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), informando que todos os 59 deputados da bancada apoiariam a PEC.
O temor de Luiz não parece ser sem propósito. Ao cruzar a intersecção entre a avenida Paulista e a avenida Brigadeiro Luís Antônio, um motoqueiro gritou: “Vão trabalhar, cambada de vagabundo.”