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Brasil

“Um país armado”: A flexibilização de armas na vida real

Especialistas da sociologia e do direito analisam mudanças na flexibilização de armas de fogo no Brasil

Geovanna Bispo

26/04/2021 12h56

Foto: Agência Brasil

Foi ao parar em um sinal em Taguatinga que Márcio Magalhães recebeu um panfleto oferecendo armas de fogo. Dispostas como em um encarte de mercado, espingardas, pistolas e outras armas são divulgadas para quem passa nas ruas. “Eu achei estranho, porque não era normal no Brasil a gente ter acesso a armas igual estamos tendo agora”, afirmou Márcio.

Tendo sido uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), a flexibilização do acesso às armas de fogo realmente fez os números mudarem. Segundo dados da Polícia Federal, o número de registros de novas armas no país aumentou 91% em 2020 quando comparado ao ano anterior, indo de 94.064 para 179.771.

A socióloga e pesquisadora de violência da Universidade de Brasília (UnB), Maria Stela Porto, diz acreditar que as medidas propostas pelo presidente podem ser um risco a democracia, de forma que, situações, conflitos e desavenças que poderiam ser resolvidas de forma pacífica, passam a resolvidas com soluções extremas. “Acredito que seja mais que uma banalização, eu acho que é uma estratégia e uma política de ‘armamentação’ da sociedade.”

Estatuto do Desarmamento 

Criado em 2003, o Estatuto do Desarmamento criou regras mais restritivas para o acesso e penas mais duras para porte e posse ilegal de armas de fogo. O delegado da Polícia Civil e professor de legislação penal Fernando Cocito explica que, mais do que criminalizar, o Estatuto delimitou quem teria o acesso. 

“Excepcionalmente, ele permitiu o porte para o brasileiro que demonstre efetiva necessidade em razão do exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física. Também trouxe situações especiais de porte funcional, para pessoas aprovadas em determinados concursos. Outra exceção é o chamado porte de trânsito dos CAC’s (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores).” 

“O estatuto foi uma inovação, um progresso e teve um potencial, na minha avaliação, muito simbólico”, completa Maria Estela. Como prova da importância do Estatuto, a última edição do Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que a taxa média anual de crescimento de mortes por armas de fogo passou de 6% entre 1980 e 2003 para 0,9% nos anos que se seguiram. 

Ainda de acordo com o Atlas, se o ritmo de crescimento tivesse se mantido como nos anos 80 e início dos anos 2000, as mortes por arma de fogo teriam ultrapassado 80 mil em 2018, ano em que o montante alcançou os 41.179.

Pró

Colocando a partir do livre arbítrio, o coronel da Polícia Militar e ex-deputado federal Alberto Fraga, diz que o armamento foi um direito que a população conquistou nas urnas em 2018, com a eleição do presidente. “É o direito à legítima defesa. Quem não quer, quem não gosta de armas, não compra. Quem não acha que arma não dá mais segurança dentro da sua propriedade, dentro da sua residência, não compre! Agora você retirar o direito de quem quer, isso deixa de ser democrático.”

Fraga ainda afirma acreditar que a arma de fogo não é o problema a ser questionado, mas sim a própria população.”O que nós temos que preservar é a vida e quem mata é o ser humano e esse com certeza precisa ser trabalhado, políticas públicas precisam ser criadas para diminuir essa violência urbana que a cada dia aumenta no país.”

Política

Estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Avançada em Toulouse, na França, liga o aumento de homicídios no Brasil com a eleição de policiais para ocuparem cargos de vereadores em municípios do país. Na pesquisa, foram analisadas 6.193 candidaturas nas eleições municipais brasileiras entre 2000 e 2016. Usando como base candidatos que trouxeram suas patentes e cargos em seus nomes. 

As eleições municipais de 2020, segundo levantamento feito pelo G1, apresentaram o maior número de candidatos militares em 16 anos, com 6,7 mil candidaturas. São 3575 policiais militares, 1735 militares reformados, 919 policiais civis, 344 originários das Forças Armadas e 182 bombeiros.

CACs

Sendo considerados como os maiores dificultadores do Estatuto, os Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores, mais conhecidos como “CACs” não são fiéis às normas , principalmente de tráfego de armas. Cocito explica que o trânsito de armas municiadas pelo nicho é permitido em trajetos entre o local de guarda e de treinamento e competições, desde que se tenha autorização do Exército.

“Com o argumento de que estão no trajeto para os clubes de tiro, seguem com a arma municiada para bares, restaurantes, clubes, escolas etc, colocando em risco a incolumidade pública. Para tentar driblar a polícia e reforçar o discurso do trânsito autorizado, carregam no veículo óculos e abafadores, que chamam nas redes sociais de “kit CAC”. Esse porte fora do trajeto não é autorizado e tipifica crime de porte ilegal”, ilustra o delegado. 
Segundo dados do último Anuário brasileiro de Segurança Pública, entre 2019 e agosto de 2020, os CACs , registraram 120,3% mais armas de fogo, sendo mais 496.172 armas ativas atualmente.

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