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Brasil

STF tem 1º voto pela descriminalização do aborto; grupo contrário se mobiliza

A ministra Rosa Weber, presidente do STF, votou ontem a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação

Redação Jornal de Brasília

22/09/2023 20h54

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Para ela, “a criminalização sem restrição atinge o núcleo dos direitos das mulheres à liberdade, à autodeterminação, à intimidade, à liberdade reprodutiva e à dignidade”. “Não há falar do valor da vida sem igualmente considerar os direitos das mulheres e sua dignidade em estatura de direitos fundamentais e humanos.”

Luís Roberto Barroso pediu destaque na sequência e interrompeu a votação. Com isso, o julgamento será transferido para o plenário físico. O julgamento foi aberto à zero hora no plenário virtual e iria até o próximo dia 29. Os ministros analisam uma ação movida pelo PSOL. A legislação permite o aborto em apenas três situações – violência sexual, risco de morte para a gestante e feto com anencefalia.

Punição

Para Rosa, os artigos 124 e 126 do Código Penal não estão de acordo com a atual Constituição Federal. Na sua avaliação, é desproporcional atribuir pena de detenção de 1 a 4 anos para a gestante, caso provoque o aborto por conta própria ou autorize alguém a fazê-lo, e também para a pessoa que ajudar ou realizar o procedimento. Em outro ponto, a ministra diz que “a opção pela maternidade pode até refletir estrutura discriminatória de gênero, fundada no conceito hierárquico de família e na distribuição de papéis sociais estáticos”. 

Um dos pontos destacados pela ministra é a falta de consenso sobre o momento do início da vida. Para ela, o argumento do direito à vida desde a concepção, como defendem alguns setores, sobretudo religiosos, “não encontra suporte jurídico no desenho constitucional brasileiro”.

Reação

Como adiantou ontem a Coluna do Estadão, a bancada conservadora da Câmara já articula a votação de um projeto que impede a interrupção da gravidez e estabelece o Estatuto do Nascituro. A oposição avisa que vai obstruir a pauta de votações para cobrar seu direito de legislar. Conforme apurou o Estadão, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ) já conseguiu 183 das 257 assinaturas necessárias para incluir o Estatuto na próxima ordem do dia do plenário, por requerimento de “urgência urgentíssima”.

O texto do projeto de lei (PL) 478/2007, em tramitação na Casa desde 2007, prevê que o nascituro tenha “direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e todos os demais direitos da personalidade”, a partir do momento em que é concebido. Na prática, acaba com as permissões para a interrupção da gravidez hoje permitidas. A criminalização de aborto em casos de estupro é citada no artigo 13 do texto, que complementa ainda que, caso o abusador seja identificado, ele será responsável por pagar uma “pensão alimentícia equivalente a 1 salário mínimo até o nascituro ter 18 anos”.

Invasão de competência

Ainda nos debates anteriores à votação, grupos contrários ao aborto defenderam que o tema não deveria ser discutido no Judiciário, mas no Legislativo. Dessa forma a Corte não tem competência como “legisladora suplementar”, como defendeu Ives Gandra Martins pela União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp). A mesma análise foi feita em nota pública, este mês, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A relatora da ação no Supremo destacou que, apesar da competência do Congresso, o Poder Judiciário é obrigado, constitucionalmente, a enfrentar qualquer questão jurídica a ele apresentada sobre lesão ou ameaça a direitos seja da maioria ou das minorias. “Na democracia, direitos das minorias são resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a elas possam ser causados pela vontade da maioria. No Brasil, essa tarefa cabe ao Supremo Tribunal Federal”, frisou.

Rosa Weber é a relatora da ação, mas se aposenta compulsoriamente do STF no fim do mês. Interlocutores dela afirmam que ela não gostaria de deixar o tribunal sem votar sobre o tema. A ministra convocou audiências públicas para debater a descriminalização do aborto ainda em 2018. Na ocasião, afirmou que o tema precisava de “amadurecimento”, mas prometeu que o tribunal não deixaria a sociedade sem resposta.

Rosa já havia defendido, no julgamento de um caso específico na 1.ª Turma, em 2016, que não é crime a interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre. Em seu voto ontem, a ministra reafirmou o posicionamento. Ela defendeu que o poder público deve promover e proteger os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e adolescentes a partir da perspectiva da saúde pública e dos direitos humanos.

“A tutela integral e efetiva do direito à saúde das mulheres, incluída sua saúde reprodutiva, abarca também o direito ao procedimento seguro da interrupção voluntária da gestação, em seu estágio inicial, como medida precisa para a redução da mortalidade materna”, defendeu.

A ministra argumentou que a falha no uso dos medicamentos e procedimentos seguros de contracepção não pode, por si só, gerar a responsabilização criminal da mulher. “A falha na contracepção, repito, é fenômeno completamente alheio ao controle da mulher. Ao assim exigir e regulamentar a conduta, impõe-se responsabilidade com restrição excessiva e desmedida sobre a mulher, visto que não está a seu alcance a segurança dos medicamentos ou procedimentos contraceptivos”, diz outro trecho do voto.

Ilusão

Ao longo das 129 páginas, a presidente do STF também defendeu que a criminalização do aborto é uma solução “ilusória” para o problema. “A criminalização mostra-se como tutela ineficiente e inadequada na redução do estigma social da discriminação, assim como na conformação das políticas estruturantes do sistema de justiça social reprodutivo, baseado na acessibilidade, na igualdade de oferta e na autonomia da mulher em conduzir o planejamento familiar e seu projeto de vida.”

E agora?

Não há data para a retomada da discussão, o que depende da inclusão do processo na pauta pela presidência da Corte. A tendência é de que o caso seja mantido na gaveta por algum tempo A mudança no ambiente decisório não afeta o voto de Rosa Weber, relatora da ação. Ela conseguiu deixar o voto porque o Supremo aprovou, em junho de 2022, a regra que permitiu que votos lançados na modalidade virtual por ministros que, posteriormente, deixarem o cargo serão válidos, mesmo com a migração para o plenário físico. O regime interno do STF define que a votação precisa ser retomada do início quando há pedido de destaque.

A ministra fez questão de manter a ação no próprio gabinete quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal. Geralmente, o acervo de processos é repassado para o ministro que está sendo substituído no comando do tribunal.

Estadão Conteúdo

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