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Brasil

Saúde mental: entenda impacto da resolução de extinguir “manicômios judiciários”

De um lado, a política antimanicomial e os cuidados com a saúde mental. De outro, dilemas sobre segurança pública

Redação Jornal de Brasília

19/05/2023 19h50

Por Isabela Mascarenhas, Juliana Sousa e Sophia Costa
Agência de Notícias do CEUB/Jornal de Brasília

Nesta semana (dia 15.5), a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de encerrar, em até um ano, as atividades de todos os hospitais de custódia e de tratamentos psiquiátricos em presídios no Brasil causou polêmica. De um lado, a política antimanicomial e os cuidados com a saúde mental. De outro, dilemas sobre segurança pública.

A decisão tem o objetivo de fazer com que pessoas com sofrimentos mentais em ambientes de detenção desfrutem dos mesmos direitos de qualquer outro cidadão, como direito à liberdade e direito a viver em sociedade.

A decisão do CNJ prevê o fechamento gradual dos hospitais de custódia e provocou debates entre internautas, comunidade médica e gestores públicos. A preocupação é que detentos sejam liberados para realizar tratamento psicológico junto com pacientes que não cometeram crimes.

“Cada caso será observado”

A presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP), Thessa Guimarães, esclareceu, em entrevista à Agência de Notícias CEUB, que não há o que temer.

“Essa resolução do CNJ não vai levar a uma soltura indiscriminada de criminosos. Cada caso vai ser observado e analisado individualmente”.

Há diversas leis que já assistem pessoas portadoras de transtornos mentais, como a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) , também conhecida como Lei Paulo Delgado, que prevê um tratamento mais humanizado dos pacientes acometidos por doenças mentais, com o fechamento de manicômios e hospícios existentes no Brasil.

O deputado distrital Gabriel Magno acredita que essa lei trouxe um novo modelo de tratamento desses transtornos, por equipes multidisciplinares em unidades apropriadas.

“Essas pessoas devem ser tratadas com psicólogos, médicos e outros profissionais de saúde que promovam a reintegração do usuário ao convívio social, e não internadas em manicômios”, relatou o parlamentar em entrevista à reportagem

O parlamentar é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Atenção à Saúde Mental Antimanicomial e Integradora na Câmara Legislativa do DF.

Ele conta que são realizadas várias audiências públicas, seminários, debates e reuniões com os movimentos sociais para definir ações conjuntas para o fortalecimento dessa luta e para que pessoas em sofrimento psíquico grave deixem de ser excluídas da sociedade.

Novos espaços para saúde mental

A presidente do CRP, Thessa Guimarães, afirma que os manicômios são espaços de violação de direitos humanos, onde os indivíduos ficam isolados de suas famílias e vivem em condições absolutamente desumanas, muitas vezes até submetidos ao trabalho escravo.

Assim, para que se possa colocar um fim a esses lugares, é necessário o financiamento de serviços substitutivos como Residências Terapêuticas (RT), Unidades de acolhimento e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

“Os manicômios são ilegais e devem ser fechados, mas não se pode simplesmente fazer isso sem pensar em serviços que os substituam, pois as pessoas que estão internadas precisam de um lugar para ficar, um lugar com condições humanas”, alega a presidente do CRP.

Fiscalização

A professora de direito Luciana Musse, pesquisadora do tema, afirma que a criação de manicômios pode ser evitada por meio do cumprimento das normas nacionais e internacionais que protegem os direitos das pessoas com transtornos psíquicos, além da fiscalização e cumprimento delas pelo Ministério Público.

Nessa mesma linha de raciocínio, a psiquiatra Ana Paula Guljor, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), diz que é preciso uma mudança de paradigma e uma ruptura com a lógica tradicional biomédica de cuidado com a doença e não com a pessoa.

“Essas estruturas foram criadas para cuidar da pessoa e não da doença, apenas pensando no diagnóstico e no tratamento medicamentoso”, esclarece.
Ela considera que, quando há redes de auxílio para aqueles que precisam de tratamento mental, os hospitais psiquiátricos não são necessários e, assim, a criação de manicômios consegue ser evitada.

A fiscalização das clínicas psiquiátricas no Distrito Federal, segundo o deputado Gabriel Magno, é feita pela Vigilância Sanitária do DF.

Ele conta que o número de profissionais da Vigilância Sanitária está muito aquém da necessidade, não sendo possível fazer a fiscalização de forma efetiva. “Já fizemos ações junto ao GDF para ampliação do quadro dos fiscais da Vigilância Sanitária, mas, infelizmente, até o momento não tivemos êxito nesta demanda e enquanto isso os pacientes é que sofrem nestes estabelecimentos”, ressaltou o deputado.

Há também outras formas de fiscalização. Em 2018, uma Inspeção Nacional em 40 Hospitais Psiquiátricos, localizados em dezessete estados concluiu que os estabelecimentos fiscalizados não podem ser considerados instituições de saúde, pois são instituições de privação de liberdade e ferem os direitos humanos.

Manicômios

Ana Paula Guljor ainda denuncia, em entrevista, o descaso com políticas públicas direcionadas a saúde mental nos últimos anos: “a política nacional de saúde mental foi muito atacada, especialmente com a remanicomização do Brasil através das ditas “comunidades terapêuticas”, essas comunidades nada mais são que manicômios”.

A psiquiatra se refere ao período de 2021 a 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ela explica que mais de R$ 75 milhões chegaram acomunidades terapêuticas.

“A manicomização foi a principal resposta do (antigo) governo para problemas de saúde mental, a principal resposta que o governo deu no campo da saúde mental nos anos do Governo Temer e do Governo Bolsonaro foi a internação das pessoas”, ressaltou Ana Paula.

Esperança
“O novo governo dá uma lufada de esperança no movimento antimanicomial brasileiro”, ressaltou Ana Paula ao ser perguntada sobre perspectivas da Luta Antimanicomial pelos próximos quatro anos.

Entretanto, a especialista completa ainda acerca da necessidade de pressionar os líderes de governo para retornarem o Brasil a uma agenda anti hospícios. “Nós precisamos pressionar o governo federal para que tome providências contra o avanço das comunidades terapêuticas e contra o financiamento dessas comunidades em todo o Brasil. Precisamos exigir que o governo federal realize novas inspeções nos hospitais psiquiátricos.”

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