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Brasil

Projeto reduz em mais de 50% taxa de mortes maternas em hospitais públicos

A iniciativa ganha importância devido a alta das mortes maternas por hemorragia, hipertensão que leva à pré-eclâmpsia

FolhaPress

18/06/2023 11h35

Cláudia Collucci
São Paulo, SP

Um projeto de instituições privadas em hospitais públicos brasileiros tem conseguido reduzir em mais da metade as taxas de mortalidade materna com treinamento de equipes, adoção de protocolos e mudanças de fluxos assistenciais.

Lançado em 2017, o projeto “Todas as mães importam” é fruto de uma parceria entre o Hospital Albert Einstein (SP), a farmacêutica MSD e gestores públicos. Desde então, foi implantado em 33 hospitais e unidades de saúde de estados como Pernambuco, Pará, Rondônia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Mais de 18 mil gestantes foram acompanhadas, e mais de 1.600 profissionais treinados.

A iniciativa ganha importância em um contexto de alta das mortes maternas por causas evitáveis, como hemorragia, hipertensão que leva à pré-eclâmpsia, e infecção generalizada. Em 2021, último ano com dados oficiais fechados, o país registrou uma RMM (Razão da Mortalidade Materna) de 117,4 óbitos por 100 mil nascidos vivos, um aumento de 57% em relação a 2020. A alta foi impulsionada pela pandemia de Covid-19.

A taxa é mais do que quádruplo superior à média registrada em 121 hospitais privados de ponta ligados à Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados) —de 26,9 mortes por 100 mil, em 2021. O Brasil assumiu a meta, junto às Organização das Nações Unidas, de reduzir a RMM para 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos até 2030.

A ideia do projeto surgiu a partir de duas iniciativas prévias, a MSD Para Mães, que a multinacional farmacêutica criou em 2011 e que atua globalmente, e o programa Parto Adequado, desenvolvido pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, o Einstein e o Institute for Healthcare Improvement, com o apoio do Ministério da Saúde, que visava reduzir os índices de cesárea no Brasil.

Segundo Mary-Ann Etiebet, líder global do programa MSD for Mothers, ele se apoia em três pilares: treinamento de profissionais para a identificação precoce do risco obstétrico até o acompanhamento no pós-parto, implementação de programas para melhorar a capacidade de gestão das instituições e ampliar o acesso aos cuidados médicos e conscientização da população em geral.

Atualmente, o projeto está na terceira fase, em seis hospitais e oito unidades de atenção primária à saúde de Salvador e Feira de Santana, na Bahia. Entre agosto de 2021 e fevereiro de 2023, a queda da taxa de mortes maternas por causas diretas nessas instituições foi de 59%.

Na primeira fase, no Hospital Agamenon Magalhães, em Recife (PE), a redução das mortes foi de 54,6% no período de um ano. Na etapa seguinte, a iniciativa envolveu 19 hospitais públicos de sete estados, com uma queda de 57% da mortalidade materna em dois anos.

No Hospital Estadual da Criança, de Feira de Santana, a redução da mortalidade materna entre 2021 até o início de 2023 foi de 72%, mais do que dobro da meta inicial, que era de 30%, segundo Larissa Paiva, coordenadora de enfermagem da obstetrícia.

Ela conta que, a partir das reuniões e das trocas com os técnicos do projeto, a equipe observou que precisava organizar melhor os processos assistenciais.

“Começamos com os escores de alerta [a partir de parâmetros como pressão arterial, frequência respiratória e temperatura] que preveem uma deteriorização precoce da gestante, e a gente consegue entrar com intervenções antes que ela se agrave”, afirma.

Além disso, foram criados kits com medicamentos e outros insumos específicos para cada tipo de complicação obstétrica, que ficam nos setores que vão receber a gestante. “Temos a caixa de hipertensão, da hemorragia pós-parto, da sepse. O uso desses kits faz com a gente atenda essa gestante o mais rápido possível.”

Antes, segundo Paiva, não havia essa separação, e a equipe buscava a medicação nos carrinhos de emergência ou nas farmácias satélites do hospital, o que aumentava o tempo dispensado na assistência da paciente.

Paiva conta que, a partir do projeto, o hospital também passou a dialogar com os gestores de 71 municípios, para os quais a instituição é a referência em partos de alto risco, ajudando na capacitação dos profissionais.

“No Brasil a gente tem um ‘gap’ no pré-natal, especialmente da gestante de alto risco. Ou elas não tem um acompanhamento ideal por uma equipe médica e de enfermagem, não recebem todas as orientações sobre o risco, ou elas abandonam, não vão em todas as consultas”, afirma Claudia Garcia de Barros, diretora-executiva do Escritório de Excelência Einstein.

Além da atualização de protocolos, padronização dos cuidados, capacitação de profissionais das maternidades, o projeto estendeu esse trabalho também para profissionais da atenção primária e do Samu, que fazem o transporte da mulher até um hospital.

“A gente vê ainda práticas assistenciais tanto de enfermeiros quanto de médicos um pouco desatualizadas”, diz Lívia Pedrillo, consultora de qualidade e segurança do paciente do Einstein.

Claudia Barros conta que há dificuldade de a enfermagem tomar uma decisão sem que o médico esteja presente. “Quando a gente redesenha as práticas e capacita toda a equipe multidisciplinar, inclusive o médico, ele passa a entender que algumas questões, como iniciar o processo da coleta das informações para identificar o escore de risco da gestante, pode ser feita por qualquer um da equipe.”

Barros diz que o maior esforço do projeto tem sido a revisão desses processos e fazer com que os profissionais entendam que determinadas práticas que aprenderam na sua formação não são necessariamente as melhores.

O projeto também propõe uma revisão do mapa das salas dos hospitais para a adequação do fluxo das pacientes. Por exemplo, ainda é comum a gestante chegar em um pronto-socorro lotado e não haver um fluxo definido que priorize o seu atendimento.

“Muitos hospitais são antigos, foram feitos puxadinhos. Muitas vezes a gestante se perde em meio a outras complicações e gravidades, com pessoas com parada cardíaca. Essas questões consomem tempo, e tempo, é vida”, diz Claudia Barros.

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