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Brasil

Pela enésima vez, Rio lança plano de limpeza da Baía de Guanabara

Lar de 12,5 milhões de pessoas, a baía tem sido há tempos um depósito de lixo e esgoto, 54,3% dos quais não são tratados

Redação Jornal de Brasília

29/03/2022 11h30

Cerveja gelada na mão, Edson Rocha parece ter tudo para um belo dia de praia no Rio de Janeiro. No Aterro do Flamengo, tem à frente o majestoso Pão de Açúcar e o Cristo Redentor com seus braços abertos.

Um banquete para os olhos para esse trabalhador do setor petrolífero, exceto por um detalhe: a água da Baía de Guanabara é uma sopa fétida de esgoto sem tratamento, poluição industrial e lixo. O que lhe tira a vontade de se banhar.

“Não dá para ficar na água. Você vai ali para se refrescar, e depois vai para o chuveiro e 10 minutos de chuveiro para tentar tirar um pouco da poluição da água”, diz Rocha, de 46 anos, entre risos, a poucos metros de um rio escuro que deságua na baía.

A Baía de Guanabara é, possivelmente, um dos cartões postais mais bonitos do planeta, mas os banhistas preferem as praias menos poluídas voltadas para o Oceano Atlântico, como Copacabana.

Lar de 12,5 milhões de pessoas, a baía tem sido há tempos um depósito de lixo, produtos químicos tóxicos e esgoto, 54,3% dos quais não são tratados.

Agora, as autoridades do estado do Rio dizem que têm uma solução.

No ano passado, privatizou-se a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), vendendo os direitos de operação da capital fluminense e de outros 26 municípios para a empresa Águas do Rio.

“Cemitério de obras inacabadas”

A nova operadora promete fazer o que ninguém conseguiu ainda: limpar a baía e reparar os sistemas de tratamento de esgoto com um plano de investimento de 2,7 bilhões de reais em cinco anos.

A Águas do Rio, subsidiária da Aegea, uma das maiores empresas privadas de saneamento básico do Brasil, prometeu investimentos totais de 24,4 bilhões de reais em seu contrato de 35 anos para elevar a taxa de água tratada a 90%.

“Assim que o programa estiver executado, eu não tenho a menor dúvida de que isso (as pessoas tomarem banho de mar na Baía de Guanabara) vai acontecer”, diz seu presidente, Alexandre Bianchini.

Os moradores estão céticos, dado o histórico de planos fracassados.

Em 1994, o estado do Rio de Janeiro lançou um programa de limpeza financiado internacionalmente. Apesar do investimento de US$ 1,2 bilhão em estações de tratamento de esgoto, tubulações ficaram inacabadas.

Depois, vieram os Jogos Olímpicos de 2016 na cidade.

Enquanto a imprensa internacional publicava imagens constrangedoras da baía poluída, o Rio tinha um orçamento de quase US$ 1 bilhão para limpá-la. Sete semanas antes dos Jogos, porém, o Estado declarou insolvência.

“A Baía de Guanabara virou um cemitério de obras inacabadas”, diz o ecologista Sérgio Ricardo, cofundador da ONG ambientalista Baía Viva.

Pescadores sem peixes

O pescador Gilciney Gomes brande duas das muitas garrafas plásticas que tirou da água fétida da baía, na altura do município de Duque de Caxias.

“Nós não temos mais como sustentar nossa família com a pesca”, lamenta Gomes, chefe da Colônia de Pesca de Caxias, uma associação de pescadores.

Gomes mora perto do aterro de Jardim Gramacho, às margens da baía, que já foi o maior lixão a céu aberto da América Latina. Oficialmente fechado em 2012, continua a derramar chorume, denunciam ambientalistas.

Aqui, as margens transbordam de plástico, fraldas, roupas, pneus, móveis e eletrodomésticos.

Empresas petrolíferas e químicas que operam em instalações próximas poluem a água, relatam pescadores e ativistas.

Gomes, pai de quatro filhos, diz que já não há peixes, nem caranguejos suficientes nesta região da baía para os pescadores sobreviverem.

“Pescador já não existe aqui. Se você diz que é pescador, está se enganando. Aqui, todos os pescadores, (nós) viramos catadores de lixo”, declara Gomes, de 61 anos.

Para o biólogo Mario Moscatelli, que lidera um programa de replantio de manguezais no antigo lixão, a Baía “é um microcosmo de como são gerenciados os problemas ambientais no Brasil”.

Isso é consequência “do crescimento urbano desordenado, da favelização, da falta de uma política pública de habitação para os mais desfavorecidos, da falta de acesso universal ao sistema de saneamento básico”, sustenta.

© Agence France-Presse

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