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Brasil

Garimpo é antigo, mas era combatido antes de Bolsonaro, afirma ex-chefe da Funai

Antropólogo Márcio Augusto Meira que, durante o governo Bolsonaro, não houve repressão à invasão e sim incentivo

FolhaPress

28/01/2023 9h47

Stefhanie Piovezan
São Paulo-SP

A postura do governo no combate à invasão de terras indígenas passou por uma mudança drástica nos últimos quatro anos e, além dos yanomamis, outros povos estão em risco, afirma o antropólogo Márcio Augusto Meira, que presidiu a Funai (Fundação Nacional do Índio) entre 2007 e 2012. Meira lembra que o problema do garimpo na região yanomami é antigo — remonta aos anos 1980 —, mas ressalta que a forma de reagir à questão mudou no governo de Jair Bolsonaro (PL), passando da repressão ao incentivo.

O antropólogo menciona que, após a divulgação de que havia riquezas minerais na Amazônia durante a ditadura militar, houve uma corrida do ouro a diversos territórios indígenas. No caso da área yanomami, foram cerca de 40 mil garimpeiros, resultando na morte de milhares de indígenas. Os invasores foram retirados após a homologação da demarcação da terra indígena, em 1992, e até o governo de Dilma Rousseff, diz Meira, sua presença era combatida. “A partir de 1992, todos os governos que vieram, independentemente da sua coloração partidária, fizeram as ações de proteção do território. Não vou dizer que não tinha nenhum garimpeiro lá dentro. Tinha. Mas quando havia a identificação do problema, a Polícia Federal e a Funai iam e tiravam antes que a situação piorasse”, relata.

Na gestão de Bolsonaro, contudo, esse procedimento mudou e o garimpo passou a ser estimulado. “Há uma diferença total em relação ao comportamento anterior. O último governo foi um ponto fora da curva no que tange ao respeito à Constituição e ao cumprimento do Estado de proteger os territórios contra invasores”, critica.

Um reflexo dessa postura afetou diretamente o indigenista Bruno Pereira. Ele voltou a trabalhar mais ativamente no Vale do Javari, onde foi assassinado em junho de 2022, após ser dispensado da função de coordenador-geral de povos isolados da Funai por combater o garimpo em áreas indígenas, incluindo o território yanomami. “Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, havia sido planejada uma ação de combate ao garimpo na Terra Indígena Yanomami pela Polícia Federal e pela Funai. Quem coordenou essa operação pela Funai foi o Bruno Pereira”, diz Meira. “Depois que ela aconteceu e retirou uma parte dos garimpeiros da região, em vez de o Bruno ser reconhecido pela correção da sua atividade como servidor da Funai, ele foi dispensado do cargo e acabou indo trabalhar [fora da Funai] no Vale do Javari”, relata. O indigenista atuava na ONG Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) quando foi assassinado ao lado do jornalista britânico Dom Phillips.

Para Meira, o que está sendo observado neste momento no território yanomami era uma tragédia anunciada e conhecida pelas autoridades. Houve dezenas de alertas do povo yanomami, reportagens denunciando os problemas e solicitações do Ministério Público Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O antropólogo pondera que o garimpo atual difere daquele dos anos 1980. Trata-se agora de uma atividade milionária, ligada a cadeias internacionais. Ainda assim, ele acredita ser possível, tal como no passado, retomar o controle da região. Para isso, ressalta a necessidade de uma ação conjunta dos ministérios e das forças de segurança, em um primeiro momento, e depois a vigilância e a proteção constantes por parte da Funai, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Outros povos ameaçados

A importância de medidas como essas e da retomada dos processos de identificação, demarcação e homologação das terras indígenas foi debatida no Grupo de Trabalho de Povos Indígenas do governo de transição, contam Meira e Kleber Karipuna, representante da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Partiu do grupo, inclusive, a recomendação de uma ação de saúde urgente na área yanomami. “São medidas que estão no nosso relatório e que começam a ser implementadas”, diz Karipuna.
Nesse sentido, a expectativa é que, após a atuação na região dos yanomamis, o governo Lula (PT) promova ações de saúde e segurança em outros territórios em risco, como o dos mundurukus e o dos kayapós. “Nosso pedido é que, a partir dessa iniciativa na região yanomami, estendam para outras regiões que têm situações semelhantes. Talvez não no mesmo grau de intensidade do problema, mas muito parecido”, afirma a liderança.

No caso da Terra Indígena Munduruku, que fica no alto Tapajós, na fronteira do Pará com Mato Grosso, a situação é quase tão problemática quanto a yanomami, avalia Meira. “Lá, a atividade garimpeira também vem de longa data e, com o uso extremamente alto de mercúrio. Há muitas balsas de exploração garimpeira no rio e nos seus afluentes, uma situação gravíssima também e com um filme muito parecido em relação aos últimos quatro anos.”

Outro povo em um momento crítico é o maxakali, em Minas Gerais. “Estão em situação de descaso também, de abandono do governo anterior, e precisam de uma ação um pouco mais imediata”, comenta Karipuna. “Ampliar a ação para outras regiões que necessitam da Força Nacional de Saúde é um pedido do movimento indígena”.

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