“Marília, tentei ser cordial com você, você viu a mensagem, depois o Pablito falou com você e não respondeu. Então minha amiga, bora lá uai, pra guerra, continuar sempre… Prepara-te”, disse ele à secretária em áudio enviado por meio do aplicativo WhatsApp.
Procurada, a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais afirmou, em nota, que a decisão de publicar a audiência na segunda quinzena de janeiro, e não na última semana de dezembro, durante recesso de final de ano, foi tomada com o objetivo de garantir a transparência e devida visibilidade que o assunto requer. “Uma pessoa, inconformada com a decisão, através de áudios via WhatsApp, questionou o procedimento e ameaçou a secretária que, em razão do ocorrido, tomou as providências legais necessárias”, disse o órgão. O Estadão procurou Paixão Lages, mas não obteve resposta. A Fleurs Global também não se manifestou.
João Alberto Paixão Lages é ex-deputado estadual pelo MDB. Em setembro do ano passado, o Estadão mostrou que ele desembolsou R$ 100 mil para a campanha ao Senado do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, adversário de Zema no Estado. Na época, Silveira disse que a doação foi feita para o primeiro suplente da coligação para o Senado Federal, Virgílio Guimarães, e que não havia nenhuma relação do recebimento do recurso para a campanha com o trabalho no Ministério de Minas e Energia. Procurado novamente, o ministro ainda não se manifestou.
Aos policiais que o interrogaram, o empresário João Alberto Paixão Lages admitiu ser o autor da mensagem e que a enviou com o objetivo de interferir no licenciamento ambiental. Afirmou ainda estar sob pressão de associados da AMF para agilizar os trâmites do procedimento.
No dia anterior à ameaça, ele enviou xingamentos a Marília, a quem se referiu como “secretária de merda nenhuma”, pediu para parar com “bandidagem” e acusou de extorquir a Fleurs Global. Depois, desculpou-se. A secretária entregou seu telefone à Polícia Civil para a realização de uma perícia do Laboratório de Crimes Cibernéticos, que extraiu as mídias e as anexou ao inquérito.
“Os elementos informativos produzidos evidenciam que o Senhor João Alberto Paixão, enquanto presidente da Associação das Mineradoras de Ferro do Brasil, ameaçou a Senhora Marília Carvalho de Melo, atual Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, devido à não realização, no mês de dezembro, de uma audiência pública, fase do Processo de Licenciamento Ambiental SLA 284/2022 envolvendo a empresa Fleurs Global Mineração LTDA, com o intuito de coagi-la, a fim de que o aludido processo tramitasse de forma mais rápida, interferindo no regular andamento do processo”, diz o delegado Arthur Martins da Costa Benício ao indiciar Paixão Lages por injúria.
O adiamento da audiência, que seria realizada no dia 23 de dezembro do ano passado, ocorreu por orientação do governo de Minas com o objetivo de conferir maior transparência e publicidade aos atos do Executivo. Uma nova convocação foi publicada no Diário Oficial do Estado no último dia 16 de janeiro.
A Fleurs Global e a mineradora de Paixão Lages, a Gute Sicht, são alvo de uma ação do Ministério Público Federal por extração ilegal de minério da Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte, e que fica na divisa com as cidades de Nova Lima e Sabará. A região que exploravam faz parte de uma Área de Proteção Ambiental (APA) e das Zonas de Amortecimento do Parque Estadual Serra do Rola Moça, do Parque Estadual da Baleia e do Parque Municipal Mangabeiras.
De acordo com o inquérito da Polícia Federal em que a ação do MPF se baseou, ambas as empresas teriam extraído ilegalmente minerais de um terreno arrendado. No caso da Fleurs Global, haveria ainda indícios de lavagem de dinheiro “ao comercializar o minério de ferro usurpado sem mencionar sua origem ilícita”.
As investigações identificaram um controlador em comum das duas empresas, o empresário Alan Cavalcante do Nascimento. Também apontaram para uma operação combinada entre elas para a extração de minério.