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Brasil

Educador e sociólogo Issaka Maïnassara Bano provoca reflexão sobre a forma com que brasileiros idealizam a África

No Dia da África, intelectual pede que debates sobre o continente africano se modernizem assim como já apontam as narrativas de vários romances de autores africanos

Redação Jornal de Brasília

25/05/2023 15h20

Mestre em Educação e doutorando em Sociologia, Issaka Maïnassara Bano, nasceu no Níger, país da África Ocidental. Morando no Brasil há 14 anos, o intelectual consegue ter uma visão mais ampla sobre os dois mundos, a literatura e as discussões promovidas por aqui em torno do continente africano, para ele, muitas vezes viciadas e rodando em círculos.

Aproveitando que o Dia da África é celebrado este mês, no dia 25 de maio, Issaka propõe uma série de provocações sobre as discussões acerca de negritude, literaturas africanas e vícios acadêmicos sobre o continente africano

Issaka tem promovido ciclos de formação nas escolas da periferia de São Paulo, incentivando o debate sobre a inserção das literaturas africanas no ensino brasileiro. Para o sociólogo, a leitura e os diálogos em cima dessas obras precisam ser realizados de forma expandida e com menos estereotipado temas como ancestralidade, oralidade e religiões de matriz africana são sempre pautas dominantes. Só que as obras de escritores e escritoras como a Chimamanda Ngozi Adichie, Alain Mabanckou, Léonora Miano, Ali Zamir e Yaa Gyasi também trazem outras realidades, como o aprofundamento das narrativas dentro de uma África culturalmente diversa e moderna. É claro que a gente deve sempre estudar e falar de ancestralidade, oralidade e religiões matriz africana, afinal de contas, elas são bases fundamentais para entender o continente, mas ao mesmo tempo eu acho que não dá para ficar o tempo todo só nisso, né?”, reflete.

Com movimentação extensa dentro e fora da academia, Bano traz também uma visão crítica sobre o debate circular que tem se perpetuado em torno do que os acadêmicos decidiram por ser um ideal de africanidade para os negros brasileiros. Segundo o estudioso, um continente do tamanho da África não pode ser tachado por meia dúzia de pautas. “Um tempo atrás, tinha uma menina que participou de um projeto comigo, e o sonho dela era chegar na Nigéria e conhecer os terreiros, aí quando ela chegou lá, não tinha terreiro, mas dezenas de outras outras coisas”, exemplifica o intelectual.

Debates sobre autores brancos costumam parecer um banquete para que acadêmicos se debrucem em variados temas dentro da construção narrativa dos personagens e sua época, o mesmo não valendo quando se trata de uma narrativa construída por um autor negro. Bano aponta para o reducionismo de interpretações quando se estudam autores africanos, ainda que dentro da obra se ofereça uma gama ampla de camadas a serem analisadas. Para dar mais um exemplo em cima da obra de Chimamanda, o nigerino cita “Hibisco Roxo” e “Americana”, que embora localizem seus personagens dentro da modernidade africana, continuam sendo obras interpretadas como uma ode à ancestralidade. “Às vezes sinto que as pessoas citam autores africanos sem ler, eu não sei. Se não tem o tema que eles querem que tenha, então forçam uma interpretação”, provoca Issaka.

Como exemplo da busca por se desvencilhar dessa unilateralidade nos debates sobre a África na literatura, Issaka cita o economista bissau-guineense Carlos Lopes que costuma dizer que “ essa África que o ocidente idealiza existe, mas vai muito além disso”.

Jogando mais cor dentro da discussão, Issaka fala sobre um ponto caro aos pretos brasileiros que estudam os efeitos da diáspora no entendimento brasileiro sobre o que é a África: o conceito de Negritude.

O educador explica que “negritude” foi cunhado pelo intelectual, poeta, dramaturgo e ensaísta martinicano Aimé Césaire nos anos 30, mas para dissecar uma demanda daquele momento sobre a construção do que seria o negro. O Brasil abraçou com força a ideia de negritude, mas se tornou tão precioso que dificilmente se fala sobre qualquer coisa relativa ao negro sem invocar a palavra, mesmo que não se entenda o contexto em que ela foi criada. “No final da vida, Aimé Césaire começa a fazer outras reflexões, propondo que a própria ideia de Negritude não é suficiente para dar conta de uma série de demandas. Ele explica que a negritude nasceu num período histórico que fazia muito mais sentido no momento, mas o mundo vai mudando, aí vem os anos 40, 50, 60, etc, os desafios contemporâneos e ele aponta que o conceito de negritude é insuficiente para lidar com as questões que enfrentamos no mundo atual”, conta Bano

De fato, é importante que tenhamos a oportunidade de aprender e refletir a partir de um olhar que provoque sair da zona de conforto mesmo dentro de um assunto que historicamente já é desconfortável. Que sejam conhecimentos que estejamos abertos a refletir todos os dias e não só no Dia da África. “Seria uma baita de uma polêmica propor uma reformulação disso, porque no Brasil é muito forte essa questão de Negritude, né? Aí eu pego e falo ‘vamos precisar de algo mais’, as pessoas vão falar ‘você tá maluco’. mas eu acho que tem que ter esse esse debate”, conclui Issaka Bano.

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