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Brasil

Conheça os negócios bilionários dos irmãos donos da 123milhas

O negócio brasileiro de compra e venda de milhas é único no mundo. As plataformas funcionam como uma bolsa de negócios virtual

Redação Jornal de Brasília

24/08/2023 15h34

Foto: Divulgação

DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Fazendo jus à fama dos mineiros, os irmãos Augusto Júlio Soares Madureira e Ramiro Júlio Soares Madureira são discretos, ao menos no ambiente em que montaram seu negócio: a internet. Fundadores da 123milhas, a plataforma de compra e venda de passagens com milhas aéreas que, na sexta-feira (18), pegou clientes de surpresa ao anunciar a suspensão das vendas de passagens e pacotes promocionais até dezembro, eles não são ativos nas redes sociais.

Apenas Augusto mantém uma página no LinkedIn, informando sobre a sua formação como economista pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 2005. Também revela que seu primeiro trabalho foi como gerente-geral da Fazenda Boa Vista, de 2001 ao início de 2006.

Na sequência, foi gerente financeiro da Minas Export, em 2006 e 2007. Atuou ainda como diretor administrativo e financeiro do Café Moka, de 2007 a 2009.

Todos foram negócios controlados pela sua família, uma tradicional produtora e exportadora de café do interior de Minas -em Piumhi, município de 39 mil habitantes. A Minas Export foi vendida para a multinacional americana Sara Lee no começo de 2009 -processo do qual Augusto participou.

Enquanto Augusto se mantinha nos negócios da família, Ramiro apostou nas operações online. O seu envolvimento com a compra e venda de milhas começou com a HotMilhas, em 2006.

A proposta de conectar consumidores com milhas aéreas disponíveis àqueles que querem comprar passagens usando milhas parecia uma operação “ganha-ganha” perfeita.

Os clientes recebiam as milhas das companhias aéreas nos programas de fidelidade -e muitos perdiam esse “ativo” por não usá-lo dentro do prazo. Esses clientes poderiam lucrar com a venda das milhas, ao mesmo tempo que outros consumidores poderiam comprar passagens com desconto, usando as milhas.

O cliente interessado em vender milhas entra na plataforma e faz uma cotação (são necessários no mínimo 12 mil pontos). O valor depende do programa de fidelidade de cada companhia aérea -Gol, Latam ou Azul. Cerca de 20 mil pontos podem valer em torno de R$ 500 -menos que isso se o cliente quiser receber o dinheiro na hora e mais se esperar até dois meses pelo reembolso.

Procurado pela reportagem, Augusto não retornou o contato até o fechamento deste texto. A 123milhas também não se pronunciou sobre o pedido de entrevista e de esclarecimentos sobre a operação.

COMPRA E VENDA DE MILHAS SÓ EXISTE NO BRASIL

O negócio brasileiro de compra e venda de milhas é único no mundo. Como uma bolsa de negócios virtual, as plataformas oferecem um ambiente para juntar quem quer vender e quem quer comprar milhas.

Porém, para que as transações sejam realizadas, os participantes precisam abrir dados individuais como CPF, login e senha de usuário dos programas de fidelidade. Uma iniciativa impensável em mercados como o americano, que consideram a iniciativa invasiva.

Augusto se juntou a Ramiro e, no final de 2016, lançaram a 123milhas para maximizar o negócio, com a oferta de passagens até 50% mais baratas em relação à tabela das companhias aéreas.

A operação cresceu tão rápido que, em 2021, a empresa se tornou o maior anunciante do país, com aporte de R$ 2,37 bilhões na compra de espaço publicitário.

O montante dava direito a globais e astros sertanejos como garotos-propaganda e presença garantida nos “fingers” (corredores que ligam o salão de embarque ao avião) de aeroportos em todo o país.

No ano passado, de acordo com o ranking Agências & Anunciantes, anuário publicado pelo jornal Meio & Mensagem, a 123milhas foi o segundo maior anunciante, com investimentos de R$ 1,28 bilhão.

NO MUNDO, COMPANHIA AÉREA SÓ EMITE PASSAGEM PARA ATÉ 320 DIAS

Segundo uma fonte do setor de turismo, que prefere manter o anonimato, o erro da 123milhas foi seguir os passos do Hurb, antigo hotel urbano, e dar início, durante a pandemia, à venda de passagens e pacotes “flexíveis” (sem data definida e, por isso, mais baratos).

Conforme já apontado pela Folha, especialistas consideram este modelo de negócio de altíssimo risco, uma vez que não é possível prever os preços das passagens.

Em todo o mundo, as companhias aéreas só podem emitir bilhetes dentro de um prazo máximo de 320 dias, por considerarem que diferentes fatores são capazes de impactar o preço dos bilhetes: o câmbio, o preço dos combustíveis, os tributos, a situação macroeconômica local ou global.

Em meio à pandemia, empresas como Hurb, 123milhas e outras aproveitaram o desejo do consumidor de viajar e apostaram forte nos pacotes flexíveis.

Ofertas como voos de ida e volta para Lisboa para daqui um ou dois anos, com uma semana de estadia, a R$ 990, se tornaram reais. Não havia data definida, as pessoas compravam o direito às viagens ou pacotes.

A partir da retomada das atividades presenciais, o turismo voltou. Com uma diferença: os custos para as companhias aéreas aumentaram. A renegociação das dívidas acumuladas na pandemia aumentou o nível de endividamento das empresas, enquanto o preço do petróleo e do combustível para aviação disparou.

As plataformas já não conseguiam fechar passagens com descontos junto às aéreas. Ao mesmo tempo, o volume de milhas se mostrou insuficiente para a expansão dos negócios.

EXPECTATIVA DE FATURAMENTO DE R$ 5 BILHÕES EM 2022

Em agosto do ano passado, a 123milhas foi alvo de uma enxurrada de reclamações de clientes, envolvendo cancelamentos de viagens, dificuldade no atendimento e falta de emissão das passagens aéreas, especialmente nos pacotes em promoção.

Em setembro, o jornal O Globo informou que a empresa estava em busca de um sócio-investidor, missão dada ao banco BTG Pactual -que, no entanto, não teve sucesso na empreitada, uma vez que as maiores interessadas, as empresas de turismo, ainda estão se recuperando do baque da pandemia.

A estimativa era que a 123milhas faturasse R$ 5 bilhões em 2022. A disposição dos irmãos Soares Madureira era vender 30% do negócio a US$ 100 milhões (R$ 490 milhões).

Hoje, além de Augusto e Ramiro, a Novum Investimentos Participações também é sócia da plataforma. A Novum é de propriedade de outra integrante da família, Cristiane Soares Madureira do Nascimento, e tem Ramiro e Augusto como sócios.

Em janeiro deste ano, os irmãos compraram a também mineira Maxmilhas, concorrente da Hotmilhas, e se tornaram soberanos na “bolsa” de milhagem.

Entre o fim do ano passado e o começo deste ano, Ramiro e Augusto abriram holdings de instituições não financeiras (que compram participação em outras empresas). Os Soares Madureira são ainda donos de joalheria e negócios imobiliários.

De acordo com a relação acima, existem três números de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) registrados para a 123milhas.

Segundo o advogado Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, essa prática é comum entre grandes empresas. “Às vezes por terem diversas filiais ou operações diferentes”, afirma Denki. “Mas também pode servir para dificultar o acesso às contas da empresa. Se a atividade da companhia está muito exposta ao risco, ela cria CNPJs distintos e contas bancárias vinculadas a cada um dos CNPJs.”

Quando isso ocorre e a empresa é alvo de uma ação judicial, por exemplo, diz o advogado, fica mais difícil encontrar recursos para indenização. “Também tem o aspecto tributário: a empresa vai pagar impostos de acordo com o seu faturamento”, diz.

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