ATARINA SCORTECCI
FOLHAPRESS
A festa já não acontece uma vez por mês como antes. Na esteira da pandemia de 2020, ela ficou mais espaçada, mas segue tão potente como há dez anos, quando nasceu sob inspiração dos bailes de black music brasileiros da década de 1970.
Trata-se do Um Baile Bom, festa em Curitiba que reúne um público majoritariamente negro para dançar no piso de taco de madeira do salão da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, clube negro fundado em 1888.
“O primeiro baile, em 2015, foi um sucesso. Tinha pouca gente, umas 60 pessoas, em um salão para 400, mas sabe quando parece uma festa em casa? O formato pegou, black music atrai uma memória afetiva. Na terceira festa já tinha fila de uma hora para entrar”, diz a produtora cultural e criativa Brenda Santos, 45.
A formação de um “território negro”, como Brenda define, não foi intencional. Ela explica que já trabalhava na organização de festas em Curitiba, mas que, com filho pequeno, quis fazer um baile que “começava cedo e terminava cedo” e isso foi o primeiro impulso para a criação do Um Baile Bom.
Mas, logo nas primeiras festas, Brenda tratou de convidar pessoas negras e até organizou estratégias. Um dos lugares onde distribuiu ingressos foi no Copene Sul, o Congresso de Pesquisadores Negros e Negras da Região Sul, que em 2015 acontecia na capital paranaense.
“Eu criei um cartão chamado ‘fura fila’, que os convidados apresentavam na portaria. A gente distribuiu no congresso e avisou: quem não fosse no baile, repassava o cartão também para uma pessoa negra”, afirma Brenda.
O anúncio do baile também chegava em salões de beleza afro, especializados em tranças, por exemplo. “A partir do baile, a gente acabou fortalecendo uma rede, a rede preta, com empreendedores negros e negras. Então a gente larga ingressos nas mãos destas pessoas e elas espalham”, diz.
O Um Baile Bom, continua Brenda, se tornou uma manifestação de protagonismo negro. “Já trouxemos pessoas não negras para tocar, mas são pessoas que entendem o movimento, que dialogam com o que a gente está propondo”.
Embora a black music seja o chamariz, também há espaço no baile para o hip-hop e o funk, por exemplo. A festa, além dos convidados de fora, também tem três DJs residentes mulheres Mitay Costa, Gab Santana e Babi Oeiras, que é irmã da Brenda, além do MC Welton do Amaral.
“O baile não é aberto apenas para pessoas negras. Mas todo o nosso foco é saber quais são as estratégias para trazer pessoas negras, como a gente pode fomentar os negócios de pessoas negras”, diz Brenda.
O local da festa não é aleatório. Ele acontece no salão da sede histórica da Sociedade 13 de Maio, um dos clubes sociais negros mais antigos em funcionamento no país, localizado no centro de Curitiba, em um terreno de 780 metros quadrados.
O salão hoje também é alugado para outros eventos, como forma de abastecer o caixa do clube. Em 2023, por conta de uma dívida de R$ 87 mil, uma vaquinha chegou a ser organizada para impedir a venda do imóvel histórico em um leilão. A campanha de arrecadação funcionou, mas o clube segue com pendências financeiras.
Brenda conheceu a Sociedade 13 de Maio em 2006, já que o grupo de maracatu do qual fazia parte costumava alugar o salão para ensaios. O local é administrado pela família do casal Álvaro da Silva e Jussara Terezinha da Silva, que vivem no mesmo terreno da sede.
“Ele é um clube desde sua fundação. Mas os clubes em geral foram perdendo suas características originais, a partir das mudanças na sociedade. Na época do nascimento da 13 de Maio, os moradores de Curitiba estavam ligados sempre a algum tipo de agremiação, porque era isso que dizia quem você era. E a 13 de Maio reunia trabalhadores pobres, negros, ex-escravizados”, explica ela.
Algumas fotos de acervos de famílias ligadas ao clube já foram levadas para as paredes do salão. “É uma história rica, de 137 anos, feita por várias famílias”, diz Brenda. “Na 13 de Maio, estamos dançando com os nossos ancestrais, não temos como não falar isso. E o baile tomou esta proporção toda porque ele pegou em lugares mais profundos.”
Brenda agora está empenhada também em promover outras ações culturais que de alguma forma dialoguem com a memória do espaço. Um dos projetos em andamento na 13 de Maio é a Escola de Produção Negra, que convida profissionais para darem aulas ligadas à cultura.
Enquanto isso, o Um Baile Bom segue. E a próxima edição já tem data 20 de dezembro.
“O baile é importante para muita gente. Quando você chega, você vê e é visto. A gente se vê dentro de um coletivo, mas a sua individualidade é celebrada por você ser o que você é”, afirma ela.