O governo Jair Bolsonaro pode enviar ao Haiti mais testes para detecção da covid-19 do que o governo federal entregou a 24 das 27 unidades da federação do Brasil. Somente São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná receberam volume superior.
Como revelou o Estadão, o Ministério da Saúde negocia a entrega de 1 milhão de exames do tipo RT-PCR, o mais adequado ao diagnóstico, para o país caribenho. Tratada como ato humanitário em documentos oficiais, a doação pode reduzir o estoque de 5 milhões de unidades que vencem a partir de abril, mas jogar sobre o Haiti a responsabilidade de usar o produto com validade curta.
Com praticamente o dobro da população do Haiti, Minas Gerais só recebeu 747 mil exames. Já o Rio Grande do Sul, que tem população similar à do país caribenho (cerca de 11 milhões de habitantes), ficou com 571 mil testes.
Como o Estadão revelou em novembro, o ministério guardava 7,1 milhões de exames e a maior parte (96%) teria de ir ao lixo entre dezembro e janeiro, pois perderiam a validade. Após a reportagem, o governo recorreu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aceitou um pedido da fabricante para estender o prazo de vencimento por mais quatro meses. Depois disso, 2,1 milhões de exames foram entregues, mas a gestão de Pazuello continua com dificuldade para consumir todo o estoque.
No total, o Ministério da Saúde entregou 14 milhões de exames RT-PCR aos Estados na pandemia. Cerca de 10,2 milhões foram realizados até agora. A meta do governo era ter feito 24 milhões de exames desse tipo até o fim de 2020.
Com a maior população, São Paulo foi o Estado que mais recebeu exames do governo federal (2,4 milhões). Na outra ponta, Roraima levou 102,3 mil. Mesmo as unidades já entregues não foram totalmente utilizadas pelos Estados. Há dificuldades para processar as amostras pela falta de máquinas adequadas e insumos como reagentes de extração, cotonetes “swab” e tubos coletores. O exame hoje encalhado, fabricado pela coreana Seegene, também não é compatível com toda a rede de análise do Sistema Único de Saúde (SUS).
Como revelou o Estadão, a área técnica da Saúde alertou a gestão de Pazuello, ainda em maio de 2020, sobre o risco de os exames perderem a validade. Quase um ano após a pandemia chegar ao Brasil, a pasta ainda negocia a compra de reagentes de extração de RNA. Além disso, o governo deve importar 12 milhões de testes de antígeno, produto de qualidade similar ao RT-PCR, mas de execução mais simples e rápida.
Pedido
O Itamaraty e o Ministério da Saúde afirmam que o governo haitiano pediu a doação dos testes. Não está claro se a quantidade ofertada foi proposta pelo Brasil ou pelo país caribenho. O governo brasileiro não doará outros insumos usados durante as análises das amostras. “Se os haitianos não tiverem como fazer essas análises ou como realizar coletas, não será possível ao Brasil dar início a alguma eventual doação”, afirma nota do Ministério da Saúde, que só se posicionou após duas semanas de cobranças da reportagem. Auxiliares de Pazuello, reservadamente, negam que a ideia é empurrar ao Haiti os exames que estão prestes a vencer.
O Brasil já doou cerca de 130 mil testes ao Paraguai e ao Peru. Também recebeu, recentemente, 72 mil unidades do governo da Coreia do Sul, além de outras 600 mil unidades da Petrobrás, no começo da pandemia.
O Ministério da Saúde ainda pretende doar exames RT-PCR prestes a vencer para hospitais filantrópicos brasileiros. Mas, diante da oferta da equipe de Pazuello, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) alertou as entidades sobre o risco de os estoques terminarem no lixo. “São testes com prazo de validade até abril de 2021”, destacou ofício da confederação obtido pela reportagem. “Dessa forma, recomendamos às instituições que pleitearem a doação dos mesmos que o façam com responsabilidade, para que não passemos a concentrar em nós e nas nossas instituições a responsabilidade pelo vencimento dos testes.”
Em nota, a CMB confirma que muitos hospitais devem rejeitar a proposta. “Os testes são necessários e bem-vindos, mas infelizmente nem todos os hospitais possuem equipamentos compatíveis para atender as especificações técnicas de análise do material coletado e leitura dos resultados do teste PCR.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Estadão Conteúdo