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Brasil

Autismo: especialistas explicam o que é neurodiversidade e a necessidade de inclusão no trabalho

Aliás, entender o que é a neurodiversidade torna-se primordial para se combater o preconceito contra o autismo

Redação Jornal de Brasília

02/04/2023 7h00

Atualizada 01/04/2023 19h22

Foto: Agência Senado

Giovanna dos Santos
(Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB)

O estudante Bruno Carvalho Medeiros tem 17 anos e é avaliado, de forma ampla, como “neurodivergente”. Em um momento da adolescência em que pensar no futuro profissional e criar laços com seus pares é essencial, o rapaz busca inserir-se em projetos sociais que abraçam sua condição e que apoiam seu desenvolvimento. Neurodiversidade é uma expressão que se torna adequada.

“Quero ser psicólogo porque gosto de ajudar as pessoas. Então tenho procurado cursos que tenham mais inclusão no DF. Ultimamente, tenho conhecido cada vez mais pessoas com TEA (transtorno do espetro autista), e então estou aprendendo muito sobre quem é como eu”, explica Bruno.

O adolescente destaca que a luta contra os estereótipos que giram em torno da neurodiversidade é constante. “Já ouvi muitas vezes que os autistas são todos iguais, mas não é assim que funciona. Todos são diferentes em personalidade e ideologia, e pensar e agir diferente dos outros não é uma coisa ruim”.

Aliás, entender o que é a neurodiversidade torna-se primordial para se combater o preconceito contra o autismo.

“Os graus de autismo atualmente envolvem o nível de suporte que uma pessoa irá necessitar, o que pode variar ao longo de sua vida”, destaca o psicólogo Paolo Rietveld.

“Ao considerar esse contexto, o suporte vem com cuidados e uma prática crítica que esteja não apenas preocupada com o indivíduo, mas com a sociedade em ele está inserido.”
Abrangendo diferentes condições em que conexões neurológicas são consideradas atípicas, ou seja, fora dos padrões sociais, a palavra neutodiversidade enfatiza que tais condições são manifestações da diversidade humana, e não doenças que precisam ser curadas.

O transtorno

O TEA é descrito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) (APA, 2013) como um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado principalmente por desafios na comunicação (verbal e não-verbal) e na interação social, bem como por padrões restritos ou repetitivos de comportamento.

Alguns exemplos destes desafios no dia-a-dia da pessoa com TEA são reciprocidade socioemocional comprometida, dificuldades para iniciar e manter conversas, compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afetos, dificuldade de ajuste do comportamento em concordância o contexto social, disfunções sensoriais (majoritariamente visuais e sonoras) e hiperfoco de interesses.

Segundo a ONU, acredita-se que existem cerca de 70 milhões de pessoas autistas no mundo. Dados do IBGE estimam que 2 milhões de brasileiros estão inseridos no espectro, ou seja, 1% da população do país.

Desde o ano passado, o Censo do IBGE passou a colocar o autismo no radar das estatísticas, para obter informações mais precisas e mapear a incidência do transtorno no Brasil para além de meras estimativas. Isso se deve à Lei Nº 13.861/19, que obriga o instituto a incluir especificidades inerentes ao Transtorno do Espectro Autista nos censos demográficos.

Neurodiversidade

Nos últimos anos, o conceito ‘neurodiversidade’ tem sido cada vez mais adotado para abrigar o amplo escopo do TEA, desprendido da negatividade das palavras ‘déficit’, ‘deficiência’ ou ‘distúrbio’.

O termo ressignifica as variações provenientes do cérebro humano e suas funções cognitivas, englobando aspectos atípicos do processo neurológico de condições como o autismo, TDAH, dislexia, síndrome de Tourette, entre outras.

Especialistas salientam que não é pejorativo no termo ‘autista’, muito pelo contrário; ainda assim, as pessoas pertencentes ao espectro e profissionais da saúde têm buscado popularizar a definição de indivíduo neurodivergente ou neurodiverso, justamente pelo apelo que a expressão tem em trazer um novo entendimento para o autismo.

Neurodiversidade, integração social e profissional

Em relação às iniciativas que promovam o capacitismo da pessoa neurodiversa para inserção no mercado de trabalho, profissionais da educação e psicologia do Distrito Federal atentam para a necessidade da promoção da autonomia, contemplação das particularidades e exigências de assistência ao indivíduo com TEA.

“Enquanto se está na escola, há oferta de serviço para o autista. Existe uma mínima oportunidade de socialização. Acabando essa etapa, a maioria dessas pessoas se veem em um abismo, sem muitas oportunidades inclusivas de carreira”, lamenta a psicóloga Carolina Passos.

A psicóloga também atenta para a escassez de políticas públicas voltadas ao público neurodiverso no geral.

Os entrevistados trouxeram a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE-DF) como uma das principais organizações públicas que contemplam as pessoas com TEA, ainda que o seu público-alvo seja indivíduos com deficiência intelectual de forma geral.

A Associação sem fins lucrativos trabalha com ações de Assistência Social e de Educação para viabilizar o acesso desses indivíduos ao mercado, com unidades de atendimento na Asa Norte, Ceilândia, Guará e Sobradinho.

A APAE também ampara, orienta e acompanha as famílias em suas necessidades sociais. Os serviços funcionam totalmente em função de doações, atualmente limitados pela falta de apoio.

O projeto “Vivências” também foi levantado como uma prática inclusiva e que prepara a pessoa neurodivergente para o mercado de trabalho. A iniciativa é do Instituto Ninar, e promove aulas e oficinas para desenvolver habilidades sociais, habilidades de independência e autonomia e autorregulação.

“No geral, a maioria dos serviços de intervenção para TEA são focados no público infantil, então o Vivências auxilia a preencher essa lacuna para faixas etárias maiores”, conclui João Guilherme Videira, psicólogo e coordenador do Vivências.

Os participantes do projeto são divididos em turmas com atividades semestrais específicas, chamadas de ‘vivências’, que exploram temas importantes para o crescimento da pessoa com TEA como indivíduo e como membro da comunidade em que vive.

Mobilidade urbana, segurança, planejamento motor, cozinha experimental, organização pessoal e financeira, debates, experiências tecnológicas e linguagem e comunicação são alguns exemplos de competências oferecidas na grade curricular do Vivências, escolhidas conforme demandas e interesses do próprio participante.

“A ação funciona como uma faculdade para a vida, que busca fugir do óbvio quando se trata de atendimento psicoterápico”, diz Rietveld.

“A ideia é termos não simplesmente um atendimento, mas sim experiências múltiplas que são parte da vida e que nos ensinam mais que qualquer sala de aula.”

O psicólogo e um dos diretores do Vivências acrescenta ainda que o formato do projeto é especialmente importante para pessoas no espectro autista, ao se considerar que algumas delas tem inclusive sintomas semelhantes ao do transtorno pós-traumático, por conta de terapias invasivas as quais foram submetidas no passado.

Sendo assim, o espaço de acolhimento e capacitação conta com psicólogos e terapeutas ocupacionais para prestar todo o tipo de auxílio em cada ‘vivência’, com atenção individual e integrada. Priorizar a prática de comportamentos sociais e autônomos, enquanto se respeita as particularidades e exigências psicoeducacionais dos neurodivergentes, é a grande missão da iniciativa.

“Saber respeitar o tempo de cada um para lidar com situações novas, ser criativo para fazer os viventes engajarem e gostarem do que vão realizar, respeitar as demandas sensoriais e promover ambientes de conforto sensorial são alguns dos cuidados que prezamos”, conclui a terapeuta ocupacional Kevilyn Lindsey.

Data de conscientização sobre autismo

O dia 2 de abril, Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, é uma data estabelecida pela ONU para a difusão de informações sobre o autismo para a população, com o objetivo primordial de mitigar o preconceito e discriminação que cercam as pessoas com o transtorno.

Em um contexto no qual muitos ainda possuem um conhecimento escasso sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que engloba uma ampla parcela de indivíduos neurodivergentes pelo mundo todo, a importância deste dia é fundamentada.

A conscientização também é favorável para que mais pessoas possam receber um diagnóstico e ter acesso a terapias o quanto antes, que são decisivas para o seu desenvolvimento.

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