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Brasil

Ambulante morto já foi agredido por vender bala e queria festa para filha

Nos últimos dias, Hiago Macedo de Oliveira Bastos, 22, se dedicava à organização da festa de aniversário da primeira filha

FolhaPress

15/02/2022 14h21

Foto: Divulgação

Marcela Ramos

O vendedor de balas morto na segunda (14) por um policial militar de folga, próximo à estação das barcas de Niterói, na região metropolitana do Rio, trabalhava diariamente na região há ao menos três anos. Ele já chegou a ser agredido por vender balas em um shopping do município.

Nos últimos dias, Hiago Macedo de Oliveira Bastos, 22, se dedicava à organização da festa de aniversário da primeira filha, que completará dois anos no final do mês. Segundo a irmã dele, Andreza Bernardes, o irmão estava muito feliz desde o nascimento da criança.

“Meu irmão estava cheio de sonhos e vontades, estava todo bobo com a filhinha dele. É revoltante o que aconteceu […] Tiraram o sonho do meu irmão, deixaram minha sobrinha sem pai. Foi uma covardia o que fizeram. Ambulante está sempre sendo discriminado”, diz Andreza Bernardes, irmã de Hiago Bastos.

Hiago foi morto após se envolver em uma discussão. De acordo com a família, ele foi atingido por um único disparo no peito e morreu no local. O sargento da PM Arnaud Júnior foi preso na segunda, após prestar depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.

Ao UOL, Andreza falou sobre as dificuldades enfrentadas pela família após a morte da mãe, em 2009, quando Hiago tinha apenas 10 anos. “Nada justifica o que aconteceu. Meu irmão teve uma vida difícil, sem oportunidades. Ficamos sozinhos pelo mundo, ele não conseguia trabalho. Uma infância de sofrimento. Ele estava procurando um trabalho de carteira assinada e vendia balas, apenas tirando seu sustento.”

Hiago morava com a mãe da filha dele em uma casa no Morro Boavista, também em Niterói. Em 2019, o casal deixou uma ocupação conhecida como “prédio da Caixa”, no centro do mesmo município.

Agressão em shopping

O advogado Roberto Gatti disse que, em 2019, Hiago chegou a ser agredido por seguranças de um shopping de Niterói após se recusar a deixar o local. Na ocasião, o rapaz estava no interior do estabelecimento vendendo balas e acabou imobilizado e agredido por funcionários.

Gatti disse que o rapaz -por ter passagens pela polícia- era alvo de discriminação. Quando menor de idade, Hiago teve anotações por fatos análogos a furto, roubo e tentativa de homicídio. Para o advogado, isso fazia com que o ambulante fosse conduzido com frequência a delegacias. Gatti diz que chegou a acompanhá-lo em algumas ocasiões.

“Em 2019, ele foi agredido só por estar no shopping vendendo balas. Depois, acompanhei ele mais cinco vezes na delegacia. Por vender balas, a polícia sempre acabava levando ele por atitude suspeita. Ele chegou a usar tornozeleira eletrônica e, por isso, era muito marcado. Quando [policiais] queriam se divertir, só posso entender dessa forma, conduziam ele de novo para a delegacia”, disse Gatti.

O advogado lembrou que, no ano passado, Hiago foi conduzido a uma delegacia de forma agressiva. O rapaz se encontrava em liberdade condicional. “Foi em setembro ou outubro. Estava passando lá e vi uma pessoa algemada e depois vi que era ele. Puxavam o braço dele com força, ele estava com o joelho ralado. Falaram que ele estava em atitude suspeita. Os policiais sempre vão alegar que estão fazendo isso por causa justa, era uma pessoa marcada”, disse Gatti.

‘Educado e cordial’

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Niterói, Andrea Kraemer, esteve na segunda-feira na Delegacia de Homicídios para amparar a família de Hiago. Ela disse que conhecia o rapaz da estação das barcas e o definiu como educado e cordial.

“Quando eu ia para o Rio, ele estava sempre na Praça Arariboia. Às vezes, eu comprava as balas. Ele ficava ali tinha um bom tempo. Era uma pessoa bem conhecida. Sempre era muito educado, cordial. Nunca tive problema com ele, nunca me empurrou bala goela abaixo”, comentou.

Uma amiga do vendedor, que pediu para não ter o nome divulgado, descreveu Hiago como uma pessoa trabalhadora.
“Ele chegava sempre cedinho naquela região para trabalhar e ficava até tarde vendendo bala. Era um cara bem comunicativo, que fala com todo mundo, muito brincalhão, só estava trabalhando, como fazia todo dia.”

Hiago foi baleado em plena luz do dia, em um local de grande movimento, por um policial militar de folga. De acordo com a família, o rapaz foi atingido no peito após uma discussão com um pedestre para quem ofereceu balas e foi chamado de ladrão.

Segundo a PM, o sargento Carlos Arnaud Júnior teria agido para tentar evitar uma tentativa de assalto na região. A reportagem não localizou a defesa do policial militar sobre sua versão dos fatos. A Polícia Civil busca câmeras de segurança na região.

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