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Investigadora resolve crimes analisando o pólen das plantas

Patrícia lecionava ciências biológicas antes de se tornar investigadora. Ela não imaginava que o conhecimento sobre a natureza pudesse ajudar na solução de crimes

Redação Jornal de Brasília

19/02/2020 9h42

A investigadora Patrícia Wiltshire, 77 anos, não imaginava que iria se tornar uma das maiores especialistas do mundo em ecologia florense. Nascida no Wiltshire, no País de Gales, atualmente ela é referência no mundo todo. 

Patrícia lecionava ciências biológicas antes de se tornar investigadora. Ela também não imaginava que o conhecimento sobre a natureza pudesse ajudar na solução de crimes. Essa mudança repentina em sua carreira ocorreu relativamente tarde. Com um pouco mais de 50 anos, seu conhecimento sobre diferentes tipos de pólen de vegetais ajudou na resolução de vários assassinatos.

A investigadora contribuiu para a apuração de grandes casos no Reino Unido e, depois, em outros países. Hoje, ela tem no currículo a participação em cerca de 300 investigações policiais pelo mundo.

“Diferente de outras formas de provas, o pólen não desaparece facilmente: ele gruda nas roupas, sapatos, no tapete de carros”, explicou ela em entrevista ao programa The Life Scientific, da BBC Radio 4.

“Pólen e esporos são produzidos por plantas e fungos, e crescem em lugares específicos. Então, você sabe muito bem que esta planta cresce neste solo; aquela planta cresce naquele. Por conta disso, é possível prever de onde este material (pólen e esporos) vem.”

O momento mais surpreendente na vida da investigadora veio quando ela percebeu o potencial do pólen como indício em crimes, ao ajudar na investigação de um assassinato.

Foto: Arquivo Pessoal/Patrícia Wiltshire

 

Resolução

Depois de quase duas décadas de experiência como pesquisadora na Universidade King’s College London, a cientista ajudava a solucionar um crime. O policial contou que um corpo carbonizado fora abandonado em uma vala e havia marcas de pneus no campo ao lado.

Os investigadores queriam saber se um carro, que pertencia a um dos suspeitos, esteve presente naquela área.

“Eu nunca tinha feito nada assim antes, mas analisei tudo no carro e encontrei pólen nos pedais e no tapete. O material correspondia ao pólen encontrado nas bordas de campos agrícolas”, diz a professora.

“Quando o policial me levou à cena do crime, pude identificar o ponto exato em que o corpo fora abandonado pelos tipos de flores que estavam ali.”

“Foi um momento ‘eureka’ para mim, porque nunca pensei que as pistas pudessem ser tão específicas”, lembrou ela.

Apesar de duvidar do potencial da ciência florense, a professora passou a atuar em diversos casos. Em 2002, ela ajudou a polícia a reunir indícios na investigação sobre duas meninas, Holly Wells e Jessica Chapman, assassinadas em Soham, na Inglaterra. A polícia local havia encontrado o corpo das vítimas e procurava por pistas da localização dos assassinos.

Wiltshire conseguiu as pistas através da analise e regeneração de plantas pisoteadas que levavam ao fosso. A polícia, então, fez uma pesquisa detalhada da rota delineada pela professora e encontrou fios de cabelo de Jessica em um galho.

As evidências coletadas por ela foram apresentadas no julgamento de Ian Huntley, que foi condenado pelo assassinato das duas meninas de 10 anos.

Há ainda mais casos marcantes nos quais a pesquisadora trabalhou. “Em 2005, fui chamada em New Tredegar, no vale do Rhymney (País de Gales).”

“Dois homens haviam matado um terceiro a chutes, deixando o corpo entre samambaias. Alguns dias depois, eles voltaram para queimá-lo, mas as pessoas viram a fumaça e chamaram a polícia.”

“Os dois homens foram presos e, na época, os investigadores queriam que eu descobrisse se eles haviam estado no local (do assassinato).”

Wiltshire comparou o pólen dos sapatos dos suspeitos ao encontrado na cena do crime, mas ficou surpresa ao detectar que aquele pólen não era do tipo normalmente encontrado no País de Gales.

Depois, ela percebeu que os caminhões que passavam pela estrada adjacente carregavam moscas de outras partes da Inglaterra que depois voavam para o campo, depositando pólen e esporos ali.

A precisão das provas, que levaram a localização exata dos suspeitos fizeram com que eles confessassem o crime. O pólen encontrado nos pertences dos suspeitos era o mesmo da cena do crime.

Explicação

 

 

Wiltshire explica que pólen e esporos podem durar milhões de anos nas condições certas, mesmo sobre a superfície da terra e na vegetação. Um pedaço de solo pode ter milhares de tipos deles, ou nenhum, caso as bactérias tenham comido tudo.

Mas é a combinação destes materiais que os torna uma prova tão importante. Através disso é possível identificar localizações com precisão.

“Se você conhece o perfil geral do material e tem uma ou duas amostras raras (de flores muito específicas, por exemplo), você chegou lá. Se você encontra esta compatibilidade, a probabilidade de acerto é muito alta.”

A investigadora diz que se não fosse toda sua experiencia em hospitais, laboratórios, com a bacteriologia, ela não poderia fazer o que faz hoje.

Ela conta que outras experiências que teve na carreira e na vida além da universidade também ajudam. Como quando  trabalhou como técnica de laboratório médico no Hospital Charing Cross.

Já graduada, ela trabalhou também em muitos sítios arqueológicos colhendo amostras da terra e recriando construções romanas antigas, como a Muralha de Adriano, no norte da Inglaterra, e Pompéia, na Itália.

“Se não fosse toda a minha experiência em hospitais, laboratórios, com a bacteriologia… Todas as coisas esquisitas e maravilhosas, todo o trabalho de campo arqueológico… Eu não poderia fazer o que faço hoje. Foi preciso ter esse passado bagunçado para fazer o trabalho de hoje.”

“Às vezes, os policiais me chamam de ‘bruxa galesa’ pela maneira como processo uma quantidade enorme de dados e apresento novas ideias.”

“Mas não é mágica, é estudo”, garante a pesquisadora.

Foto: Arquivo Pessoal/Patrícia Wiltshire

 

Vida pessoal

Patrícia contou para a BBC Radio 4 sobre períodos atribulados.

“Quando eu tinha sete anos, decidi assustar minha mãe pulando nela, mas não sabia que estava carregando uma panela com óleo quente”, lembra.

“Sofri queimaduras graves e tive de passar dois anos coberta de curativos.”

“Também tive pneumonia, sarampo, coqueluche e bronquite, o que me deixou com um problema crônico de tosse.”

“Perdi muitas aulas na escola, mas tinha minhas enciclopédias, que eram minha alegria”.

Ela lembrou também dos passeios que fazia com a avó, Vera May Tiley, graças a quem começou a desbravar a natureza.

“Vivíamos em uma pequena cidade de mineração, em Cefn Fforest, no sul de Gales.”

“Íamos caminhar e (minha avó) me mostrava os ninhos de pássaros, insetos e plantas que podíamos comer, como espinheiro e alho-selvagem (llium ursinum).”

“Ela também era uma boa jardineira, apaixonada por proteger suas plantas de pragas, então eu aprendi sobre suas doenças e como cultivar alimentos”, conta a investigadora.

Outros períodos da sua vida incluem grandes reviravoltas como ter perdido uma filha de 19 meses para uma doença genética e, após isso, se apaixonar por seu atual marido aos 63 anos de idade, a professora respondeu à BBC Radio 4 o que pensa da morte ao tê-la visto tantas vezes em seu trabalho.

“Para mim, a morte é essencial. É preciso morte para haver nascimentos! Como sabemos, a matéria não é criada, ela se transforma. Digo aos meus alunos: no seu olho, pode ter uma molécula que foi do dedão do pé de um dinossauro! Essa é a mágica da biologia: é preciso ter a decomposição para novos nascimentos.”

 

 

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