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Mundo

Artigo: Vivendo em um país fechado

Hoje, em Roma, já não podemos ignorar que o mundo diminuiu e que hoje somos todos vizinhos.

Redação Jornal de Brasília

13/03/2020 9h49

Foto: AFP

Juliana Monteiro*
Especial para o Jornal de Brasília

Esta é nossa segunda semana de quarentena coletiva em Roma. Primeiro, foram as escolas e muita gente passou a trabalhar em casa. Deixar as crianças com os avós não é uma opção. Fomos orientados a não sair e evitar lugares fechados e aglomerados.

Até que esta semana o governo “fechou” a Itália.

Agora, somos autorizados a sair apenas para trabalhar (os que ainda saem para trabalhar), fazer compras ou ir para o hospital. Nada mais.

A natação e a capoeira das crianças estão fechadas, o dentista desmarcou a consulta do meu filho e sábado não vai ter o jogo do campeonato de futebol dele, a companhia aérea cancelou minha passagem para Madri. A faculdade avisou que tampouco tem data para a próxima prova. As escolas já trabalham com a possibilidade de seguirem fechadas até maio.

O país inteiro fechou.

 

Nós também nos fechamos nesse novo arranjo. A professora tem nos orientado remotamente sobre o conteúdo de cada dia e nos vemos professores dos nossos filhos, às voltas com o neolítico e os verbos auxiliares. Não sei o que seria de nós sem o Google.

Passamos o dia de pijama. Vi uma vizinha receber o correio de luvas, ninguém mais pega o mesmo elevador, sobe um vizinho de cada vez, é o protocolo.

Ontem, fui ao mercado. Na rua, as poucas pessoas usavam luvas cirúrgicas e, na falta de máscara, lenço ou cachecol cobrindo o nariz. Fila na porta, todos respeitando a orientação de manter distância uns dos outros, a entrada contingenciada, mais gente fora do que dentro do mercado. Cinco de cada vez. Ninguém reclama.

 

Pela primeira vez em seis anos não sou a única com carrinho lá dentro. Os italianos, em geral, só compram o que podem carregar, mas agora estão fazendo estoque e já faltam alguns produtos nas prateleiras. Um corredor para cada pessoa, ninguém se esbarra, o alto-falante fica repetindo para respeitarmos a distância mínima. Na volta pra casa, reparo o comércio fechado, os poucos cafés abertos espaçaram as mesas, mas estão desertos. Estamos todos isolados em casa.

A flor no asfalto é a solidariedade. Não vejo, entre as pessoas de meu convívio, pânico de ficar doente ou medo pelas nossas crianças que, ao que parece, não são páreo para o coronavírus. Mas estamos todos cuidando de quem não tem defesas suficientes para ele. Eu cuido do morador de rua que dorme no frio, embaixo da marquise do meu prédio, das senhorinhas que cumprimento no mercado, do senhor da loja de molduras. E, aqui em Roma, essas pessoas viraram a prioridade de todos. Pensamos coletivamente numa onda de cuidado com o outro, esse desconhecido, que eu nunca tinha vivido antes. As crianças aprenderam a “tossir nos cotovelos” e o fazem até em casa. Foram ensinadas que são estratégicas para conter a ameaça.

É triste, mas também é bonito, sabem?

Não há saída que não passe pela reconstrução paciente de uma resposta coletiva aos desafios. Talvez seja didático estarmos vivendo, todos, ao mesmo tempo, essa crise. Fica evidente que o engajamento de cada um de nós, pessoa a pessoa, é a melhor, se não a única, defesa diante da pandemia. Ninguém pode dar-se ao luxo de ser negligente. Acho que ficaremos com um aprendizado importante depois que tudo isso passar.

O momento não é de pânico, mas de cuidado e responsabilidade. E união e solidariedade.

Há um mês a China era longe, há três semanas a Lombardia também era. Quando começou a quarentena eu também me revezava, junto com outras mães e pais, nos grupos de WhatsApp, entre o desespero de ter que encaixar as crianças, de repente, nos compromissos dos dias úteis e os memes – como nós, os italianos também reagem com bom humor às adversidades. Hoje, em Roma, já não podemos ignorar que o mundo diminuiu e que hoje somos todos vizinhos.

Desejo que meus conterrâneos não deem chance para a doença no calor de nossa terra.

Cuidem-se. Uns dos outros. Fiquem firmes. Sairemos melhores dessa.

*Jornalista, mora em Roma com a família

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