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Vacina contra o Bolsovírus

Infelizmente, ainda não há sinal na ciência de vacina contra o novo coronavírus. Nem remédio. O que só reforça a necessidade de manutenção do confinamento social como estratégia para conter a disseminação

Rudolfo Lago

03/04/2020 8h10

Infelizmente, ainda não há sinal na ciência de vacina contra o novo coronavírus. Nem remédio. O que só reforça a necessidade de manutenção do confinamento social como estratégia para conter a disseminação. Portanto, fiquemos em casa. Mas, nas últimas semanas, o mundo político preparou algumas vacinas contra o que podemos chamar de “Bolsovírus”. Os riscos que poderiam advir caso prevalecesse a ideia do presidente Jair Bolsonaro de abandono da quarentena para a adoção do tal “isolamento vertical”, uma estratégia na qual só se manteriam isolados em casa os idosos e aqueles que estão nos grupos de risco da doença.

Uma estratégia que todos os demais países que adotaram a essa altura abandonaram arrependidos, diante da explosão de contaminação. A estratégia usada inicialmente na Itália, onde as mortes se avolumam tragicamente. Nos Estados Unidos, onde hoje há a maior quantidade de gente doente. Na Inglaterra, onde estão infectados o primeiro-ministro e o herdeiro do trono. As ampolas das vacinas estão estrategicamente guardadas em algumas gavetas bem posicionadas da Esplanada dos Ministérios. Seu eventual uso ainda está sendo avaliado pelos donos das seringas. Porque, ainda que possam funcionar, todas as vacinas à disposição podem provocar pesados efeitos colaterais.

A que poderia produzir efeitos mais rápidos está guardada na gaveta do procurador-geral da República, Augusto Aras. Trata-se de um pedido de suspensão do presidente Jair Bolsonaro por 180 dias, feito pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). Reginaldo alega que Bolsonaro hoje não reuniria condições de conduzir a crise provocada pela pandemia, por se colocar na contramão de todas as recomendações sanitárias feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Sua posição confunde a população que, num momento complicado como esse, deveria estar unida e alinhada em uma estratégia única.

Reginaldo fez o pedido ao STF. O ministro Marco Aurélio Mello encaminhou-o à PGR. E Aras já deu sinais de que a vacina lá na sua gaveta pode ser usada como início de uma eventual interdição do presidente. Aras é devedor de Bolsonaro, que quebrou uma tradição e o escolheu para o cargo fora da lista tríplice votada pela categoria. Mas nem por isso, como disse ao presidente, tem intenção de ser “cúmplice de um genocídio”.

Essa vacina teria o efeito rápido de logo afastar Bolsonaro. Mas o efeito colateral é que ele tem ainda uma importante militância. Que a essa altura ninguém sabe muito bem se ainda é grande ou se somente é estridente. O fato é que sua turma continue reverberando nas redes sociais. Usar a vacina é enfrentá-la. E há riscos grandes nesse caso. A segunda vacina está guardada na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A essa altura, já há ali mais de um pedido de impeachment do presidente. O mais robusto deles, com mais de um milhão de assinaturas, foi protocolado pelo PSOL.

De novo, um grande efeito colateral dessa vacina é a reação da militância. Aqui somada a lentidão dos trâmites legais do processo. O impeachment precisa seguir várias etapas que demoram. E a crise do coronavírus é urgente. Por enquanto, o remédio mais eficaz tem sido somente apontar claramente que as vacinas estão a postos nas suas gavetas. E podem ser usadas se preciso. A partir da demonstração de que tais soluções mais drásticas estão à disposição, as forças políticas se uniram para tolher as possibilidades de avanço concreto de Bolsonaro no terreno daquilo que hoje é cada vez mais uma estratégia praticamente exclusiva sua.

Assim, o ministro do STF Luís Roberto Barroso proibiu não somente a campanha publicitária que o governo já preparara como toda e qualquer campanha que tenha como slogan “O Brasil não pode parar”.

O STF ainda estabeleceu que os governadores têm autonomia para adotar sem cada estado suas medidas de restrição. O Congresso uniu-se para dizer que nenhum tipo de medida que flexibilize a quarentena será aprovada. Os principais ministros do governo se uniram no sentido de garantir a manutenção de Luiz Henrique Mandetta na Saúde. Não apenas Sergio Moro, da Justiça, e Paulo Guedes, da Economia. Até Damares Alves, da Mulher e Direitos Humanos.

Quando o presidente busca conselhos para se ampliar, na maioria das vezes as sugestões vão no sentido oposto do seu radicalismo. Caso do ex-comandante do Exército, general Villas Boas, a quem ele procurou no início da semana, e que acabou sendo um dos artífices para o discurso mais ameno feito na terça-feira (31).

Se a posição de Bolsonaro fosse firmada em convicção econômica clara, seu ministro da Economia estaria com ele. Afinal, o presidente mesmo declara que nada entende do assunto. E que Guedes é o seu “posto Ipiranga”.

Se Guedes não acha que o Brasil tem que se expor ao vírus para não quebrar tragicamente, não é do “posto Ipiranga” que vem essa ideia. Ela, na verdade, é um misto do desespero egoísta de alguns empresários que buzinam no ouvido de Bolsonaro com o que há de mais tosco na sua base, que é a cultura das redes sociais e do guru Olavo de Carvalho. Aquela turma que ama teorias da conspiração. Por isso, despreza a ciência. Acha que a Terra é plana. Que o homem não foi à Lua. E desconfia de vacinas. Bem, que não desconfiem das vacinas políticas. Elas estão nas gavetas…

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