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Coluna Informação #077 – Os vírus da teimosia e do achismo

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) é disparado o melhor da tropa governista. Em meio de gritos e grosserias, é o único da tropa que encadeia um discurso que tenta permanecer na lógica, apesar de várias distorções

Rudolfo Lago

21/05/2021 5h00

Atualizada 20/05/2021 23h03

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) é disparado o melhor da tropa governista. Em meio de gritos e grosserias, é o único da tropa que encadeia um discurso que tenta permanecer na lógica, apesar de várias distorções. Ontem, ele sem dúvida marcou um gol – talvez o primeiro no 7 a 1 até agora – a favor do governo quando apresentou um vídeo no qual diversos governadores e até o médico David Uip, que assessorava o governador de São Paulo, João Doria, falavam na prescrição da cloroquina.

É claro. O vídeo omitia diversas questões importantes. No início do ano passado, quando ainda se tateava muito quanto ao tratamento da covid-19 e ainda não tínhamos vacina disponível, tratamentos diversos eram tentados. Todas as gravações mostradas no vídeo são de março do ano passado. De lá para cá, foram feitos diversos estudos que concluíram que a cloroquina não tem qualquer eficácia no tratamento da covid. E, mais do que isso, o medicamento tem efeitos colaterais que podem provocar graves problemas cardíacos e até levar à morte.

O fato é que, hoje, nenhuma das pessoas retratadas no vídeo continua defendendo o uso da cloroquina. E uma pessoa que não aparece no vídeo, o presidente Jair Bolsonaro, continua na mesma defesa. Em seguida a Marcos Rogério, o senador Otto Alencar (PSD-BA), médico, demoliu o ex-ministro Eduardo Pazuello, mostrando a sua total falta de conhecimento técnico.

Em torno da cloroquina, o problema está na forte contaminação do presidente com dois vírus: o da teimosia e o do achismo. Quando ele esteve nos Estados Unidos no início do ano passado, corria por lá essa discussão sobre o uso da cloroquina. O presidente trouxe essa discussão para o Brasil. E achou que talvez pudesse ter encontrado ali um caminho de redenção para liderar a cura da doença. O problema é que todos os que então defendiam o remédio, inclusive seu guru alaranjado, Donald Trump, que lhe apresentou à época a cloroquina como solução, recuaram. E Bolsonaro ficou só, apontando a caixinha do remédio para malária até para as emas do Palácio da Alvorada.

Marcos Rogério tenta criar na CPI a narrativa de que a discussão em torno da cloroquina, que virou até o momento um ponto central na comissão, seja uma discussão menor. Não estaria no centro da tragédia que se abateu no Brasil. Que a tragédia que se abateu no Brasil é somente parte de uma tragédia planetária.

De fato, a tragédia é planetária. Mas ela se abateu de forma significativa em dois países que optaram por negar a sua gravidade: os Estados Unidos e o Brasil. Os Estados Unidos refluíram dessa posição quando Trump foi substituído por Joe Biden. Vacinam hoje a população em massa e já começam a colher os frutos da mudança de posicionamento. Por aqui, seguimos na mesma balada.

A questão da cloroquina se reveste de importância quando aparentemente houve todo um esforço para que, de fato, ela viesse a fazer parte do protocolo oficial de tratamento. Com graves consequências. E isso pode ter acontecido em Manaus.

Há um senador governista a quem se dá pouca importância, o gaúcho Luiz Carlos Heinze (Progressistas). Heinze é bolsonarista roxo e defensor da cloroquina. Mas ele afirma que ela teria eficácia se usada dentro de determinada dosagem. E todos os dias ele tem afirmado que em Manaus testou-se nos pacientes o uso de uma dosagem bem mais alta de cloroquina, o que teria sido fatal.

Talvez se devesse prestar mais atenção ao que diz Luiz Carlos Heinze. Foi ministrada essa dosagem mais alta em Manaus? De quem foi essa decisão? Quem ministrou esse protocolo? Esse tratamento com dosagem mais alta teria começado a ser ministrado depois da visita da comitiva levada a Manaus pela secretária de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, Mayra Pinheiro, que ficou conhecida como Capitã Cloroquina?

O vídeo mostrado por Marcos Rogério teve seus efeitos. A discussão levou mesmo a uma suspensão da sessão. Mas, além da pantomima criada ali, ainda resta investigar tudo isso. Manaus foi um laboratório de tratamento da covid? E esse tratamento fracassado ajudou a criar a variante de Manaus, uma das cepas mais agressivas do coronavírus? Se a CPI sair do circo e de fato investigar coisas como essas, fará um trabalho fundamental.

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