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Quem tem o cabo e o sargento?

É curiosa a jornada arriscada que o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos a todo momento insinuam. A maior parte dos exemplos de contragolpe que vez por outra eles esboçam não vêm da direita que habitam. Vêm da esquerda

Rudolfo Lago

29/05/2020 7h04

É curiosa a jornada arriscada que o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos a todo momento insinuam. A maior parte dos exemplos de contragolpe que vez por outra eles esboçam não vêm da direita que habitam. Vêm da esquerda. É estranho que um grupo conservador tenha chegado democraticamente ao poder para levar o país a algum canto oposto do ringue, a partir de caminhos que não deram certo e sempre foram por esses mesmo grupo muito criticados nas eleições.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, em uma live na quinta-feira (27), disse que, na sua avaliação, a essa altura já não se discute “se” haverá uma fissura entre os poderes, mas “quando” haverá. Emendou que isso já é seguidamente discutido em grupos dos quais participam políticos e autoridades do governo. O que, em si, já é muito grave.

Então, na sequência, o filho do presidente menciona a Venezuela. “Não foi de uma hora para outra que começou a ditadura da Venezuela, foi aos poucos”, disse ele. Ou seja: ao avaliar possíveis desdobramentos da crise que há no Brasil entre os poderes, Eduardo Bolsonaro cita a ditadura de esquerda iniciada por Hugo Cháves e mantida por Nicolás Maduro. Engraçado: Bolsonaro elegeu-se presidente discursando que o Brasil não podia correr o risco de “virar uma Venezuela”.

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília publicada hoje, o Major Olímpio cita um outro episódio também relacionado à esquerda. O comício de João Goulart na Central do Brasil do Rio de Janeiro no dia 13 de março de 1964. Jango então flertava com a hipótese de dividir tropas militares. Tinha havido antes o levante dos marinheiros, que hoje se sabe era conduzido por um infiltrado, o Cabo Anselmo. Jango imaginava dividir as Forças Armadas, quebrar a hierarquia militar para ter parte das tropas ao seu lado. Na verdade, acabou unindo o comando militar do país contra ele. Ou seja, seguido mais esse outro exemplo fracassado de esquerda, o que se sucedeu foi um golpe militar de direita. Mas não era o então presidente quem a partir de então estaria à frente dele.

Se o modelo venezuelano encanta o deputado Eduardo Bolsonaro, as consequências dele para o povo daquele país parecem ser desastrosas. Na primeira tentativa de golpe, Chávez fracassou. Depois, foi vitorioso. Mas em nenhum momento ele conseguiu de fato unir o país em torno dele. Ele e Maduro sempre governaram um país profundamente cindido, eternamente convulsionado. Hoje tão convulsionado que tem dois governos. Tanto Nicolás Maduro quanto Juan Guaidó se declaram presidentes. Alguns países consideram Maduro o presidente. Outros, como o Brasil, Guaidó. A Venezuela vive uma crise em todos os sentidos: política, econômica, humanitária. Não parece um bom exemplo. Ainda mais vindo de um governo assumidamente de direita, que se elegeu prometendo que não transformaria o país numa Venezuela.

Major Olímpio, na entrevista que deu ao Jornal de Brasília, reconhece que talvez não teria sido eleito não fosse o apoio de Bolsonaro. Mas ele já era deputado federal, representante forte da corporação da Polícia Militar. Hoje, Bolsonaro tensiona para tentar obter apoios nessa corporação, tentando quebrar comandos e hierarquias. Olímpio sente isso na pele, atacado por muitos de seus companheiros policiais. Mas ele duvida que o presidente tenha de fato força para ter de fato sucesso em um processo concreto de ruptura. Acha que, se tentar, ao final Bolsonaro acabará “falando sozinho”.

Se Major Olímpio estiver certo, Bolsonaro não terá, então, o “cabo e o sargento” pretendidos por Eduardo Bolsonaro para um dia fechar o Supremo Tribunal Federal. O problema é que, em contrapartida, talvez também não haja os “cabos e os sargentos” políticos e constitucionais capazes de parar o presidente, dada a sua popularidade em torno de 30%. Ou seja, no meio da pandemia, da maior crise sanitária da história, com tudo para se tornar também uma grave crise econômica, temos um governo que mantém o tempo todo o país em crise, talvez sem condições de chegar às vias de fato. Quem vai ganhar com isso tudo? Provavelmente, o novo coronavírus. Ele não tem nada com isso. Só quer contaminar as pessoas…

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