THALES DE MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Para a cultura mexicana, “Pedro Páramo” é uma obra literária incontornável. Único livro de ficção escrito por Juan Rufo, foi publicado em 1955 e soube acomodar o realismo fantástico impregnado nos livros latino-americanos do século 20 em uma história delirante e assustadora. Uma adaptação para as telas chega ao público neste dia 6 de novembro.
Quando a Netflix anunciou que estava se associando a produtores mexicanos para levar o romance ao streaming, parecia pouco provável que um diretor estreante assumisse uma tarefa tão importante. No entanto, Rodrigo Prieto, 68, assumiu a direção, mesmo sem nunca ter comandado um set de filmagem.
Mas é impossível tratá-lo com alguém que ainda tenha muita coisa para aprender no cinema.
Prieto tem uma carreira de enorme sucesso no cinema americano como diretor de fotografia, com quatro indicações ao Oscar. Para ficar apenas nos trabalhos mais recentes, basta dizer que ele foi o responsável pelas imagens de “Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese, e do blockbuster mundial “Barbie”, de Greta Gerwig.
Ele acredita ter se divertido mais na direção. “Estava brincando em um playground muito maior. Não precisava mais brincar apenas com a minha equipe de fotografia. Agora eu estava com os atores, com quem faz os cenários, traz as roupas, enfim, muita mais gente para brincar. Mas, em compensação, cada dia de trabalho foi mais desafiador.”
Como chefe da brincadeira, Prieto escalou como diretor de fotografia o jovem Nico Aguilar. Teria ele sofrido muita pressão ao trabalhar com alguém que entende tudo do ofício? “Eu espero que não”, responde Prieto, rindo. “Eu o encontrei pela minha filha, eles foram juntos à escola de cinema. Ele já tinha me ajudado em Assassinos da Lua das Flores, e Scorsese adorou o que ele fez. Bem, ele era uma aposta segura.”
A princípio, o diretor pensou em acumular a fotografia à direção geral, mas “Pedro Páramo” se mostrou um projeto grandioso em muitos aspectos. Ele percebeu que precisaria se concentrar na condução de uma história que é originalmente bem fragmentada. As variações de espaço e tempo no filme remetem diretamente ao livro, no qual Juan Rulfo muda a narração de primeira para terceira pessoa constantemente e não deixa claro quem está contando cada trecho da história.
O filme conta a jornada de Juan Preciado, um homem que, para cumprir o último desejo de sua mãe antes de morrer, parte para a cidadezinha de Comala, no deserto mexicano. Quando Juan era pequeno, ela foi expulsa de lá pelo marido. Ao chegar à cidade, ou pelo menos o que resta dela, quase abandonada, Juan logo descobre que seu pai já morreu e praticamente todas as pessoas que ele encontra no local foram próximas dele e têm muito a reclamar de sua figura. Como define um personagem, Páramo é o rancor e o ódio na forma de um homem.
As conversas de Juan com os moradores começam a se alterar com imagens de tempos passados, mostrando um Páramo jovem se transformando nessa figura tão odiada. Enquanto Juan percorre a cidade, o clima angustiante vai se transformando numa ambientação de filme de terror. Logo quem assiste percebe que o verdadeiro personagem do livro é a cidade de Comala, uma espécie de purgatório, com mortos andando pelas ruas e conversando com Juan.
Fica evidente no filme que Prieto não quis tratar Páramo apenas como um homem mau, como um vilão; Ele se preocupa em destrinchar um personagem complexo. “Por exemplo, meu avô lutou na Guerra do México. Ele não era um homem rico, longe disso. Mas ele se envolveu na política. Eu não sei direito o que ele fez, mas sei que muitas coisas são no mínimo questionáveis.”
O cineasta admite que guiou o personagem do filme com suas lembranças familiares. “Eu amava meu avô, mas via o ser humano por trás de alguém que fez coisas censuráveis. Minha procura em Pedro Páramo foi descobrir que momento um jovem, que tinha namorada e era um sonhador, passou a fazer coisas terríveis. Como se transformou em alguém que manda matar uma pessoa com a mesma tranquilidade com a qual pede ovos no café da manhã”.
Depois dessa filmagem quase épica no deserto, Prieto revela que continuará operando a câmera para grandes cineastas que disputam seus serviços, mas espera outras chances de dirigir. “Tenho vontade de encaixar no futuro alguns projetos de direção. Gostei da brincadeira”, insistindo em sua visão do set como um playground.
PEDRO PÁRAMO
- Classificação 16 anos
- Elenco Manuel Garcis-Rulfo, Tenoch Huerta e Ilse Salas
- Produção México, 2024
- Direção Rodrigo Prieto
- Onde assistir Netflix