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Teatro e Dança

Prisioneiro 12.207 em sessão extra e gratuita neste domingo

Em estreia nesse fim de semana, espetáculo, em cartaz no Teatro dos Bancários (314/315 Sul), subirá ao palco às 17h.

Eduardo Naoum

07/04/2024 14h01

Espetáculo Prisioneiro 12.207. Crédito: Cleiton do Carmo.

Espetáculo Prisioneiro 12.207. Crédito: Cleiton do Carmo.

Prisioneiro 12.207″, espetáculo que teve ingressos esgotados, abre sessão extra no Teatro dos Bancários (314/315 Sul), neste domingo (7), às 17h, em memória aos 60 anos do golpe militar. com A entrada é franca, mediante retirada de ingresso pelo Sympla.

A peça se passa no período que sucedeu o golpe militar, quando o Brasil, durante 21 anos, viveu um regime autoritário que restringiu os direitos políticos, censurou a imprensa, além de perseguir e torturar milhares de brasileiros.

Em uma criação de Bruno Estrela e Silvia Viana, e direção de André Amahro, o personagem principal Alex, um fã dos Mutantes que já estava preso, teve sua rotina de torturas alterada pela chegada de Martina, uma mulher que desperta seus sentimentos mais profundos e o confronta com verdades que podem mudar o destino dele e do seu país. Além de Martina, o protagonista tem diálogos com um rato, seu companheiro de cela, que reflete sua solidão e sua fragilidade.

Espetáculo Prisioneiro 12.207. Crédito: Cleiton do Carmo.
Espetáculo Prisioneiro 12.207. Crédito: Cleiton do Carmo.

Dados recentes do Datafolha mostram que 63% dos brasileiros desprezam a data que faz referência aos 60 anos do golpe. Nesse cenário, o espetáculo funciona como um alerta para as novas gerações sobre os perigos de repetir os erros do passado.

“São crueldades que aconteceram há pouco tempo. E se observarmos atentamente, fica nítido que essas ameaças à liberdade humana ainda rondam a sociedade brasileira”, diz Silvia Viana, produtora e atriz da peça.

A obra foi fruto de uma extensa pesquisa sobre o tema e traz como base livros, documentos, poemas e depoimentos de pessoas que sofreram violações dos direitos humanos nesse período. Além disso, inspirou-se livremente em trechos do relatório da Comissão da Verdade, que investigou os crimes cometidos pelo regime.

“Foi muito doloroso, mas só reforçou a minha certeza de que era preciso contar essa história mais uma ou dez vezes para que ela não seja esquecida, ou pior, distorcida de forma cruel”, constanta Bruno Estrela, que também assina o texto da peça.

Confira nosso bate-papo com Bruno Estrela:



Você tem alguma ligação pessoal com o período ditatorial? Algum parente ou amigo que sofreu com o golpe militar?
Não. Lembro de, ainda criança, assistir filmes e séries na TV sobre o tema e ficar sempre muito amedrontado. Sempre ouvi muitas histórias e perguntei bastante sobre esse período para os mais velhos. E um dia, em um bar, conheci um homem que disse que seu pai havia sido preso por vender discos considerados “subversivos”. Ele já tinha bebido bastante, então eu não sei qual a porcentagem de verdade nas histórias que contou. De qualquer forma, achei poeticamente trágico e rico dramaturgicamente. Deixei aquilo guardado na memória e essa história acabou sendo o que me fez encontrar o personagem principal da peça, Alex, que é fã dos mutantes, apaixonado pela Rita Lee e vende discos de vinil em uma loja.


De onde veio a ideia da peça?
Veio do medo e do pavor de imaginar que o Brasil pudesse voltar a um período de repressão, de me dar conta que a vida real era mais absurda e grotesca que qualquer ficção. Foi aí que a peça começou a aparecer como um reflexo distorcido da realidade que pudesse dar voz aos que foram silenciados durante a ditadura. Queria criar uma obra que não apenas contasse a história do regime, mas que transformasse o discurso em algo humano e que provocasse reflexões sobre o passado, presente e o futuro do Brasil. O que se vê no palco, agora, é um mosaico de histórias roubadas, personagens e situações que se equilibram entre a ficção e a realidade, e representam a dor, a resistência e a esperança que marcaram essa parte sombria da nossa história.

Quais foram as dificuldades ao abordar o tema?
A maior dificuldade foi acreditar que tudo aquilo tinha, de fato, acontecido. É tão surreal que até entendo que os mais frágeis e alienados duvidem que tais atrocidades foram, realmente, cometidas.
Para alguns é grotesco demais pra aceitarem como verdade. Então, fica mais fácil fugir. Depois que li o relatório da Comissão da Verdade, tive uma crise de choro copiosa e me desafiei a encontrar as palavras certas para traduzir a podridão do regime de forma que o público pudesse entender. A linguagem, muitas vezes, é insuficiente para expressar a crueldade e a estupidez humana.
Mas, no fim, encontrei meu caminho por meio da simplicidade e da poesia, mas também da bizarrice e até da grosseria. Era a única maneira de criar uma peça que fosse acessível, tocante e pudesse afetar alguém. Não queria apenas chocar ou deprimir as pessoas, mas também queria que elas se sentissem responsáveis por lutar contra qualquer tipo de silenciamento. Se este trabalho afetar um ou dois eu já me sentirei útil artística e socialmente pro meu país.


Como você viu os recentes movimentos pró-ditadura que ocorreram no Brasil?
Vi essas pessoas como vejo baratas que saem do esgoto depois de uma chuva forte, achei tudo repugnante, inconveniente e perigoso. É como se a existência daqueles anos sombrios tivesse sido apagada desse país. Tenho esperança e trabalho para que a história não se repita, o povo brasileiro já provou do gosto da liberdade e não vai voltar a se submeter à ditaduras nunca mais. Por outro lado, não se pode menosprezar a audácia desses movimentos absurdos que vêm apavorando o Brasil e a democracia, a exemplo do 8 de janeiro de 2023, é um sinal de que ainda há muito a ser feito para superar o legado da ditadura e construir uma sociedade verdadeiramente democrática. Esses movimentos são extremamente preocupantes e representam uma ameaça aterrorizante.


Qual sua expectativa sobre a recepção do público mais conservador, considerado de “direita”?
A julgar pelos comentários que já ouvi, tenho certeza de que os “bons cidadãos” vão detestar a peça, será como um soco no estômago do ego frágil deles. Mas, sinceramente não me importo com a opinião dos conservadores. Eles têm medo da verdade, então jamais vão gostar de vê-la de forma nua e crua.
Que se afoguem em sua própria ignorância! Essas pessoas acham que o trabalho do artista é quase sempre uma provocação desnecessária, elas se incomodam com o poder que a arte tem de estimular o questionamento, a reflexão e muitas vezes alterar a percepção daqueles que se deixam afetar por ela.
É isso que busco e sempre buscarei com o meu trabalho: provocar o debate, estimular a reflexão crítica e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. Sei que é exatamente isso que torna a minha arte inconveniente e indigesta para muitos. Que busquem outras formas de ópio para escapar da realidade que explode na cara deles. Não posso ajudá-los em nada.

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