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Sérgio Camargo foi acusado de assédio moral anos antes de comandar a Palmares

A decisão acontece no âmbito de uma ação do Ministério Público do Trabalho que pede o afastamento de Camargo da presidência da Palmares

FolhaPress

15/10/2021 15h24

Foto: Agência Brasil

Eduardo Moura
BELO HORIZONTE, MG

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, foi nesta semana afastado pela Justiça das atividades relacionadas à gestão de pessoas da instituição. Dessa forma, ele fica proibido de nomear e exonerar servidores. A decisão acontece no âmbito de uma ação do Ministério Público do Trabalho que pede o afastamento de Camargo da presidência da Palmares por denúncias de assédio moral, perseguição ideológica e discriminação contra funcionários da instituição.

Muito antes de assumir o cargo no governo Bolsonaro, Camargo já tinha sido acusado de assédio moral por ex-colegas. Alguns dos relatos sobre o seu histórico profissional foram revelados pelo site Alma Preta em março deste ano. A reportagem pediu um posicionamento de Camargo em relação às acusações por meio da assessoria de imprensa da Fundação Palmares, mas não obteve retorno até a publicação.

O atual presidente da Palmares é jornalista e passou por importantes veículos de imprensa na capital paulista. “Sou jornalista e tenho lugar de fala!”, ele postou no Twitter no início do mês passado, ao afirmar que passaria a chamar os principais veículos de imprensa do país de “marginais”. É uma reação a como a imprensa vem cobrindo sua gestão na Fundação Cultural Palmares.

De 2000 e 2015, ele bateu ponto no prédio de três andares onde funcionava a Agência Estado, no bairro do Limão, na zona norte de São Paulo, conforme informa seu currículo no site da Palmares e segundo quatro ex-colegas ouvidos por este repórter, mas que preferiram não se identificar.

No turno da madrugada, Scamar – contração do nome e sobrenome de Camargo e como era conhecido pelos colegas – chegou a ter cargo de chefia. O trabalho consistia em compilar material vindo de agências de notícias e jornais de grande circulação para montar uma espécie de newsletter impressa que resumia as principais notícias do Brasil e do mundo, inicialmente enviada por fax aos leitores.

Das 22h às 5h do dia seguinte, Camargo às vezes trabalhava ouvindo Mahler e Schubert no fone de ouvido –e dava boas dicas de música clássica aos colegas, dizem. Entre os assuntos para a hora do cafezinho, musculação era um de seus tópicos preferidos.

Também fazia piadinhas homofóbicas e preconceituosas, mas eram os anos 2000, quando era mais comum fazer vista grossa a esse tipo de coisa. Colegas de Redação também destacam que Camargo se posicionava fortemente contra cotas raciais.

Quando ele chegou a um cargo mais alto na hierarquia da madrugada, sua postura ficou mais rígida. Há relatos de que Camargo tratava um jornalista em específico, que ocupava um cargo mais baixo na hierarquia, a mão de ferro – passava maiores demandas e atentava para detalhes mínimos. Eventuais erros eram motivo para Camargo desmerecer o funcionário, chegando a dizer que o subordinado era um péssimo jornalista.

Ex-colegas disseram a este repórter que Camargo gritava ofensas e quase partiu para a agressão física contra o profissional. Após o episódio, o jornalista foi transferido para outro setor e foi afastado pouco tempo depois, enquanto Camargo seguiu no posto.

Antes disso, outro jornalista da casa, mas que não trabalhava no mesmo departamento, também entrou em rota de colisão com Camargo. Ele havia apresentado um atestado médico para uma ausência no trabalho. Quando o atual presidente da Palmares soube que, na verdade, o colega tinha faltado para ir a um show do cantor Elton John, tratou logo de contar para a chefia. No site da Fundação Palmares, o currículo de Camargo vai só até 2015. Foi esse o ano em que ele se desligou da Agência Estado.

A partir daí, Camargo partiu em um périplo para terras mais ao norte no Brasil. Ele chegou a morar no Rio Grande do Norte e no Maranhão, segundo seu pai, o escritor Oswaldo Camargo, confirmou em entrevista recente. Ex-colegas dizem que, após não ter conseguido se recolocar como jornalista, ele teria passado a vislumbrar a possibilidade de prestar concurso público e que, no Nordeste, teria trabalhado em um bar e restaurante.

Além de gostar de Mahler e musculação, Dostoiévski e Beyoncé, Camargo é há muito um entusiasta de novas tecnologias e demonstrava gosto por redes sociais desde sua época na Agência Estado. Até meados de 2019, seu feed era composto por fotos de família e viagens – até que, em agosto daquele ano, ele postou uma frase da ativista conservadora pró-Trump Candace Owens. “Se você tem uma visão permanente de si mesmo como vítima, você se torna o seu próprio opressor” é a mensagem atribuída a ela.

O tom e a frequência das postagens começa a partir daí a escalar rápido. Uma famosa fotografia em que o jornalista usa uma camisa azul foi postada nessa época –originalmente, a camisa era vermelha, mas a cor foi alterada digitalmente. Camargo foi nomeado para o cargo na Palmares em novembro de 2019. Segundo os relatos coletados pelo Ministério Público do Trabalho, alguns deles revelados também no programa Fantástico, da Globo, Camargo manteve ainda o jeito truculento de tratar seus funcionários.

Nos depoimentos, funcionários da Palmares afirmaram que Camargo associa pessoas de “cabelos altos” –em referência a penteados afro– a malandros. Além disso, servidores concursados teriam pedido demissão por causa de um clima de terror psicológico criado na instituição sob o comando do atual presidente do órgão, que perseguiria o que ele define como “esquerdistas”.

Funcionários ainda dizem que Camargo chamava um ex-diretor da Palmares de “direita bundão” por não exonerar “esquerdistas” da Palmares. Além do afastamento, o Ministério Público do Trabalho também pede que Camargo pague indenização de R$ 200 mil por danos morais, segundo a TV Globo.

Nas redes sociais, ele segue criticando o movimento negro, o jornalismo e até mesmo as acusações de assédio moral. “Na verdade, presido um reino de terror e tortura, mwahahahahaha…”, publicou na semana passada. Nesta segunda, logo após a divulgação da decisão da Justiça, ele postou que a acusação de assédio moral é “mera narrativa gerada por militantes de esquerda e traíras que tive a infelicidade de nomear”. “Estou tranquilo e confiante.”

A reportagem entrou em contato com a Fundação Palmares para pedir um posicionamento sobre as acusações de assédio moral – tanto as recentes quanto as antigas. Não houve resposta até o momento da publicação. Nomeado por Roberto Alvim, ex-secretário especial da Cultura, em novembro de 2019, Camargo acumula polêmicas e toma decisões questionadas na Justiça desde que foi escolhido para o cargo.

Ele chegou a deixar a presidência da fundação no mês seguinte à nomeação, após a Justiça acatar uma ação civil que pedia a sua suspensão. O pedido dizia que ele contrariaria o cargo em razão de suas várias críticas feitas a Zumbi dos Palmares e ao movimento negro. No ano passado, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça derrubou a decisão.

À frente do órgão, que é responsável por preservar memória e cultura negra, Camargo empreendeu uma cruzada ideológica. Em junho deste ano, a Palmares publicou um relatório intitulado “Retrato do Acervo: A Doutrinação Marxista”, segundo o qual metade do acervo de livros da instituição seria excluído –entre os os títulos expuragados, estariam os de autores como Karl Marx, Friedrich Engels e Lênin, mas também Max Weber, Eric Hobsbawm, H. G. Wells, Celso Furtado, Carlos Marighella e Marco Antonio Villa.

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