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Paisagens de Lucas Rubly evocam um pequeno mundo antigo à beira da ruína

Ao se deparar com a obra “Casa Pintada de Preto”, ele admite que “nem todo abrigo é um lugar seguro”

Redação Jornal de Brasília

15/11/2024 16h20

paisagem

Foto: Vitor Nassar/ Divulgação

MATHEUS LOPES QUIRINO
(FOLHAPRESS)

Um pequeno castelo resiste às intempéries em uma praia de areia dura onde a névoa encobre a paisagem. Uma evocação ao siroco mediterrâneo, outrora cenário da literatura e do cinema, como no longa “Morte em Veneza”, de Luchino Visconti, em que a tempestade lançada das areias do Saara anunciava a temporada de peste e desilusão.

A construção perene da obra “A Onda” não é característica de nossos tempos hiperconectados. Pertence a um pequeno mundo antigo e habita o imaginário do pintor Lucas Rubly, 33, que ganha sua primeira individual “A Cor do Sonho de Ontem” na galeria Verve. Entre os temas tocados, estão a valorização da memória para a compreensão do presente e a impossibilidade do retorno em um mundo colérico.

A melancolia é uma característica das atmosferas oníricas criadas por Rubly, onde casebres fincados em montanhas e ruínas à beira-mar evocam um cenário hostil marcado pela impossibilidade da prosperidade e pelo vazio. “Sou um pintor cheio de medos. Mas acredito que do caos se pode vislumbrar alguma beleza. Horror e beleza estão ligados”, diz Rubly.

Ao se deparar com a obra “Casa Pintada de Preto”, ele admite que “nem todo abrigo é um lugar seguro”.

A representação da frágil edificação remete ao passado recente, quando passou por apuros na antiga casa onde morava com a família. Designer gráfico de formação, Rubly resolveu se tornar tatuador em meados de 2019, quando investiu em cursos da área e planejava abrir um estúdio.

Mas os planos não vingaram por conta da pandemia de Covid-19, quando o isolamento impôs uma rotina de rígidos cuidados sanitários. Sem clientes, à época com 29 anos, em 2021, o jovem pleiteou uma bolsa em um curso de história da arte online e redescobriu uma paixão: a pintura. Com a ajuda da mãe, recortava pequenos quadrados em caixas de papelão que depois eram preparados com goma arábica. Suas primeiras obras foram realizadas neste formato.

“Não tinha dinheiro para comprar telas e tintas de boa qualidade, então recortar o papelão foi o jeito que achei. No começo, usava só quatro cores. Naquele momento em que a pandemia estava no auge e ninguém sabia o dia de amanhã, a pintura foi a maneira de lidar com a solidão”, conta o artista.

Sua produção figurativa ganhou destaque em exposições coletivas como “Surge et Veni”, na Galeria Millan, e na Casa SP-Arte, ambas realizadas no primeiro semestre. Agora, Rubly amplia seu repertório, apresentando também telas abstratas e obras tridimensionais ao lado das paisagens. Ele comenta que as novas composições foram inspiradas pelas fitas VHS digitalizadas e pela fotografia analógica, cujas cores, alteradas pelo tempo, revelam cenas de sua infância nos anos 1990.

Na obra “Inocência”, ele retrata um sol proeminente e conduz o pincel para além das formas canônicas e bem delineadas da maioria de suas paisagens. Nesta tela, ele dialoga com o mestre Amadeo Luciano Lorenzato, coloca o sol no centro, e experimenta a luz poderosa que emana do astro. Em outras telas, como “Poeira ao sol”, a luz é filtrada, as cenas ganham profundidade com a presença da névoa – chegando até adquirir tons soturnos, como na natureza morta “Flores vermelhas e brancas”.

“Quero apontar para algumas espécies de violência em minhas obras, quando pinto um vaso com flores, por exemplo, quero colocar em foco a agressão à natureza. O desejo do homem de aprisionar a beleza e tirar da natureza o que a ela pertence”, diz o pintor, que sustenta uma espécie de estética do abandono.

Ao procurar na história da arte respostas para o tempo presente, Rubly realiza uma incursão aos grandes mestres. Recorre às paisagens desconstruídas do americano Richard Diebenkorn e aos recantos luminosos do suíço Felix Vallotton, que, no final da vida, voltou sua atenção para a paisagem de Canha de Mar, no sul da França.

Segundo a curadora Marina Schiesari, que assina também o texto crítico da mostra, “É visível a história da pintura encapsulada em sua tela, absorvendo influências canônicas como as de Hopper, na forma, Morandi na paleta, Tuymans na relação com a imagem, Goya no pessimismo”. À lista de influências, pode-se acrescentar também o lirismo característico dos artistas que fizeram parte da Escola de Barbizon em meados do século 19.

Uma espécie de tensão imanta as cenas frugais das praias, desertos e jardins presentes no universo do artista. Ao pintar os caminhos criados pela mão do homem no campo, Rubly coloca em segundo plano a destruição como algo iminente à lógica do progresso. Seu mundo idílico parece estar pronto para ruir, mas permanece. Porque, ao menos no sonho, as cenas opacas das viagens feitas quando menino pelas estradas da serra da Mantiqueira coexistem com as paisagens dos grandes mestres que admira.

Rubly parece ter compreendido que “O tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo”, como escreveu Machado de Assis em seu romance “Esaú e Jacó”.

Ele admite que em sua pintura o tempo está suspenso. “Para criar uma atmosfera em que o silêncio aponta a direção, a permanência”. Como um artesão, o paulistano cria em pedaços de madeira e em argila, elege paisagens que dialogam com o universo do italiano Giorgio Morandi, uma de suas referências na pintura a óleo.

Assim como Morandi, o jovem confere à pintura uma aura sagrada. Trabalha com a iconografia de pequenos objetos e construções singelas. Como um devoto, acorda cedo, prepara tintas, e preza por um ambiente silencioso para criar. “Na vida, a tragédia é quase sempre iminente. Mas eu me lembro do que o [Henri] Matisse dizia, que a sua fé era na pintura. É a minha fé também”.

A COR DO SONHO DE ONTEM

– Quando Ter. a sex., das 11h às 18h; sáb., das 12h às 17h. Até 23 de novembro
– Onde Galeria Verve – av. São Luis, 192, São Paulo
– Preço Grátis

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