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Música

Renato Russo, Chorão: o que ídolos achariam de ‘voltar’ por IA? Ex-parceiros opinam

O tema é complexo e muitos artistas aqui no Brasil parecem não querer ainda manifestar sua opinião sobre o uso da IA

Redação Jornal de Brasília

17/07/2023 14h55

Foto: Reprodução

O ex-baterista da Legião Urbana, Marcelo Bonfá, é “categórico em dizer que Renato Russo não gostaria de se ouvir copiado por inteligência artificial”. Já Chorão, do Charlie Brown Jr, era original demais para aceitar cópias, enquanto Dinho, dos Mamonas Assassinas, entraria na brincadeira, opina Rick Bonadio, que produziu as duas bandas.

O cantor e compositor Daniel Gonzaga, neto de Gonzagão, acha “impossível o computador reproduzir memórias afetivas”. Mas ele imagina que o pai, Gonzaguinha, gostaria de aparecer em dueto póstumo com o avô. Danilo Caymmi crava sobre Dorival: “Meu pai sempre gostou de tecnologia e nunca foi contra o progresso”. Mas o filho se preocupa com um ataque de alta tecnologia aos direitos autorais.

As opiniões acima são resultado de uma busca do Estadão a parceiros e herdeiros de grandes nomes da música para fazer duas perguntas:

– O que você acha dos resultados produzidos até agora de vozes e imagens refeitas por meio da IA?

– Conhecendo seu parceiro, acha que ele gostaria de ter a voz dele recriada artificialmente?

O uso de ferramentas de inteligência artificial (IA) para recriar imagens ou vozes de artistas já é uma realidade dentro da música. Aqui no Brasil, os dois exemplos mais expressivos até agora são a imagem da cantora Elis Regina (1945-1982) cantando ao lado da filha Maria Rita em uma comercial de TV e o dueto que o jovem cantor João Gomes, 20, o rei do pisero, fez em um show com Luiz Gonzaga, o rei do baião, que morreu 13 anos antes de Gomes nascer.

Os casos guardam diferenças – a semelhança é que ambos foram patrocinados por marcas. Elis e Maria Rita cantaram Como Nossos Pais, de Belchior. Nesse caso, foi Maria Rita que fez a intervenção em cima de uma gravação deixada por Elis, de 1976 – o que foi recriado no comercial foi o rosto de Elis, por meio da técnica de deep fake.

No dueto de Gonzagão com Gomes a questão é mais complexa. O compositor de Asa Branca ‘cantou’ Eu Tenho a Senha, sucesso de Gomes, música que ele nunca gravou. Antes do dueto, a voz artificial, incrivelmente parecida com a de Gonzaga, dizia que Gomes “é menino bom”.

Assim como essas duas amostras do uso da inteligência artificial dentro da música – as produções foram autorizadas pelos herdeiros dos artistas – outras tantas têm surgido nas redes sociais, o que demonstra o poder e o barulho que essa tecnologia pode causar daqui para frente. Já há criações não oficiais com vozes de ídolos como Chorão, Renato Russo, Marília Mendonça, Cristiano Araújo e Gabriel Diniz – esses parecem ser os alvos até o momento.

Nem todos procurados pela reportagem responderam (veja a lista mais abaixo).

Gostariam ou não?

Daniel Gonzaga reconhece que o tema é delicado. Neto de Gonzagão, cuja voz foi recriada para o dueto com João Gomes, e filho de Gonzaguinha (1945-1991), Daniel diz que nem sempre o resultado sai como esperado. “É impossível reproduzir no computador cada memória afetiva.”

Daniel afirma que o tema já acompanha a família há algum tempo – a voz de Gonzaguinha já foi usada em um comercial e a de Gonzagão apareceu em um dueto póstumo com Ivete Sangalo, produzido pelo próprio Daniel, ambas com vozes originais.

Daniel conta que nunca pensou em fazer um dueto inédito com o pai. “Talvez seria interessante se fosse em uma música minha. Fazer uma música ou um comercial não é reencontrar a pessoa”, diz.

Daniel diz que não conhecia o pai tão bem, mas que ele era uma pessoa voltada para o futuro e para as novas tecnologias. “Não posso falar por ele. Mas acho que ele ficaria satisfeito. Acho que ele ficaria mais satisfeito ainda em fazer com o meu avô do que comigo.”

Tempo perdido?

O baterista Marcelo Bonfá, um dos fundadores do Legião Urbana, é enfático ao dizer que não quer ouvir a voz do amigo Renato Russo cantando algo que ele nunca tenha gravado quando estava vivo. “Sobre o Renato eu sou categórico em dizer que ele não gostaria de se ouvir copiado pela IA, nem comigo nem com ninguém”, diz Bonfá ao Estadão.

“Não ouvi e não quero ouvir nada que tenha sido feito com a voz do Renato copiada pela IA. Não me interessa a voz dele nem nada que tenha sido feito de forma que queira imitá-lo, nem pela IA e nem por seres humanos”, continua o músico.

Para o músico, a recriação da voz de um artista por meio da tecnologia, para ser usada em uma obra que ele sequer registrou, não passa de um mero plágio das “manifestações emocionais” daquilo que ele produziu em vida.

Papo reto

O produtor musical Rick Bonadio, que ajudou a formatar o som e a carreira de grupos como o Charlie Brown Jr e Mamonas Assassinas, diz que a IA aplicada à replicação de vozes está em desenvolvimento e que ainda há espaço para aperfeiçoamento nas produções apresentadas até o momento. “Ainda é esboço do que eram as originais”, define.

Sobre o que dois artistas com quem ele trabalhou, Chorão (1970-2013) e Dinho (1971-1996, vocalista do Mamonas), pensariam de ter suas vozes recriadas artificialmente, Bonadio opina:

“São casos opostos. O Chorão não iria curtir essa ideia. Ele era um cara muito autêntico, original. O Dinho (dos Mamonas) iria achar legal essa brincadeira. Iria curtir.”

Bonadio, que comanda o Midas Studios, diz que até o momento não realizou nenhum trabalho com IA. Confessa que, embora haja um grande apelo do mercado, não tem interesse em fazer nenhuma produção por meio da ferramenta.

“Não é uma área que me atrai. Eu sempre cuido e foco muito na qualidade sonora e na emoção dos artistas”, justifica, em opinião que vai ao encontro da manifestada por Bonfá.

O que é que a tecnologia tem?

O músico e compositor Danilo Caymmi, filho mais novo de Dorival Caymmi (1914-2008), diz que não vê problema se a voz do pai for recriada por meio de ferramentas da inteligência artificial para algum projeto. “Meu pai sempre gostou de tecnologia e nunca foi contra o progresso”.

Contudo, Danilo, que é diretor presidente da Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), entidade de gestão coletiva de direitos autorais, está preocupado com a preservação da titularidade da obra, e se assusta com a velocidade com que a tecnologia tem para processar e criar novas canções, embaralhando, dessa forma, a identificação de autoria de uma música, por exemplo. Marcelo Bonfá e Daniel Gonzaga mostraram a mesma preocupação.

“Será quase um tsunami. A única maneira é regulamentar. Temos (artistas e entidades ligadas aos direitos autorais) que nos antecipar. Conversar com juristas, com o Ministério Público, e garantir a preservação dos direitos autorais. O copyright (usado em países como Estados Unidos e Inglaterra) paga em cima da música e não do autor. No Brasil, a gente protege o autor. É esse o problema que tem me tirado o sono”, diz. Danilo afirma que já se movimenta para propor medidas de regulamentação sobre a questão.

A cantora Madonna, de acordo com o jornal The Sun, incluiu em seu testamento uma cláusula em que proíbe o uso de sua imagem e voz em hologramas e produções feitas por meio da inteligência artificial depois que ela morrer – a informação não foi confirmada oficialmente pela cantora.

Questionado se esse pode ser um caminho, Danilo diz que sim. “É válido. Isso forçaria pelo menos um pedido de autorização para os representantes do artista”, diz.

Não quiseram falar

O tema, de fato, é complexo. Muitos artistas aqui no Brasil parecem não querer ainda manifestar sua opinião sobre o uso da IA, conforme demonstram as negativas recebidas pela reportagem do Estadão.

Foram também procurados, por meio de suas assessorias, a cantora Maria Rita, que informou que não tem se pronunciado a respeito do dueto com Elis; Frejat para falar sobre Cazuza; Jorge Du Peixe para falar sobre Chico Science; Daniel para falar sobre João Paulo; Buchecha para falar sobre Claudinho, Felipe Araújo para falar sobre Cristiano Araújo e MC Hariel para falar sobre MC Daleste e MC Kevin.

Estadão Conteúdo

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