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Música

Por que artistas pop como Anitta e Luísa Sonza fazem músicas cada vez mais curtas

cortei metade da música. Sabia que ela era maior?”, diz às gargalhadas a cantora Luísa Sonza sobre uma das faixas de “Escândalo Íntimo”

Redação Jornal de Brasília

09/10/2023 10h33

Foto: Pam Martins / Divulgação

MATHEUS ROCHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

“Disse para colocarmos o dedo na ferida e lançar Campo de Morango. Ainda cortei metade da música. Sabia que ela era maior?”, diz às gargalhadas a cantora Luísa Sonza sobre uma das faixas de “Escândalo Íntimo”, que teve a maior estreia de um álbum no Spotify do Brasil.

Quem não achou muita graça foram os usuários do X, o antigo Twitter. A canção deixou muita gente espantada por ter apenas um minuto e 16 segundos. O resto do álbum segue o mesmo padrão ?das 24 músicas, 13 têm menos de três minutos.

A tendência se repete nos últimos trabalhos de outros artistas pop, como Ludmilla e Pedro Sampaio. Esta, porém, não é uma realidade só do Brasil. Prova disso é que alguns dos principais hits americanos dos últimos anos têm duração exígua, como “As it Was”, de Harry Styles, e “Montero”, de Lil Nas X.

O rapper americano, inclusive, foi alçado à fama mundial em há quatro anos após lançar “Old Town Road”, que com apenas um minuto e 53 segundos se tornou a canção que liderou por mais tempo as paradas dos Estados Unidos.

Uma pesquisa da Universidade da Califórnia, de Los Angeles, nos Estados Unidos, analisou 160 mil faixas do Spotify e constatou que a duração média das músicas diminuiu um minuto e três segundos entre as décadas de 1990 e 2020.
“A tendência daqui para a frente é encurtar cada vez mais”, diz Douglas Moda, um dos produtores do disco de Sonza. Para ele, é um processo que tem acontecido por influência do streaming e das redes sociais, que tendem a beneficiar a propagação de conteúdos curtos.

“Durante palestras, as empresas dizem que canções que vão melhor são as que têm no máximo dois minutos e meio”, diz ele, em referência a plataformas como TikTok, uma das principais vitrines para a divulgação musical.

O produtor afirma que, apesar disso, os artistas devem ter cautela antes de seguir essa orientação. “A gente não pode se apegar muito ao que empresas e rádios vão falar sobre a nossa arte. E já tem gente se rebelando contra isso.”

Um exemplo é a cantora americana Halsey. No ano passado, ela afirmou que sua gravadora a impedia de lançar um projeto novo porque queria que o produto viralizasse no TikTok. “Tudo é marketing, e eles estão fazendo isso com todo artista hoje em dia”, disse ela.

No caso de “Escândalo Íntimo”, afirma o produtor, a escolha de músicas mais curtss não se deu para agradar as plataformas, mas para romper fórmulas já estabelecidas no mercado. Além de ser curta, “Campo de Morango” traz o refrão logo no começo, algo pouco comum, diz ele.

Os produtores estrangeiros do disco teriam estranhado as mudanças. “Diziam que a gente era louco por cortar a música no meio. Eles não entendiam.”
O público parece não ter entendido também. O produtor diz que o disco teria faixas ainda mais curtas do que as lançadas, mas Sonza mudou de ideia após as reações negativas.

Anitta também apostou na brevidade para fisgar o público quando lançou “Funk Rave”, que tem dois minutos e 27 segundos. Produtor da faixa, o DJ Gabriel do Borel afirma que o encurtamento das músicas, um fenômeno em curso há alguns anos, foi acelerado pelo TikTok.

Para ele, tecnologias como essa aumentam o imediatismo do público, o que impacta desde o cinema até o jornalismo. “Não seria diferente na indústria musical”, diz, acrescentando que o senso de urgência do também influencia a estratégia de lançamento. “Antes, os artistas lançavam um disco e passavam um ano trabalhando para que todas as faixas fossem conhecidas.”

Hoje, as pessoas consomem canções com a mesma voracidade com a qual aceleram áudios de WhatsApp ou maratonam séries. “Elas ouvem um lançamento e já querem outro. O tempo se tornou muito mais precioso, porque é difícil prender o público por muito tempo”, diz o DJ.

A afirmação encontra eco em estudos científicos. Em 2021, uma pesquisa da King’s College, de Londres, na Inglaterra, entrevistou 2.093 britânicos e constatou que 49% deles consideravam que sua concentração havia diminuído com o passar dos anos.

E se a disputa pela atenção do ouvinte tem provocado mudanças profundas na música, a duração não é a única delas. Um artigo do The New York Times explica que canções pop costumavam ter a mesma estrutura desde os anos 1960 ?isto é, verso, pré-refrão e refrão.

Esse paradigma começou a mudar na década de 2010, com o avanço do streaming e das redes sociais. Hoje, é comum os artistas deixarem o verso de lado para começar com um gancho isto é, um elemento sonoro cativante e chamativo.

“Do Spotify ao TikTok, o objetivo é criar músicas que prendam a atenção do ouvinte do começo ao fim. Você não está apenas competindo contra outros artistas. Está competindo contra tudo o que ocupa nosso tempo, de podcasts à televisão”, diz o texto.

O musicólogo Nate Sloan, um dos autores do artigo, afirma que a estrutura tradicional do pop costuma levar alguns minutos para atingir o clímax. “Muitas obras contemporâneas presumem que os ouvintes não têm paciência para uma construção tão longa e oferecem o ápice já nos primeiros segundos.”

Professor da Universidade do Sul da Califórnia, Sloan afirma que os serviços de streaming incentivam as canções mais curtas. “Se alguém ouve a música inteira, é mais provável que ela seja colocada em uma playlist do Spotify, o que aumenta a sua exposição.”

O produtor Rick Bonadio, que esteve por trás do sucesso de grupos como Rouge e Mamonas Assassinas, diz que a concorrência pela atenção do ouvinte está tão acirrada que o solo instrumental virou um elemento quase proibido.

“Quanto antes começar a letra parece ser melhor para o mercado”, diz ele, que não vê com bons olhos o encurtamento do pop. “Isso faz com que a qualidade caia e a musicalidade seja colocada de lado cada vez mais. Vale mais o clique do que a canção e a letra poética.”

Embora possam parecer simples, trabalhos curtos escondem uma série de desafios. É isso o que diz a cantora King, que também compõe e já trabalhou com nomes como Iza e Elza Soares.

Uma das dificuldades seria transmitir mensagens em pouco espaço e lidar com a demanda por novidades. “A gente precisa lançar todo mês”, diz ela. “A gente leva muito tempo para criar, mas aí a música se esvai com muita facilidade. São no máximo dois meses divulgando. Depois, acabou. Pula para a próxima.”

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