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Música

Mais maduro e consciente, Kel lança EP “Sangue Frio”

No segundo EP da carreira, o artista passa a trazer sua visão sobre temas do cotidiano. Em entrevista ao JBr, Kel fala sobre o lançamento e faz projeções para a carreira

Willian Matos

30/09/2022 5h00

Kel

Foto: Leticia de Maceno/Divulgação

O rapper Kel lança, nesta sexta-feira (30), o segundo EP da carreira. “Sangue Frio”, já disponível nas plataformas digitais, representa uma nova fase artística do jovem brasiliense. Mais ambientado com o estúdio e com maior vivência a respeito de temas do dia a dia, Kel traz sua visão de mundo em quatro faixas, produzidas por Jojo Baby.

As duas primeiras faixas, “Caveirão” e “Tanque de Guerra”, falam de perseguição e genocídio negro. As duas últimas, “Preto Chiq” e “Novin” (essa com participação de Aggin), ainda abordam esses pontos, mas trazem uma visão mais ‘debochada’ da coisa. “Trago uma visão coletiva a partir da minha vivência como jovem preto periférico. Falo de coisas que eu vi, vivi, aprendi. Não falo só por mim, mas também por pessoas que são como eu”, conta o rapper ao Jornal de Brasília.

O nome do EP, Sangue Frio, procura transmitir a ideia de que o jovem negro precisa ter calma em determinados momentos. “O sistema é foda, te coloca em posições que exigem que você tenha sangue frio. Se você não souber se portar e dançar conforme a música, aquilo pode representar um fim, seja ele qual for”, alerta.

Kel foi uma das atrações do Festival CoMA deste ano. Na apresentação, o rapper entregou uma performance que envolveu dança, para além dos beats e letras. “Nos esforçamos para entregar um bom show independente da quantidade de pessoas que estivessem assistindo. A partir de agora, praticamente todos os meus trabalhos vão envolver dança, isso já está inserido no meu trabalho de forma muito profunda.”

Confira a entrevista completa:

Como foi o processo de criação do EP ‘Sangue Frio’?

O EP não teve um processo de criação linear, mas as músicas foram feitas na mesma época, no início de 2021. Eu precisava escrever, passei 2020 imerso em um bloqueio criativo enorme. Em janeiro de 2021, fui para o Rio de Janeiro. A gente ficou no Morro do Tabajara e viu o Rio como ele é, da forma mais nua e crua possível. Eu subia o morro e via criança armada, tráfico de drogas de uma forma muito natural, a polícia convivendo com aquilo… toda essa proximidade com aquela realidade me trouxeram ideias e, quando eu voltei, consegui escrever essas músicas. Eu escrevi as faixas sem um intuito de juntá-las num EP, mas depois ouvi de novo e pensei: “Essas músicas fazem muito sentido juntas, preciso lançar.”

Nesse novo trabalho, você se diz mais maduro e consciente. Por que? Qual a diferença em relação ao primeiro EP?

Meu primeiro EP, o Treeze, era a minha experiência em estúdio. Apesar de ser da comunicação e ter experiência em escrita, minhas composições daquela época ficaram muito focadas no momento que eu estava vivendo, que era um período de término de relacionamento. Eu estava muito focado em escrever sobre o que eu estava sentindo. Agora, tanto eu quanto o Jojo (Jojo Baby, produtor dos dois EPs) estamos em outra fase, os beats que ele fez agora são totalmente diferentes.

Nas letras do ‘Sangue Frio’, eu trago uma visão coletiva a partir da minha vivência como jovem preto periférico. Falo de coisas que eu vi, vivi, aprendi. Não falo só por mim, mas também por pessoas que são como eu. É um EP com muito mais rimas, mais trap, mais voltado para uma visão de mundo.

O nome “Sangue Frio” tem a ver com essa maturidade?

O nome surgiu de um brainstorming que eu fiz com o Jojo. O nome Sangue Frio remete a uma visão estrategista da parada. Em alguns momentos você tem que ter sangue de barata, mesmo, porque o sistema é foda, te coloca em posições que te exige sangue frio. Se você não souber se portar e dançar conforme a música, aquilo pode representar um fim, seja ele qual for. Eu falo disso na faixa ‘Caveirão’:

O novo EP discute política, genocídio preto, drogas, dinheiro, temas que o RAP tem quase que o dever de falar, e você não foge disso. De que forma você procura abordar esses temas nas suas músicas?

Como são temas que não são novos, eu procuro trazer uma visão minha, com estética e sonoridade minhas. A postura que eu trago no EP é de revolta. Em alguns momentos, chega a ser um convite a ter um olhar revolucionário. Vocês já ouviram Racionais, Djonga, BK e mais uma galera falar sobre todas essas mazelas que a gente vive há anos. E agora? O que a gente vai fazer com isso? De que forma a gente vai romper essas barreiras?

Sobre dinheiro, a gente tem que falar de dinheiro. O artista negro sempre vê recair muita cobrança sobre si. Mesmo após ele ficar rico, a galera quer que o cara continue num barraco, vestindo a mesma roupa. Ele não pode prosperar, senão vão dizer que ele se vendeu. O Emicida, por exemplo, sofreu com isso. Eu trago essa visão de que não é por aí. A gente tem que ser preto chi e tem que ter dinheiro, porque é isso que vai ajudar a gente a subverter essas mazelas e mudar a história da nossa família, da nossa comunidade.

Você participou do Festival CoMA deste ano. Qual a sensação de ir conquistando espaços importantes como esse na cena local?

Foi uma baita realização. Em 2019, eu estava no CoMA como público, vendo o show do Hodari, um grande amigo. Ele levou uma banda com vários músicos, levou a irmã dele pra tocar. Aquilo me comoveu e me fez pensar: “Preciso estar nesse palco também, quero poder levar os meus”. E isso virou uma meta minha e do Alemar (Filipe Alemar, produtor artístico da OBI). Alcançar esse objetivo representou uma enorme conquista justamente pelo trajeto que fizemos.

Uma das curadoras do CoMA acompanha nosso trabalho desde 2019 e, neste ano, ela nos apresentou à curadoria do CoMA e acabou dando certo. Para o show, foram dois meses de ensaio, uma equipe de 16 pessoas, sendo oito bailarinos. Nos esforçamos para entregar um bom show independente da quantidade de pessoas que estivessem assistindo. Aquilo representou um sonho coletivo, se eu estivesse sozinho, não conseguiria fazer aquilo. Se a gente conseguir se articular, a gente chega onde quiser.

Após o lançamento, quais os próximos passos?

Estamos produzindo a parte audiovisual, pretendemos fazer três visualizers e um clipe. Também vou fazer uma sequência de postagens com as coreografias de cada música. A partir de agora, praticamente todos os meus trabalhos vão envolver dança, isso está inserido no meu trabalho de forma muito profunda.

Também estamos preparando um evento de lançamento, que ainda não tem data, e um show específico baseado no EP. A gente quer conseguir construir um show que faça a pessoa sentir o que a gente tá transmitindo. Você pode não me conhecer, não conhecer minhas músicas, mas você vai sair do show tendo uma experiência.

A médio prazo, no ano que vem, quero lançar um álbum com feats de artistas já consolidados. Quero nacionalizar minha carreira, começar a me conectar com artistas de outros estados e até de outros países. Estamos olhando um pouco para fora de Brasília.

EP ‘SANGUE FRIO’
Ficha Técnica
Composição: Kel, Jojo Baby, Aggin
Produção: Jojo Baby
Finalização: Pete Bob
Capa: Kleber Cardoso
Foto de capa: Vítor Lopes
Produção executiva: Filipe Alemar
Produção artística: Valéria Assunção
Produção audiovisual: Raíssa Vilela, Ísis de Oliveira
Fotografia still: Letícia de Maceno

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