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Música

Fagner lança disco político com Belchior sem declarar voto em Lula ou Bolsonaro

Cantor elogia o presidente ao lançar inéditas escritas com seu parceiro, que tem sido resgatado na fervura política do país

FolhaPress

13/10/2022 8h28

Foto: Reprodução

LEONARDO LICHOTE
RIO DE JANEIRO, RJ

Raimundo Fagner e Belchior tinham ainda 20 anos quando escreveram juntos “Mucuripe”, gravada por Roberto Carlos em 1975, quando ter uma canção na voz do Rei era uma carta de entrada no primeiro time da MPB. Eles também brigaram muito ao longo da vida. “Briga mesmo, de porrada”, Fagner descreveu certa vez. Há muita história, portanto, em “Meu Parceiro Belchior”, disco que o cantor lança nesta sexta-feira, quando completa 73 anos, pela Universal Music.

O cearense guarda memórias de cada canção. Das 12 faixas, oito são parcerias de Fagner com Belchior, que morreu em 2017 e foi um dos representantes do grupo que ficou conhecido como Pessoal do Ceará, que incluía ainda nomes como Amelinha e Ednardo. Seis já haviam sido gravadas por artistas como Elis Regina e Wilson Simonal. As outras duas, “Posto em Sossego” e “Alazão”, estavam inéditas até agora.

Surpreende que oito canções deem conta da obra completa da dupla. O número, modesto para uma parceria iniciada no início dos anos 1970, é um atestado da relação conturbada que tiveram.

“Ele chegou a me procurar [para uma reaproximação], mas eu, cabeça dura, não fui. Lamento por a gente não ter feito mais música. Fica a frustração. Os filhos dele falaram que me mandariam poemas dele que eu gostaria de musicar. Tenho muita vontade de fazer isso”, diz Fagner, que faz questão de frisar que, apesar dos conflitos, sua admiração por Belchior nunca vacilou.

A admiração data da primeira vez que Fagner o viu, em 1968, num festival do qual os dois participaram em Fortaleza. “Eu acabei ganhando, mas minha música preferida era a dele. Fiquei encantado. Aliás, devia ter gravado essa canção, ‘Espacial’, neste disco. Vou ter que fazer um volume dois”, diz, entre risos.

No disco, chama a atenção a inédita “Posto em Sossego”, que assim como “Alazão” foi encontrada nos arquivos da censura pelos pesquisadores Renato Vieira e Marcelo Fróes. Outra preciosidade é a rara “Bolero em Português”, que a dupla escreveu para Angela Maria, mas a cantora acabou não gravando. A música tinha, até agora, apenas um registro, feito por Cláudia Versiani em 1978.

“Meu Parceiro Belchior” é um projeto de Robertinho do Recife, que assina a produção e os arranjos. A homenagem inclui convidados. Amelinha, testemunha e partícipe do início da história de Belchior e Fagner, canta em “Bolero em Português”. Frejat faz dueto com Fagner em “Contramão”. “Gravei essa música com Cazuza em 1985”, lembra o cearense. “Cantá-la com com Frejat, parceiro e amigo de Cazuza, foi uma escolha natural. Foi muito emocionante. Fizemos presencialmente, no estúdio.”

A ideia da participação de seu conterrâneo Xand Avião em “Noves Fora”, num misto de forró contemporâneo e samba-rock, surgiu quando eles se conheceram numa live. Fagner diz não acompanhar de perto a cena atual da música brasileira, mas cita um artista que atraiu seu olhar. “Do que tive oportunidade de ouvir, Jão foi o que me despertou mais atenção”, diz o cantor, que lamenta as mudanças do mercado fonográfico, hoje centrado no streaming. “Eu ainda gravo para ver um vinil. Não estou nem aí para as mudanças. Minha cabeça é do passado.”

O canto inconfundível de Belchior também aparece no disco. A voz de sua gravação de 1976 de “A Palo Seco” foi usada para criar um dueto com Fagner. Esta é uma das quatro faixas que Belchior não assina com Fagner. As outras são “Paralelas” (ao vivo, extraída do mesmo show de onde saiu o registro de “Mucuripe” que se ouve no disco), “Na Hora do Almoço” (vencedora do Festival Universitário de Música Brasileira, em 1971, um marco da chegada do Pessoal do Ceará) e “Galos, Noites e Quintais”.

Fagner afirma que queria outras participações que acabaram não acontecendo, como Zé Ramalho e Ivan Lins, e surpreende ao citar um histórico desafeto. “Meu sonho era um dia cantar com Caetano Veloso, se ele topasse, para a gente desfazer essa história. Foi um artista que a gente pensou em convidar para o disco. Seria fantástico ele participar, se não fosse ofensivo para ele.”

Fagner atribui a certa falta de habilidade as desavenças acumuladas ao longo da vida. Lembra que, assim como Belchior, esempre teve um olhar crítico, mas seu parceiro era “mais preparado”. “Ele deixava na poesia. Eu ia para outro campo. Ele era bem preparado para esse confronto poético, esse diálogo crítico. Eu virei carne de leão. Abria a boca, vinha uma pancada.”

Belchior tem sido revivido nos últimos anos em várias regravações e citações, entre elas a mais lembrada, de Emicida, em “Amarelo”, que pega versos de “Sujeito de Sorte”. Em grande medida, isso se deve à recepção que sua obra tem na fervura política do Brasil contemporâneo.

Fagner também identifica um “cunho político” em seu novo álbum. “A nossa história, minha e de Belchior, sempre teve isso. Não acho que necessariamente o artista tem que ter esse envolvimento. Vai quem quer. Eu sempre fui, demais. Às vezes quebrei a cara, noutras me dei bem. Pela linguagem, pela luta, a gente necessariamente traz esse cunho político.”

O artista, porém, evita declarar seu voto para presidente nestas eleições. “Votei no Bolsonaro em 2018. Agora, pintou uma fake news como se eu estivesse votando nele nestas eleições. Já votei em Lula, já estive com Fernando Henrique, Itamar, Mário Covas, Dilma, Aécio, mas neste momento devo ficar na minha e ver o que povo brasileiro vai decidir para que a gente viva dias melhores a partir de agora.”

Apesar de ressalvas, ele avalia positivamente a gestão de Jair Bolsonaro. “Acho que ele tem coisas muito positivas, mas peca muito na hora que fala. É cada uma que a gente não acredita. Por conta disso deve se arrepender, já vi inclusive ele falando disso. Mas no governo em si, na questão econômica, ele está muito bem.”

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