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Entretenimento

Meu nome é Gal

Comprei todos os discos dela e muitos outros me vendidos diretamente por ela. Só não comprei dela os que foram cantados por ela

Gustavo Mariani

10/11/2022 17h04

Certo dia, surgiu um sujeito, em minha terra, na Bahia-Oeste, pra montar um cinema. Tratou de tudo, menos de legalizar a coisa. No dia da estreia, ele recebeu a visita de um agente da Prefeitura Municipal, convidando-o a pagar a taxa de instalação do negócio. Desconcertado, o homem o indagou: “Quem é o senhor?”. E ouviu: “Meu nome é Gal!”

Algum tempo depois, eu estava na Feira do Disco, a mais importante loja musical da Bahia, na Praça da Sé, e era atendido por uma moça educadíssima. Quando eu ia embora, de tão encantado que ficara pela sua meiguice, indaguei-lhe pelo seu nome. E ela respondeu: “Meu nome é Gal”.

Então! O primeiro Gal da minha vida fora um secretário de finanças municipais, Gaudêncio Serbeto; o segundo, uma balconista de loja de discos, Maria da Graça Costa Pena Burgos.

Eu ia muito à Feira dos Discos comprar os compactos simples (de vinil) dos últimos lançamentos do iê-iê-iê daquelas metades da década-1960 de Salvador. Num dos sábados, quando a loja lotava para a moçada gastar a sua mesada comprando discos de Roberto, Erasmo, Renato e Seus Blue Caps, The Brazilian Bitles, Jerry Adriani, etc o gerente da casa, o Seu Edvaldo, avisou que a “Maria da Graça iria participar de um show, pelo final da tarde, no Teatro Vila Velha”.

O Vila, como os baianos o chamavam, era um prediozinho ‘mixuruca’, na Avenida Sete, perto da Praça da Sé. Com certeza, a Gal deve ter encerrado o seu expediente daquele sábado e caminhado até lá, para participar do show. Por aquela época, os cantores e conjuntos (hoje, bandas) iniciantes da Bahia poderiam se apresentavam, também, no Cine Teatro Nazaré, durante as Sabatinas da Alegria, transmitidas pela Rádio Sociedade da Bahia e a TV Itapuã.

E rolou o show. Quase caí ao chão, impressionado pela voz meiga, macia, da minha vendedora de discos. Nunca ouvira um timbre daqueles, tão agradável. Até então, o que as rádios da Bahia tocavam eram cantoras de peito vibrante, voz forte, como Ângela Maria, Helena de Lima, Rosana Toledo, Elza Laranjeira, Isaurinha Garcia, já bem rodadas. Da turma jovem, Wanderléa, Martinha, Vanusa, Rosemary e Nara Leão não emplacavam muito à juventude baiana. A italiana Rita Pavone, com a sua gritaria ‘graviníssima’, emplacava bem mais – até ficar ‘bem menos’ depois que a Gal apresentou naquele seu primeiro show no Vila a sua grande amiga Maricotinha. Quem? Maria Betânia (no futuro), para todo o país, e Beta, para os baianos.

Como a amizade da Gal com a Beta era grande demais, a primeira gravação da ex-balconista de loja de discos foi na estreia discográfica de Maria Bethânia, em 1965. O primeiro compacto teve “Eu vim da Bahia, de Gilberto Gil, e “Sim, foi você”, de Caetano Veloso, lançados pela RCA, atual Sony/BMG). Evidentemente, os comprei, na Feira dos Discos, onde uma lei da Bahia (toda Maria das Graças é Gal) só não valia para Seu Edvaldo, que falava para a sua freguesia: “A Maria da Graça está arrasando”.

Por sinal, depois que tornei-me jornalista, em torno da Gal, cometi uma das maiores incompetências da minha carreira: nunca procurei saber se a Maria da Graça Costa Pena Burgos pedira demissão do seu emprego de balconista, ou se, um dia, não apareceu mais para trabalhar. Jamais saberemos, pois as loja não existe mais.

Em 1968, vivi o meu último tempo de moradia na Bahia. Ainda tive tempo de comprar, na Feira do Disco, o LP (disco de vinil com 12 a 14 músicas) “Tropicália/Panis et Circenis”, do qual a Gal participou. O comprei, diretamente, das mãos do Seu Edvaldo. Por aquela mesma temporada, a Gal gravou o seu primeiro disco solo e que a gravadora Philips só o lançou em março de 1969, quando eu já residia e o comprei em Brasília – onde comprei, também, todos os demais que ela gravou. Todos mesmo, sem faltar um.

Por conta de Gal Costa, vivi a mais incrível história da minha vida de rapaz namorador, ali pelos meus 23 de idade. Eu era apaixonadíssimo pela minha prima Cláudia, que era, também, fanzaça da Gal. Assistíamos a um programa de TV, algo assim como uma retrospectiva do Tropicalismo, quando lá pelas tantas, com o filme falando do “desbanjamento” dos baianos tropicalistas – leia-se ‘pôorralôquices” -, aparece a Gal sentada em um banquinho, tocando violão e cantando com as pernas abertas, mostrando a calcinha (foto). A prima Cláudia ficou indignada e colocou uma de suas mãos tapando os meus olhos, dizendo: “Gosto muito da Gal, mas não se assanhe muito, não, viu!”.

Dias depois, quando a Cláudia iria voltar para a Bahia, presenteei-lhe com toda a minha coleção de LPs da Gal. E não foi que ela reclamou que faltava um disco! Faltava, realmente. O que ela trazia na capa um sumaríssimo biquinininho vermelho (de 1973). Dentro, foto com os seios à mostra, sobre o qual lhe pedi, muito tempo depois , um autógrafo.

Este disco, a prima-namorada jamais conseguiu me tomar, em quase 20 viradas de calendário de namoro. De vez em sempre, o escuto, em minha “radiola”, como os baianos chamam aparelho de som. Pena que neste disco não tenha “Meu nome é Gal”, a minha música a predileta – em parte, também, por causa do Seu Gal, o leão das finanças públicas de minha terra.

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