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Dia do Livro Infantil: estímulo à leitura deve ser permanente, dizem pesquisadores

O livro é uma forma de gerar uma nova experiência de vida para as crianças, mesmo na pandemia, explicam especialistas

Redação Jornal de Brasília

18/04/2021 10h25

Crianças devem ser incentivadas a mergulhar na leitura, dizem especialistas. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Rodrigo Abdalla e Lucas Barbosa
Jornal de Brasília/Agência UniCeub

“Quem escreve um livro cria um castelo. Quem o lê mora nele.” A citação é atribuída ao escritor Monteiro Lobato, homenageado pela Lei 10.402 que instituiu o Dia Nacional do Livro Infantil na data de seu nascimento, 18 de abril. A frase expressa a capacidade da literatura em criar realidades para serem exploradas pelo leitor de forma prazerosa. Afinal, quem não gostaria de morar em um castelo? Pode ser que adultos pensem no trabalho que daria para limpar e nos custos de manutenção, mas, para as crianças, a aventura e a diversão são muito mais importantes do que as obrigações. Em meio à pandemia, estimular a leitura para crianças pode ser uma forma importante de tirá-las da frente de aparelhos eletrônicos e proporcionar novas experiências.

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“A pandemia mostrou que é preciso ler, que ler é uma forma de adquirir conhecimentos e experiências: a experiência de ler em família, por exemplo, ler para seu filho, para sua filha”. A frase é do professor Renato Dering, doutor e pesquisador em leitura. Ele analisa que, em algum momento posterior à infância, paramos de ler pelo prazer de descobrir novas aventuras.  

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Apesar da criatividade ser um requisito para a construção do castelo, ela não é suficiente em si. É preciso uma boa experiência literária que exige esforço de quem o propõe. “Sempre falo que a história vira livro, nunca nasce livro”, afirma Christiane Nóbrega, autora do livro Fios, finalista da categoria Literatura Infantil do Prêmio Jabuti 2020, o mais tradicional prêmio literário brasileiro.

Crédito: Ilustração de Gabriel Dutra para o livro Fios, de Chris Nóbrega / Direitos reservados

O livro foi lançado em 2019 após anos de revisões, releituras e reescritas. Fios é uma trama entre diferentes gerações de mulheres na mesma família: avó, mãe, filha e neta. As relações afetuosas desenvolvidas delicadamente no livro abordam ancestralidade, vínculos familiares, força de mulheres solidárias e finitude da vida. 

Além das mensagens e do reconhecimento, Christiane celebra a própria existência do livro, que contou com o apoio de família e amigos para se concretizar. “Ele foi escrito por mim, desenhado pelo meu sobrinho, bordado pela minha mãe. Depois foi revisado pela minha cunhada, editado por uma das melhores amigas da vida e publicado de forma independente pelo coletivo editorial Maria Cobogó*”, comenta a autora. 

Brasiliense e mãe de três filhos, Christiane estava acostumada a ler e contar histórias como advogada, mas foi no convívio com as crianças que passou a inventá-las. O primeiro dos três livros publicados pela autora é Júlio, um dinossauro muito especial, lançado em 2016 pela Franco Editoria. 

Christiane Nóbrega, indicada ao Prêmio Jabuti 2020 com a obra Fios | Foto: Lys Gusmão/Divulgação

A obra é inspirada em uma redação de sua filha e narra a história de um dinossauro que sofre bullying na nova escola por ser diferente – um grande e colorido animal extinto. A temática levanta a mensagem de tolerância em um universo fantástico, mas a autora ressalta que o propósito da literatura infantil nem sempre é passar um ensinamento. “Algumas vezes acontece despretensiosamente. Não condeno quem o faça de caso pensado. A arte deve ser livre, inclusive para quem escolhe escrever sobre temas específicos. Qualquer limitação para o fazer artístico é muito chata. Assim como tem livro com pretensão didática que é ruim, tem livro puramente literário ruim”, afirma a autora. 

Com pretensão didática ou não, os livros se tornaram ainda mais essenciais durante a pandemia de Covid-19, que restringiu as atividades das crianças. Sem poder brincar presencialmente com amigos e sujeitas ao ritmo acelerado das novas mídias, a leitura é um recurso valioso para lidar com o confinamento. 

“Momentos de leitura coletiva têm sido terapêuticos quer para os desviar das telas, quer para cumprir uma tarefa escolar, quer por mera diversão. O clichê de que livros nos fazem viajar sem sair de casa é mais real do que nunca, e sem dúvida os livros são grandes aliados da saúde mental”, indica a escritora Christiane Nóbrega. 

Crianças devem ser incentivadas a mergulhar na leitura, dizem especialistas. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Educação formal, arte e livro

A professora Beatriz Barbosa, 26 anos, dá aulas na pré-escola Sesc-DF para crianças de até 5 anos. A alfabetização ocorre posteriormente no ensino fundamental, mas é na pré-escola o primeiro contato com a leitura e escrita.  

“Aos 5 anos, as crianças reconhecem todas as letras do alfabeto, reconhecem algumas palavras e fazem a escrita espontânea a partir das hipóteses ou do conhecimento prévio do som das letras”, explica Beatriz. 

É por meio de atividades lúdicas e a partir da compreensão sensorial da criança que se estabelece a relação com a textualidade. Aprender a escrever o nome e se familiarizar com a forma das letras é essencial para desenvolver a leitura e também representa uma expansão da compreensão de mundo. 

“A leitura e contação de histórias são os primeiros processos para a construção da linguagem infantil. Por meio da leitura a criança compreende o ambiente que está inserida, desenvolve sua socialização e consequentemente sua alfabetização de forma natural. O incentivo à leitura é primordial nos primeiros anos da infância”, analisa a professora. 

As atividades propostas por Beatriz Barbosa aos seus alunos de 5 anos são como sementes que devem ser regadas ao longo dos anos para que as crianças continuem explorando o universo lúdico da literatura.

Livro o tempo inteiro

No entanto, o professor Renato Dering, entende que é necessário que o estímulo apareça em toda a vida escolar.

“Todos gostamos de histórias, mas a leitura do livro na escola, só é enfatizada como importante nessa faixa etária, quando as crianças ainda estão no ensino fundamental I, depois ela se torna objeto para análise gramatical ou outros fins”, argumenta o professor Dering. 

Renato Dering, professor e pesquisador em literatura alerta para necessidade permanente do estímulo à leitura: Foto: Arquivo pessoal

Autor de artigos sobre a importância da leitura na “formação universal do indivíduo”, o professor defende “o livro literário como um lugar de possibilidades”. E na infância, as possibilidades incluem até o impossível. Não causa estranheza um dinossauro na escola, assim como parece perfeitamente plausível que ele sofra com problemas de bullying. A criança geralmente não se interessa pela veracidade do enredo ou pelo retorno prático da leitura, mas ela embarca na narrativa à medida que se envolve com a história e se apropria dos elementos que a compõem. Morar no castelo, como sugere a frase de Lobato, requer primeiro acreditar que ele pode ser seu. 

Ainda segundo o professor Renato Dering, o desencantamento em relação à literatura é um processo que se acentuou à medida que as escolas “se tornaram espaços preparatórios, umas para o trabalho, outras para o Enem e vestibulares, mas boa parte delas esqueceram da preparação do ser humano.” 

Estudar história da literatura e a leitura literária são coisas distintas que proporcionam saberes diferentes. Enquanto a primeira é incentivada nos colégios por ter um retorno prático e objetivo, a leitura pelo prazer fica em segundo plano quando as obrigações escolares começam a crescer. 

“As pessoas não param de gostar de histórias. Quem as faz parar de ‘gostar’ é a falta de hábito e de incentivo à leitura. Tanto é verdade que as histórias em séries e filmes são sempre bem recebidas, logo, por que os livros literários não seriam?”, questiona Renato Dering.  

O incentivo à leitura não é exclusividade da escola e a prática pode ser acompanhada pelos pais. Com a pandemia, a necessidade de acessar o mundo fantástico da literatura se tornou mais evidente.

A análise sobre a leitura na infância do psicólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Marcos Ribeiro de Melo, também parte de uma visão menos comprometida com um retorno imediato. Mestre em Educação e doutor em Sociologia, ele defende que as experiências com a literatura sejam livres de expectativas, principalmente nos primeiros anos.

“Gosto de pensar, como o inesquecível Rubem Alves, que o livro é um brinquedo que se lê”, afirma Melo. Sem buscar um retorno objetivo, “o compromisso [da leitura] pode ser apenas o de fruir a obra de arte, de olhar e sentir o mundo de um outro modo.”

Livro é liberdade

A imposição da leitura nem sempre é o caminho adequado para incentivar a prática. Em alguns momentos, o convite para conhecer o castelo literário só é bem recebido com a companhia de outras pessoas. Às vezes, o castelo também não é o mais convidativo e é importante ter em mente que a literatura oferece muitas possibilidades.  

“As exigências escolares tendem a tornar o ato de ler uma obrigação solitária e enfadonha. É necessário recuperar o afetivo e o lúdico na relação com os livros. É muito bom ler para e com as crianças, variando o tipo de leitura: gibis, prosa, poesias, contos, etc”, comenta o professor Marcos de Melo.

Os benefícios com a literatura sob a ótica exposta pelos professores não é tão concreto quanto aprender um teorema matemático. Ao terminar um livro, às vezes sentimos mais do que conseguimos expressar e muitas vezes não é possível aplicar um teste sobre as experiências subjetivas. 

Nas palavras do professor Marcos de Melo, a literatura “conecta o indivíduo de modo afetivo e criativo ao mundo. A literatura torna possível outros modos de existência, fazendo tremer o que pactuamos socialmente como sendo a ‘realidade’ e seus modos de vida estabelecidos. À medida em que o universo do leitor é ampliado com a imaginação, criam-se novos e inusitados problemas que se tornam abertura para a invenção de si e de mundo.”

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