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Jô Soares foi um exibido assumido, um diplomata em pleno showbusiness

Jô Soares, morto nesta sexta-feira, foi um artista híbrido, de talentos diversos e um exibido assumido, quando criança, já chamava a atenção

FolhaPress

05/08/2022 8h06

Foto: Reprodução

Camila Appel
São Paulo, SP

Jô Soares, morto nesta sexta-feira, foi um artista híbrido, de talentos diversos e um exibido assumido. Quando criança, já chamava a atenção, com suas imitações e ousadias. Ele se pendurava na cobertura do anexo do Copacabana Palace, onde morava no Rio de Janeiro, ameaçando pular na piscina, só para rir com a reação dos turistas ao sol.

Estudou na Suíça e nos Estados Unidos, aprendeu a falar seis línguas, pensou em ser diplomata e acabou no showbusiness, encarnando personagens caricatos de bordões memoráveis na televisão brasileira para depois consolidar o maior programa de entrevistas do país.

José Eugênio Soares nasceu no Rio de Janeiro em 1938. Filho único de uma família rica que perdeu a fortuna de repente. O pai era operador da Bolsa de Valores, e a mãe, dona de casa e leitora assídua. Ela teve o filho aos 40 anos, nada comum para a época.

Na escola, Jô não era chamado de gordo apesar do tamanho. Ele tinha o apelido de poeta, por escrever poesias. Passou sua vida mais gordo do que magro e odiava o adjetivo gordinho ou forte, por considerar os dois pejorativos. Usou o peso a seu favor, como uma marca registrada do artista. Gostava de junk food, em especial sanduíches e assumia assaltar a geladeira de madrugada para comer feijão gelado com azeite.

Ele se casou três vezes, com a atriz e poeta Tereza Austragésilo, a atriz Silvia Bandeira e a designer gráfica Flavia Junqueira, com quem manteve uma amizade profunda depois do divórcio. Teve um filho com Austragésilo, Rafael, autista de “alto nível” parecido com o do personagem de Dustin Hoffman em “Rain Man”, como Jô costumava dizer nas poucas vezes que falou do filho em público.

Jô Soares também era dado a paixões –livros, filmes, teatro, motos, música, em especial jazz e blues, quadrinhos, charutos cubanos (ele chegou a lançar uma marca própria deles), refrigerante diet (dizem ser o que tinha na sua caneca), artes plásticas e futebol (torcia pelo Fluminense).

Notívago, costumava dormir tarde e acordar tarde. Morava em São Paulo, no bairro de Higienópolis, num apartamento de dois andares, um para sua moradia e outro para escritório, conectados por um elevador a vácuo.

Apelidou o lugar de “Espaço Cultural Jô Soares”, onde tinha uma réplica de dois metros de altura do Superman, uma jukebox Wurlitzer, um piano de cauda, uma estante cheia de brinquedos e bonecos de réplicas suas que recebia dos fãs e amigos, uma parede de cartazes feitos por Ziraldo para seus espetáculos e quadros pintados por ele mesmo.

Ele se considerava uma pessoa mística, acreditava num outro plano de existência e era devoto de Santa Rita de Cássia. Mas não se dizia católico por não concordar com muitas posições da Igreja.

Jô Soares tinha o humor como visão de mundo. E com ele se estabeleceu como um dos artistas mais conhecidos do Brasil, à disposição todas a noites na casa das pessoas, entretendo e informando, para sempre se despedir com o beijo do gordo.

Do comediante ao entrevistador

Jô Soares trabalhou como office boy num escritório de exportação de café e noutro de turismo vendendo passagens aéreas. Estudou para ser diplomata, mas repensou a decisão quando escutou de Silveira Sampaio que, independentemente do que ele fizesse, ia acabar no showbusiness.

Foi o que aconteceu. Jô passou a frequentar grupos teatrais, namorando Tereza Austragésilo, até que em 1958, aos 19 anos, estreou na televisão a convite de Adolfo Celi, no programa “TV Mistério” da TV Rio, ao lado de Tônia Carrero e Paulo Autran.

Depois, passou a escrever e atuar em programas da TV Continental e da TV Tupi. Em 1959, estreou no teatro como o bispo de “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna.

Sua fama nacional como comediante foi conquistada em 1967, como o mordomo da “Família Trapo”, na TV Record, programa que também ajudava a escrever.

Em 1970, foi para a TV Globo, atuando em programas como “Faça Humor, Não Faça Guerra”, que estreou naquele mesmo ano, “Satiricom”, de 1973, e “Planeta dos Homens”, de 1982, até ter seu próprio programa, o “Viva o Gordo”, também de 40 anos atrás.

Jô deu vida a mais de 200 personagens, como o Capitão Gay e a cantora Norminha, marcando bordões como “vai para casa Padilha”, “não me comprometa” e ” macaco tá certo”.

Em 1987, mudou para o SBT para realizar o sonho de ter um programa de entrevistas inspirado nos talk shows americanos, o Jô Soares Onze e Meia, e manteve seu programa de humor, agora chamado de “Veja o Gordo”. Houve ressentimento na Globo com a saída do comediante, travando uma guerra de audiência e a proibição na Globo dos anúncios do espetáculo que Jô tinha em cartaz na época e de comerciais de todos os que trabalhavam em seu programa semanal.

Em 2000, ele voltou para a Globo com o Programa do Jô, levando os 23 integrantes da atração, incluindo a camareira e o office boy. Justificou o retorno com a vontade de usar o departamento jornalístico da Globo a favor de seu talk show.

UM ARTISTA MULTITALENTOSO
Jô Soares foi escritor, jornalista, dramaturgo, diretor e ator de cinema e de teatro, músico e artista plástico.

Ele escreveu para a revista Manchete, para o jornal O Globo, o Jornal do Brasil, além deste jornal, e foi colaborador da revista Veja por sete anos.

Lançou cinco romances policiais, “O Xangô de Baker Street”, de 1995, “O Homem que Matou Getúlio Vargas”, de 1998, “Assassinato na Academia das Letras”, de 2005, e “As Esganadas”, de 2011, além de uma autobiografia em dois volumes, lançada há cinco anos.

Chegou a vender mais de 1 milhão de cópias, alcançando o topo da lista dos mais vendidos, e foi editado nos Estados Unidos e na Europa. O escritor gostava de misturar ficção com fatos e fazer referências a personagens verídicos.

Jô tocava bongô, piano, piston, saxofone, trompete e violão. Compunha prefixos musicais para seus espetáculos e já teve programas musicais em rádios.

Pintava acrílico sobre tela, chegando a fazer exposições individuais no Brasil e no exterior. Uma mostra em São Paulo, em 2004, por exemplo, contou com 54 obras suas. Ele participou ainda da Bienal de São Paulo, em 1967.

No teatro, contracenou com Cacilda Becker, recebendo elogios de Décio de Almeida Prado. “Seu talento é tão vasto quanto sua circunferência”, disse o crítico. Jô ainda dirigiu autores nacionais e estrangeiros, como Shakespeare, Nelson Rodrigues, Neil Simon e Edward Albee, e encabeçou diversos espetáculos solos, escritos, produzidos e interpretados por ele, como “Na Mira do Gordo” e “Remix em Pessoa”.

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