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Cinema

Novo ‘Avatar’ é bom, mas perde originalidade com intromissões da Disney

O primeiro movimento do filme afirma o pensamento ecológico do primeiro “Avatar” –Pandora é um paraíso–, ao mesmo tempo em que condena o militarismo, em particular o americano

FolhaPress

14/12/2022 19h55

Foto: Divulgação

INÁCIO ARAUJO

Como costuma acontecer com continuações, “Avatar: O Caminho da Água” é menos original do que o primeiro. O que Fox e Disney oferecem desta vez, como garantia, é a assinatura de James Cameron. A primeira aventura foi não só muito pessoal, como parece ter sido embalada pelo prazer da experimentação.

Ainda assim, há algo de embaraçoso neste novo filme. Aqui, Jake Sullivan, que formou família em Pandora, vive com a família despreocupado, brincando de árvore em árvore, na plena harmonia com a natureza que Pandora oferece.

O problema que se apresenta é bem mais convencional –a Terra está nas últimas. E que melhor ideia podem ter os terráqueos militaristas, a não ser invadir um belo planeta para abrigar humanos? Quem comanda a expedição é o avatar gigantesco do coronel Miles Quaritch.

No pensamento antibélico parece se encontrar, desta vez, o essencial da contribuição de Cameron. Se não há exploração de novas fronteiras –tecnológicas, inclusive–, em todo caso se trata de afirmar o propósito pacifista da série.

À parte isso, o filme original tinha a virtude de apresentar as particularidades da cultura local. Desta vez o roteiro é mais sumário, prevendo uma invasão militar para submeter o planeta e um combate particular de Quaritch com Sullivan.

O pensamento do vilão é bem característico. Para conquistar Pandora, precisa destruir Sullivan; para destruir a força dele basta-lhe atacar o ponto fraco, sua família.

O primeiro movimento do filme afirma o pensamento ecológico do primeiro “Avatar” –Pandora é um paraíso–, ao mesmo tempo em que condena o militarismo, em particular o americano. Trata-se, em suma, de reafirmar o caráter liberal da série: a invasão de Pandora evoca, é claro, a perene presença dos EUA em todos os tipos de guerra.

De passagem, o filme não deixa de dar umas cotoveladas no neoliberalismo e seu espírito meritocrata. Que o diga o artilheiro obcecado pela ideia de “cumprir metas” e pelos lucros que lhe proporcionará a matança de uns tantos animais marinhos. Ao caçá-los, ele evidentemente conspurca a pureza daquelas águas.

O filme nos carrega a esse novo reino, o da água. Jake, que é perseguido por Quaritch de maneira implacável, refugia-se com a família junto ao povo que vive em outra parte do planeta de Pandora.

Os bons selvagens da tribo das águas terminarão, após alguma relutância, por aceitar a família Sully. Sugestões de miscigenação e antirracismo surgem com alguns flertes entre os jovens que superam suas diferenças.

Os efeitos mais interessantes, desta vez, dizem respeito à ênfase dada aos armamentos que os terráqueos levam a Pandora e que reproduzem não propriamente as armas usadas nas guerras da atualidade, mas a ideia de violência e brutalidade contida nelas.

Os pontos menos animadores dessa ficção parecem remeter à presença infantilizadora da Disney na produção, ainda que isso seja uma marca insistente do cinema comercial contemporâneo.

O primeiro a assinalar é a assimilação dos animais à cultura humana –no caso, a do povo de Pandora. Animais com quem as crianças mantêm contato, de quem se tornam cúmplices e até aliados, são moeda corrente neste segundo “Avatar” e tornam quase impossível se esquecer das tantas operações análogas de assimilação operadas pela Disney com sucesso.

O segundo e mais evidente aspecto bem característico da Disney é a ideologia familiar. Está certo que Jake queira proteger sua família, já que é o alvo preferencial de Quaritch e seus asseclas. Mas, dada a sua importância para o povo de Pandora, soa um tanto artificial sua retirada para um esconderijo, como se fosse ele o único alvo da operação e como se os guerreiros terráqueos não o fossem encontrar em outra região.

O filme acena com a ideia de que pai é aquele que protege sua família. Que seja. Mas a família de um líder é seu povo, e Sully parece menos um herói do que um gatinho assustado, quando pede refúgio à tribo das águas. Soa postiço.

Escapa, porém, um aspecto que deve entusiasmar pouco os executivos da Disney: o elogio do filho rebelde. Lo’ak é o segundo filho de Sully, aquele que desdenha do pai, se diferencia do irmão obediente e se atreve fora dos limites do consentido.

Mas Lo’ak, cá entre nós, é quem se afirmará como a personagem mais heroica de todo o filme. O segundo “Avatar” preserva, grosso modo, as ideias do filme de 2009 e, claro, se destaca em meio à fraca produção hollywoodiana atual.

Perde, no entanto, o caráter original do primeiro filme, que supunha não só aspectos tecnológicos inéditos, como a criação de um mundo inteiramente novo e dotado de língua própria, inclusive.

AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA
Avaliação: Bom
Onde: Nos cinemas
Classificação: 14 anos
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldaña e Sigourney Weaver
Produção: EUA, 2022
Direção: James Cameron

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